terça-feira, 27 de maio de 2008

Território, Turismo e o Primeiro Pólo de Desenvolvimento Turístico


Porque a Costa do Estoril constitui o primeiro grande pólo de desenvolvimento turístico e dispõe de uma marca territorial com notoriedade internacional, importa defender o modelo de sucesso corporizado na sua junta de turismo.

O território é um bem escasso, susceptível de vários usos e cuja fruição deve ter sempre presente que constituirá um legado às futuras gerações, apoiada numa estruturante perspectiva de preservação e valorização.

No âmbito do turismo existem consumos de território muito diferenciados. Basta pensarmos no uso do solo relativo ao modelo clássico de alojamento, designadamente empreendimentos turísticos e empreendimentos de turismo no espaço rural e outros estabelecimentos destinados a proporcionar uma estada de curta duração, finda a qual o turista regressa à sua residência habitual (turismo itinerante) e no denominado turismo residencial que o PENT elegeu como um dos seus mais importantes produtos estratégicos.

A planificação do sector do turismo e especificamente os aspectos territoriais, constituem uma necessidade mais premente do que nunca. A utilização racional do espaço bem como a coordenação das diferentes planificações locais e os aspectos territoriais da política sectorial estão na ordem do dia como o atestam os recentes avisos de Bruxelas relativamente a alguns projectos PIN.

O uso racional dos solos e dos recursos é um elemento indispensável quando se equacionam novos investimentos ou se requalificam os existentes, não tanto pelo consumo de solo realizado pelo turismo – em regra inferior ao de muitas actividades, por exemplo da agricultura, infra-estruturas, residência principal ou secundária, etc. – mas pela especial ligação entre este sector e o território.

O ordenamento territorial do turismo deve ser entendido, tal como para as outras actividades, como um processo técnico-político tendente a traduzir a imagem espacial dos objectivos e necessidades do desenvolvimento turístico e a integrá-los com os demais sectores e com o modelo territorial geral.

Serve simultaneamente para seleccionar alternativas de desenvolvimento do sector operando-se uma combinação da aproximação horizontal típica do ordenamento do território e da aproximação vertical comum à planificação sectorial.

Com efeito, na nova fase do turismo qualificada de postfordista, o produto é entendido como um complexo de bens ou serviços e adquire uma importância singular na busca da qualidade.

Uma parte relevante desses bens e serviços não é comercializável designadamente a qualidade do ar, da paisagem urbana e natural, a tranquilidade, a mobilidade e a existência de infra-estruturas.

A não transportabilidade do produto turístico pressupõe que coincidem os lugares da produção e do consumo, pelo que qualquer transformação durante o processo se incorpora no produto e influi, positiva ou negativamente, na sua qualidade. Trata-se de uma relação sectorial-territorial, não unidireccional, mas de ida e volta.

O turismo apresenta uma clara especificidade do ponto de vista espacial dado que o território produzido é simultaneamente o produto que se oferece ao cliente.

Ordenar o espaço turístico implica, por um lado, seleccionar uma alternativa socio-económica de entre as possíveis e por outro promover um modelo territorial de harmonia com a opção eleita. Serve para planificar fisicamente o sector turístico mas também para facilitar a criação de produtos.

A complexidade do produto turístico, a dificuldade de encontrar os seus limites e a separação dos elementos que cumprem um papel na experiência turística, supõem que se acabe por associar o produto ao destino ou lugar em que é consumido.

Pode entender-se que os produtos turísticos se expressam em forma de peças territoriais pelo que a planificação e produção de um destino de qualidade só pode fazer-se com um correcto entendimento das peças-produto que o conformam e que surgem da sua agregação. Esta é a única maneira de conceber destinos coerentes, integrados e diversificados, partindo da própria coerência e diversidade de âmbitos territoriais amplos.

O espaço de intervenção da Administração Pública, comunidades locais e investidores no campo do ordenamento espacial do turismo deve ser reponderado numa altura em que o território reforça a sua importância e adquire um novo valor como parte substancial do conceito de produto turístico.

No caso do turismo coincidem a sustentabilidade territorial e ambiental com a socio-económica e a consecução de ambas deve converter-se no fim de qualquer processo de planificação.

Disciplinar as relações entre turismo e território permitindo o correcto desenvolvimento do sector em estrita observância dos princípios da sustentabilidade e qualidade impõe uma atenção permanente dos cidadãos e seus governantes.

A primeira experiência nacional relativa ao ordenamento do território turístico remonta a 1914, projecto de um empresário ambicioso e visionário, Fausto de Figueiredo, que pouco tempo depois da instituição do primeiro organismo turístico português (1911), criou de raiz a primeira estância turística – praias, termas e jogo – e o primeiro grande pólo de desenvolvimento turístico ainda hoje pujante: a Costa do Estoril.

A marca territorial constitui a identificação de um espaço turístico localizável e delimitável, apoiado numa denominação, num símbolo ou na combinação destes elementos, identificando uma expectativa de experiência turística.

Parece, assim, que a solução mais consentânea com o interesse público é a de consagrar-se uma excepção ao nível das extintas zonas de turismo (plano municipal ou infra-municipal da administração do turismo) para a Junta de Turismo da Costa do Estoril (JTCE) na linha da que foi encontrada, no plano regional, para Leiria-Fátima.

Dado que o Decreto-Lei nº 67/2008, de 10 de Abril, se encontra na Assembleia da República (mecanismo da apreciação parlamentar outrora denominado ratificação) tal possibilidade encontra-se ainda em aberto. Ou seja, a publicação do Decreto-Lei não encerrou definitivamente a questão.

Como o PENT já não delimita nem fundamenta a solução da nova administração regional do turismo português, não faltam argumentos políticos e técnicos para defender uma marca relativamente à qual não existem dúvidas sobre a sua antiguidade, notoriedade internacional, etc.

Por outro lado, parece evidente que as novas soluções do plano regional da administração do turismo não podem, nem devem, misturar-se com o plano municipal no qual indubitavelmente se situa a JTCE.

É, assim, importante que todos assumam as suas responsabilidades e activamente contribuam para preservar o modelo de sucesso corporizado na JTCE.

Ainda estão a tempo…

Carlos Torres
Advogado

In
Publituris nº 1024, 23 de Maio de 2008, pág. 4

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Regulamento da Classificação dos Estabelecimentos Hoteleiros, Aldeamentos e Apartamentos Turísticos


A classificação decorre agora de um sistema de pontos obtidos a partir de um conjunto de requisitos opcionais.

1) Introdução

Foi recentemente publicada, na Iª Série do Diário da República, a Portaria nº 327/2008, de 28 de Abril, que aprova o sistema de classificação – que se mantém obrigatório – dos estabelecimentos hoteleiros, aldeamentos turísticos e apartamentos turísticos, ou seja, dos primeiros três tipos de empreendimentos turísticos.

À semelhança das anteriores disciplinas legais dos empreendimentos turísticos, designadamente da Lei Hoteleira de 1986 e da Lei dos Empreendimentos Turísticos de 1997, também o novo Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos (RJET) aprovado pelo Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, é desenvolvido e complementado por via regulamentar ao nível dos requisitos específicos da instalação, classificação e funcionamento, com a particularidade de se tratar actualmente de portarias e não mediante decreto regulamentar como era tradição.

Este é o primeiro dos regulamentos a ser publicado, encontrando-se os relativos aos restantes cinco tipos – conjuntos turísticos, empreendimentos de turismo de habitação, empreendimentos de turismo no espaço rural, parques de campismo e caravanismo e turismo de natureza – numa fase já mais adiantada de discussão com as associações empresariais ou ainda a serem preparados.

2) Primeira publicação não produziu efeitos em consequência de erro na Série do Jornal Oficial

O diploma em análise já havia sido publicado na semana anterior, através da Portaria nº 465/2008, de 23 de Abril, a qual não poderia produzir efeitos pela circunstância de figurar na IIª Série.

De harmonia com o artº 3º, nº 2, alínea p) da Lei nº 74/98, de 11 de Novembro que disciplina a publicação dos diferentes diplomas legais, as portarias que contenham disposições genéricas devem ser publicadas na Iª Série.

Em consequência, o Governo tinha de promover o mais rapidamente possível a publicação do referido regulamento da Iª Série, o que efectivamente fez, pois tratava-se de regulamentação totalmente ineficaz.

Só uma minoria consulta a IIª Série, leitura que se revela muito fastidiosa dada a heterogeneidade de matérias que lá são publicadas, tendo o legislador reservado para a Iª Série as leis e os regulamentos mais importantes para o conhecimento dos cidadãos.

Não é, porém, a primeira vez que ocorre tal desvio, como refiro na nota da pág. 91 da anotação à Lei da Restauração e Bebidas, ANRET, Lisboa, 2007.

3) Classificação por estrelas coincidente com o regime anterior

Os estabelecimentos hoteleiros (hotéis e aparthotéis) classificam-se entre uma e cinco estrelas, com excepção das pousadas nas quais continuam a imperar as características dos edifícios onde se encontram instaladas.

Já nos aldeamentos e nos apartamentos turísticos o limiar mínimo da classificação é de três estrelas.

A única alteração respeita, assim, aos apartamentos turísticos em que a classificação mínima anterior era de duas estrelas e passa agora a três.

A particularização da dispensa de requisitos, contida no nº 3 do artº 6º, parece-me nada acrescentar aos traços estruturais da figura consagrados no artº 39º do RJET.

4) Requisitos obrigatórios e opcionais. O sistema de pontuação

Os requisitos mínimos dos estabelecimentos hoteleiros figuram no Anexo I, uma circunstanciada tabela com 139 requisitos relativos às instalações, equipamento/mobiliário, serviço, lazer e qualidade ambiental e urbanística.

Os requisitos dividem-se em obrigatórios e opcionais.

No que respeita aos requisitos mínimos obrigatórios podem ser comuns a todos os estabelecimentos hoteleiros – por exemplo: instalações sanitárias nas zonas comuns, zona de armazenagem, climatização das unidades de alojamento, áreas mínimas dos quartos ou apartamentos bem como a sua limpeza e arrumação diárias – ou aplicáveis só a determinadas categorias, como sucede relativamente ao número mínimo de suites (só para 5*) ou garagens com capacidade indexada ao número de unidades de alojamento (4 e 5*).

Os denominados requisitos opcionais influenciam decisivamente a classificação do estabelecimento hoteleiro pois encontram-se-lhes associados um determinado número de pontos, por exemplo: fechaduras electrónicas (5 pontos), garagem privativa com acesso directo à recepção (15 pontos) ou um simples menu de almofadas (2 pontos).

No caso dos estabelecimentos hoteleiros, 108 pontos corresponde a um hotel de uma estrela, 138 duas estrelas, 188 três estrelas, 210 quatro estrelas e, por fim, 218 pontos 5 estrelas.

O Anexo II respeita aos aldeamentos turísticos, nele figurando 110 requisitos. A classificação de três estrelas alcança-se com 148 pontos, a de quatro estrelas com 170 pontos e a de cinco estrelas com 177 pontos.

Tal como nos estabelecimentos hoteleiros a diferença de pontuação entre quatro e cinco estrelas é mínima. No entanto, esta pequena diferença é ilusória pois existe um considerável número de requisitos que são obrigatórios (não dão pontuação) para os hotéis de 5 estrelas mas que são facultativos para os de quatro: 17 (10 pontos), 25 (5 pontos), 37 (5 pontos), 50 (7 pontos), 60 (2 pontos), 70 (5 pontos), 74 (1 ponto), 75 (2 pontos), 82 (5 pontos), 85 (8 pontos), 89 (12 pontos), 92 (4 pontos), 95 (mínimo de 2 pontos), 98 (5 pontos), 99 (5 pontos), 100 (5 pontos), 102 (5 pontos) e 105 (5 pontos).

Finalmente, o Anexo III é relativo aos apartamentos turísticos e consta de 109 requisitos. A classificação de três estrelas obtém-se com 156 pontos, a de quatro estrelas com 184 e de cinco estrelas com 200 pontos.

5) Notas finais

Perante o inédito e incisivo editorial de Ruben Obadia relativamente à exclusão do Presidente da Região de Turismo de Évora da Comissão Instaladora da Área Regional de Turismo do Alentejo, pouco há a acrescentar.

Ficam-me deste lamentável episódio duas interrogações fundamentais.

A primeira, se esta intolerância constituirá um caso isolado, ou se, ao invés, não estaremos perante a ponta do icebergue do afastamento e ostracização de vozes não alinhadas?

E a segunda, se estará Bernardo Trindade disposto a aplicar o critério utilizado para afastar Andrade Santos – “funcionário do quadro com maior qualificação académica na área do turismo” – nos mais altos cargos da administração pública do turismo? E até, em coerência, porque não os Secretários de Estado disporem de mestrado ou doutoramento nas respectivas áreas de governação?

Curiosamente com esta selectividade académica, dos dois governantes que assinam a portaria atrás referida – respectivamente, o Secretário de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades e o Secretário de Estado do Turismo – só João Ferrão passaria pelo apertado crivo pois é doutorado e reconhecido especialista na área.

Não me parece que possa ser este o critério...

Carlos Torres
Advogado

In
Publituris nº 1021, de 30 de Abril de 2008