segunda-feira, 25 de maio de 2009

O Crescimento do Turismo Português após as grandes Crises Internacionais


De forma semelhante aos anos sessenta e oitenta, após a actual crise internacional ocorrerá um novo surto de expansão do turismo português? Tal como os surfistas atentos e robustamente preparados apanharemos no momento próprio a onda teorizada por Schumpeter?


1) A tendência de forte expansão do turismo português após grandes crises internacionais

As guerras e as grandes crises económicas estão associadas a subsequentes momentos de forte progresso da humanidade.

Também no campo particular da actividade económica do turismo em Portugal, embora pela sua relativa juventude não sejam possíveis grandes avaliações retrospectivas, podemos detectar uma tendência de a períodos de forte contracção e de negras perspectivas se seguir a expansão e a bonança económica.

Na década de sessenta, refeitas as economias dos países flagelados pelo segundo conflito mundial e a generalização do direito a férias pagas, surge o boom que permite o nascimento do nosso turismo como actividade económica relevante por forma a obviar às crescentes despesas com a guerra colonial.

Não se trata, no entanto, de mera inspiração política ou de um crescimento espontâneo induzido por determinados recursos naturais, antes resultando do prévio estudo de reputados especialistas internacionais fundamentando as subsequentes grandes opções políticas, que surpreendentemente recaíram sobre uma desprezada parcela do território nacional.

Quando o presidente Américo Thomaz questionado pelo empresário indeciso sobre a cultura a implementar recomendava, para surpresa dos presentes, que nos terrenos da Penina que se avistavam no horizonte se plantasse um hotel, já se encontrava profundamente estudado um novo destino turístico nascido das recomendações científicas de dois dos maiores especialistas internacionais da época – Kurt Krapf e Oscar Michel.

Com efeito, em 1962, estes especialistas – o Algarve registava então 52 000 dormidas, ocupando um 7º lugar no conjunto dos distritos e tão somente 2,5% do total das dormidas – apontavam para que no desenvolvimento turístico português se conferisse uma clara prioridade ao Algarve porquanto, no seu entendimento, era a região que apresentava “melhores condições de atracção e de acolhimento das grandes correntes de visitantes” (Développement du Tourisme au Portugal, rapport d´expertise).

Quem no plano nacional, fosse no político ou no empresarial, compreendia então as potencialidades de um produto turístico denominado sol e praia? E como se poderia antever que um território que não despertava o interesse dos próprios nacionais passasse a acolher, em menos de uma década, o estrelato internacional e para ele se virassem as atenções do investimento internacional, ultrapassando um milhão de dormidas em 1970, arrecadando o 2º lugar?

Só pelo estudo aprofundado foi possível a tomada de decisões políticas de enorme importância, designadamente a do Aeroporto de Faro que causou grande surpresa em termos internacionais pelo escasso triénio que mediou entre a aprovação e a sua inauguração em 1965.

Ao segundo conflito mundial seguiu-se outro momento de forte perturbação, a crise internacional decorrente do choque petrolífero de meados da década de setenta associada à turbulência interna decorrente da Revolução de 1974 em que até o pungente fluxo de retornados servia de tábua de salvação às preocupantes quebras de ocupação hoteleira.

Numa surpreendente recuperação do nosso turismo, seguiu-se na década de oitenta um período de fortíssimo e de inolvidável crescimento, passando Portugal a figurar nos primeiros quinze destinos mundiais, vantagem competitiva ímpar numa economia incipiente, até há pouco vertebrada no proteccionismo tutelar do Estado a um punhado de grandes grupos económicos.

Com efeito, tirando a Grécia, as taxas de crescimento entre 1978 e 1987 não tiveram equivalente em qualquer outro país da Europa, sendo que, durante a década de oitenta, o ingresso de turistas cresceu o triplo das entradas verificadas a nível mundial.

É, assim, importante que a seguir à grande crise de 2008 - ? o turismo português registe um terceiro movimento fortemente expansionista, por forma a que possamos recuperar alguns lugares perdidos no ranking mundial de chegadas e/ou subamos alguns no de receitas.

Para isso há que estudar aprofundadamente e de um ponto de vista multidisciplinar os produtos turísticos a manter e a criar, os territórios a afectar preferencialmente de harmonia com as previsíveis tendências de evolução de um mundo que se deverá nortear por princípios de maior rigor e de desenvolvimento sustentável, a adequação de um modelo de sol e praia sedimentado num trio de núcleos territoriais, dependente de operadores turísticos ou de sucedâneos como as low cost, o crescente abandono da vertente hoteleira e a forte penetração dos interesses imobiliários, qual o peso relativo do turismo receptor e da desprezada vertente doméstica. O leque de matérias é vasto mas temos que estar preparados para que, tal como na década de sessenta e de oitenta, o nosso turismo possa, com grande sucesso, aproveitar o movimento de retoma internacional quando este se perfilar no nosso horizonte.

2) O princípio da prevalência no aproveitamento das edificações existentes

A crescente betonização é um dos aspectos a ponderar, inflectindo a tendência de construção de novos edifícios.

Em Inglaterra, onde vigora de um dos mais avançados sistemas de planificação turística, dispõe-se especificamente sobre esta actividade como importante fonte de receitas sem prejuízo da necessidade de preservar as condições do meio rural. Deste modo, interditam-se ou restringem-se fortemente as novas construções para afectar ao turismo, optando-se pela política de reconversão de antigas instalações.

Pioneiramente na Lei da Utilidade Turística (Decreto-Lei nº 423/83, de 5 de Dezembro) o legislador reconhece expressamente que a remodelação, beneficiação ou reequipamento constituem iniciativas muitas vezes mais úteis e merecedoras de estímulo do que a construção de empreendimentos novos.

Uma das razões será certamente a ausência ou o menor consumo de solo decorrente daquelas iniciativas, numa linha da legislação do turismo orientada para o desenvolvimento sustentável, que regista alguns afloramentos posteriores como o da recente legislação dos empreendimentos turísticos em que o aproveitamento das construções existentes confere a pontuação máxima (15 pontos) no âmbito de um novo sistema de classificação dos hotéis, apartamentos e aldeamentos turísticos (Portaria nº 327/2008, de 28 de Abril).

Os futuros planos de ordenamento turístico poderão limitar as novas licenças à utilização das edificações existentes ou até a empreendimentos em funcionamento com incremento obrigatório da classificação, logo que se atinja uma determinada percentagem da capacidade de carga.

In Publituris nº 1072, de 22 de Maio de 2009, pág. 6

terça-feira, 12 de maio de 2009

Adaptação do Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos à Madeira


Na intervenção legislativa sobressai fundamentalmente a necessidade de respeitar o Plano de Ordenamento Turístico e uma actuação da autoridade turística regional que abrange todas as tipologias por forma assegurar um desenvolvimento integrado. Um bom exemplo da íntima ligação entre o prévio ordenamento territorial do turismo e as tipologias posteriormente consagradas nas leis hoteleiras.

Foi recentemente publicado o Decreto Legislativo Regional nº 12/2009/M, de 6 de Maio, que adapta à Região Autónoma da Madeira o RJET (Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, que aprovou o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos).

O objecto do diploma consiste precisamente da adaptação do RJET ao nosso mais antigo destino turístico (art.º 1º/1), disciplina que é aplicável a todos os empreendimentos turísticos e estabelecimentos de alojamento local localizados e que desenvolvam a sua actividade na Região Autónoma da Madeira (doravante abreviadamente Madeira) (nº 2), o que não preclude a possibilidade de se estabelecerem adaptações ou inclusivamente disciplina própria nesta sede do alojamento turístico (nº 3).

As competências cometidas pelo RJET à ASAE e ao seu presidente pertencem na Madeira à Direcção Regional de Turismo e ao director regional do turismo, abrangendo sem excepção todas as tipologias (art.º 2º/1).

Esta maior abrangência da autoridade turística regional motiva que no caso da fixação da capacidade máxima do turismo no espaço rural e do turismo de habitação se imponha o dever de audição dos competentes órgãos municipais (art.º 2º/2). Não se refere a classificação porquanto apesar de o RJET poder induzir tal entendimento, aquelas duas tipologias não são objecto de escalonamento por estrelas.

As competências atribuídas ao Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade, I.P. – maxime o reconhecimento dos empreendimentos de turismo de natureza (art.º 20º/2 RJET) – são exercidas pelo órgão de governo regional com a tutela do ambiente (art.º 2º/3).

Na mesma linha, define-se a competência em sede regulamentar nas áreas do turismo, ambiente, finanças, ordenamento do território (nº 4) e relativamente à declaração de interesse para o turismo (nº 5).

As tipologias de empreendimentos turísticos figuram no art.º 3º, compreendendo nove figuras, a saber:
1ª) Estabelecimentos hoteleiros;
2ª) Quintas da Madeira;
3ª) Aldeamentos turísticos;
4ª) Apartamentos turísticos;
5ª) Conjuntos turísticos (resorts);
6ª) Empreendimentos de turismo de habitação;
7ª) Empreendimentos de turismo no espaço rural;
8ª) Empreendimentos de turismo da natureza;
9ª) Moradias turísticas.

As Quintas da Madeira constituem uma das principais inovações. Com carácter pioneiro uma tipologia irradia de um plano de ordenamento turístico para o diploma legal que contém a disciplina comum dos empreendimentos turísticos. De harmonia com o art.º 9º do Anexo I do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma da Madeira (Decreto Legislativo Regional nº 17/2002/M, de 29 de Agosto, abreviadamente POT) nos espaços agro-florestais são admitidas seis tipologias – estalagens, pousadas, unidades de turismo em espaço rural, quintas madeirenses e moradias turísticas – com capacidade máxima, por unidade de exploração, de 80 camas.

Outras das inovações em matéria de tipologia de empreendimentos turísticos vigente na Madeira reside na supressão da tipologia parques de campismo e caravanismo – são relegados para o alojamento local – e na recuperação das moradias turísticas que o RJET eliminou do elenco legal remetendo-as para uma das modalidades de unidades de alojamento.

Contempla-se a possibilidade de cada uma das tipologias ser desenvolvida ao nível regulamentar no que respeita aos requisitos de instalação, classificação e funcionamento. Ou seja, para cada uma das tipologias fica em aberto a possibilidade de um plano regulamentar regional, que certamente ocorrerá na tipologia das Quintas da Madeira e nas moradias turísticas (art.º 4º/2).

A caracterização legal das Quintas da Madeira decorre de vários atributos. Em primeiro lugar, avultam características especiais dos edifícios, um pouco à semelhança do turismo de habitação: trata-se de casas senhoriais antigas, objecto de renovação e ou ampliação, que mercê das suas características arquitectónicas, fundadas no traçado original, contribuam para a preservação do património regional e transmitam a história e cultura da Região (art.º 4º/1).

Devem, em segundo lugar, à semelhança das estalagens, sub-tipologia extinta pelo RJET dispor de zona verde ou logradouro natural envolvente, com características de pequenos jardins botânicos, ressalvando-se a possibilidade de poderem conter árvores de grande porte (art.º 4º/2).

Para além do alojamento com carácter temporário e da vocação para uma locação diária prestam outros serviços acessórios de apoio com refeições (art.º 4º/3), ou seja, não se podem limitar ao fornecimento do pequeno almoço como outrora sucedia com os hotéis e pensões residenciais. Aponta-se expressamente um serviço personalizado e de qualidade com quatro exigentes atributos: requinte, elegância, prestígio e tradição (art.º 4º/4).

De harmonia com os exigentes traços associados ao novo figurino legal, as Quintas da Madeira apenas admitem uma classificação de topo, entre quatro e cinco estrelas, aplicando-se com as devidas adaptações os requisitos de instalação, classificação e funcionamento dos estabelecimentos hoteleiros (art.º 4º/5), os quais figuram actualmente na Portaria nº 327/2008, de 28 de Abril.

No que respeita ao turismo de natureza, diferentemente da criticável abrangência fixada no RJET, que abarca todas as tipologias mesmo as associadas a cargas elevadas como os aldeamentos e conjuntos turísticos, na Madeira só compreende o turismo de habitação, o turismo no espaço rural e as moradias turísticas (art.º 5º).

A definição legal de moradia turística corresponde, sem qualquer alteração, à do regulamento dos meios complementares de alojamento que o RJET revogou (art.º 6º). Recupera-se, assim, a figura que no domínio da Lei dos Empreendimentos Turísticos de 1997 integrava com os aldeamentos e apartamentos turísticos a tipologia meios complementares de alojamento.

As moradias constituem igualmente uma das modalidades do alojamento local na qual ingressam, como referi, os parques de campismo e caravanismo (art.º 7º). Para além deste último aspecto, ou seja, do acréscimo de uma modalidade, os traços do alojamento local são os constantes do art.º 3º do RJET embora se preveja futura disciplina regulamentar ao nível dos requisitos mínimos de segurança e higiene e mais especificamente dos parques de campismo e caravanismo.

No que respeita ao pedido de informação prévia prevê-se um parecer da Direcção Regional de Turismo, destinado a verificar a compatibilidade com o POT, o que quando desfavorável é vinculativo (art.º 8º). Apreciar uma pretensão à luz de um indeterminado conceito de adequação como sucede no RJET ou de um conjunto pormenorizado de normas que distribuem as tipologias pelo território faz naturalmente toda a diferença, não apenas à luz do interesse público mas igualmente da transparência e segurança do investimento privado.

Esta íntima ligação entre o POT e o parecer da autoridade turística regional verifica-se também em sede de licenciamento da construção (art.º 9º).

A referida maior abrangência da autoridade turística regional comparativamente ao Turismo de Portugal, I.P., projecta-se igualmente no domínio da classificação dos empreendimentos turísticos abrangendo todas as tipologias (como se referiu nem todos os empreendimentos são classificados), consagrando-se a prévia audição dos municípios no caso do turismo de habitação e do turismo no espaço rural (art.º 11º).

Por fim, uma manifestação de direito premial em sede de legislação turística, ao prever-se que a qualidade dos empreendimentos turísticos pode ser objecto de uma menção distintiva, cujo procedimento será definido em sede regulamentar (art.º 15º).

Em matéria de reclamações, processos de contra-ordenação e coimas surge correspondentemente a competência da Direcção Regional de Turismo em detrimento da ASAE (artigos 16º a 20º).