sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Os indicadores de desenvolvimento turístico sustentável

A escolha dos indicadores é fundamental para a correcta gestão e planeamento de um destino turístico.

A matéria do desenvolvimento sustentável do turismo suscita cada vez mais interesse entre nós, de que é exemplo a publicação do segundo Relatório de Sustentabilidade relativo a 2009 pela autoridade turística nacional e, mais recentemente, o nosso maior grupo hoteleiro publicou o seu primeiro relatório intitulado Planet Guest Pestana Sustentability.

Nos cursos superiores de turismo a matéria é estudada em várias disciplinas e entra paulatinamente no dia-a-dia de empresas e dos profissionais do turismo.

As directrizes de desenvolvimento sustentável e as inerentes práticas de gestão são aplicáveis a todas as formas de turismo, aos diferentes tipos de destino massificados e aos vários segmentos do turismo de nichos.

A orientação fundamental é atender à trilogia de aspectos ambientais, económicos e sócio-culturais, estabelecendo um equilíbrio que permita às gerações presentes beneficiarem da actividade turística mas garantindo simultaneamente que as gerações futuras terão iguais ou até melhores oportunidades.

Daí que o turismo sustentável deva:
  1. Optimizar o uso dos recursos ambientais sem os quais não haverá desenvolvimento turístico, conservando os recursos naturais e a biodiversidade.
  2. Respeitar a autenticidade sócio-cultural das populações anfitriãs, conservando a sua identidade cultural.
  3. Assegurar a viabilidade das actividades económicas a longo prazo, uma equitativa partilha dos benefícios sócio-culturais, designadamente ao nível de emprego estável e de qualidade.

A matéria dos indicadores de desenvolvimento sustentável do turismo é de grande utilidade, tendo a OMT desenvolvido desde 1992 um conjunto de estudos de qualidade que culminam numa publicação em 2004, para os planificadores e gestores de destinos turísticos.

Alguns indicadores são correntemente utilizados, designadamente os que medem o número de turistas ou as receitas que geram e ainda o número de camas.


O indicador básico de satisfação dos residentes com o turismo e com as suas componentes decorre dum questionário local. Aspectos como a perturbação das actividades tradicionais, designadamente banhistas numa praia interferindo com as actividades de manutenção das redes de pesca e o ruído que produzem, são valorados negativamente e podem estimar-se através do indicador número de reclamações apresentadas pelos residentes.

O inquérito local reporta-se aos benefícios económicos, sociais e culturais decorrentes da actividade tal como a conservação das tradições locais bem como à mudança das condições sócio-económicas (preços, acesso aos recursos, valores tradicionais e ambientais: preservação, melhoria ou degradação).

Qual é a atitude da população relativamente à actividade incluindo-se, para além da percepção do fenómeno, o grau de aceitação ou rejeição? A existência de um plano turístico despoletado e elaborado com o seu contributo, a frequência de reuniões e grau de participação (quem pode participar e utilizar efectivamente tal prerrogativa), a periodicidade de actualização dos planos, o nível de conhecimento dos valores locais e a percentagem de pessoas que se orgulham da sua comunidade e cultura respondem à questão.

Outro aspecto importante é o acesso das populações residentes aos locais mais significativos. Quais são os obstáculos económicos que se levantam? Como indicadores temos, neste âmbito, a percentagem de locais de livre acesso ao público e a frequência de visitas da população a estes locais de eleição.

Os obstáculos económicos ao acesso podem medir-se em horas de salário local e a satisfação decorre da percepção de mudanças na acessibilidade em consequência do aumento dos fluxos turísticos e negativamente pelo número de reclamações apresentadas relativamente ao acesso.

Os aspectos da igualdade homem/mulher são desdobrados no bem estar familiar em que se avalia a percentagem de homens e de mulheres com stress em consequência da sua actividade no sector, a existência de creches para os filhos dos trabalhadores, a igualdade de oportunidades, a saúde e segurança no trabalho, a oferta de transporte às mulheres que regressam do turno da noite e a percentagem de funcionários que entende que o facto ser homem ou mulher influi no salário.

Do ponto de vista mais geral, a percentagem de homens e mulheres relativamente ao número total de postos de trabalho no sector. A diferenciação de sexos por categorias salariais é outro indicador a considerar.

Nota final: António Pina, um dos maiores obreiros do actual modelo das entidades regionais de turismo que aniquilou o poder regional do turismo em Portugal, propõe-se agora regressar à presidência do Turismo do Algarve. De braço dado com o Secretário de Estado do Turismo viabilizou uma solução que colocou o poder regional do turismo à mercê do todo poderoso presidente do Turismo de Portugal. Desferiu o golpe mortal na ANRET e até a nova ANERT continua convenientemente INERTE, mercê da sua não aceitação das propostas que conduziriam à entrada das Entidades do Norte e do Centro. Isoladas, sem uma representação associativa forte, as novas figuras mantêm-se dóceis perante uma governação central crescentemente errática e autista. Como no tradicional provérbio faz o mal e a caramunha...

Publituris n.º 1156, de 25 de Fevereiro de 2011

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

ParadoxALL...


A proposta governamental que elimina a obrigatoriedade do responsável operacional dos empreendimentos turísticos, entre três e cinco estrelas, ter a categoria de director de hotel, para além de surpreendente é contraditória com o esforço de especialização e qualificação dos altos quadros do turismo realizado pelo Estado ao longo de décadas.

Quando em 2008 foi aprovado o novo regime jurídico dos empreendimentos turísticos (RJET) alargou-se consideravelmente o âmbito de aplicação da figura de director de hotel, até então confinada aos hotéis e aparthotéis de cinco estrelas ou quando os estabelecimentos hoteleiros dispusessem de 100 ou mais unidades de alojamento. Com o RJET (art.º 47.º, n.º 2) avançou-se significativamente, porquanto não apenas os estabelecimentos hoteleiros mas todos os empreendimentos turísticos passaram a ser abrangidos pela figura do director de hotel, desde que a sua classificação se situe entre três e cinco estrelas e, porventura com alguma imponderação, deixou de atender-se ao número de unidades de alojamento.

Um sinal claro de aposta do Governo em recursos humanos de alto nível, indispensáveis a um turismo nacional que cada vez mais se tem de afirmar pela qualidade e que despoletou um significativo conjunto de acções de formação por todo o território nacional, quer ao nível dos cursos de graduação em direcção hoteleira quer de pós-graduações em instituições universitárias.

Afinal, sendo importante o hardware em que Estado e empresários investiram significativamente nos últimos anos, criando um conjunto de infra-estruturas que nos permitem competir à escala global, elas só podem desempenhar cabalmente a sua função se forem acompanhadas do adequado software, isto é, de uma qualidade de serviço, também ela de elevado nível.

Ora, no centro do complexo fenómeno hoteleiro encontra-se o director de hotel, uma figura transversal a quem compete acautelar os interesses do investidor, salvaguardar e efectivar as diferentes vertentes de actuação da entidade exploradora, maximizar a satisfação dos utentes do empreendimento turístico e relacionar-se com um significativo número de fornecedores e prestadores de serviços, optimizando complexos fluxos de relações.

Os cursos de gestão hoteleira são, no ensino superior público, os que maiores médias de ingresso requerem, tendo-se formado desde a década de oitenta um elevado número de alunos com conhecimentos específicos de gestão na área do turismo, estudando com profundidade, entre outras matérias, a legislação do sector, nutrição, higiene e segurança alimentar, animação turística, organização de eventos, mercados turísticos, enogastronomia, técnicas de produção na hotelaria, gestão de alimentos e bebidas, publicidade e marketing turísticos, para além da complexa e exigente introdução ao turismo, sustentabilidade na hotelaria e um maior cuidado nas línguas estrangeiras.

Como docente, sempre tratei os alunos dos cursos de gestão hoteleira com uma exigência extrema, dada a importante função que muitos deles viriam a desempenhar numa componente nevrálgica da nossa oferta turística. Alguns perguntavam-me pela razão de tal dureza, ao que invariavelmente fui ripostando que, encontrando-me perante a elite do ensino superior, teriam de ser exigentemente preparados, pois constituíam uma espécie de marines do nosso turismo.

Sem a mínima fundamentação, num curto período de dois meses, o Secretário de Estado do Turismo propõe-se, numa primeira fase, abrir a profissão a todo o tipo de licenciaturas e, numa segunda fase, eliminar a obrigatoriedade do responsável operacional ter a categoria de director de hotel. Deitando, assim, por terra uma figura que remonta a 1982 e que inclusivamente deu o pontapé de saída para uma das maiores reformas de sempre do turismo português.

A incoerência da linha de acção governativa é manifesta: primeiro o RJET em 2008 alarga a exigência da profissão de um hotel de cinco estrelas para todas as tipologias de empreendimentos com a classificação entre três e cinco estrelas, mesmo que com um reduzido número de unidades de alojamento, em finais de 2010, o SET apresenta uma proposta que esvazia a especialização pressuposta pela figura, sendo que, passados dois meses, opta inexplicavelmente pela sua extinção.

A bem do turismo português, uma das poucas actividades económicas em que podemos competir ao nível mundial, cada um de nós deve serena e fundadamente fazer o que estiver ao seu alcance para que a intenção governamental de extinguir a figura do director de hotel não se venha a concretizar.

Nota final: No Conselho de Ministros de 17 de Fevereiro de 2011 a intenção governamental foi concretizada, revogando-se o diploma. Com uma única associação empresarial a defender esta radical e incompreensível medida é agora tempo de todos, designadamente estabelecimentos do ensino superior com cursos de turismo, associações profissionais e empresariais, assumirem as suas responsabilidades transportando para a Assembleia da República a discussão da matéria encontrando-se, por via do mecanismo de apreciação parlamentar, uma solução intermédia pois, entre 8 e 80, existem pelo menos 72 possibilidades. Esta bipolaridade política é confrangedora, em 2008 a solução do SET foi o 80, em 2011 é o 0. Consagram-se noutros sectores a Ordem dos Técnicos de Contas e a dos Nutricionistas, valorizando carreiras e exigindo mais e melhor formação, enquanto, nós por cá, vamos arrasando tudo com uma errática política de turismo. Entre a marreta e a bigorna da bicéfala direcção política do sector destruiu-se, nestes infelizes anos, boa parte do turismo português...

Publituris, Edição da Bolsa de Turismo de Lisboa, n.º 1155, de 18 de Fevereiro de 2011, p. 120

O Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT)

É importante uma atitude inclusiva e de total transparência na revisão PENT, tornando-o um programa de todos para todos.

O PENT no quadro dos instrumentos de gestão territorial

Os instrumentos da política de ordenamento do território podem ser de carácter económico, como é o caso dos instrumentos de planeamento e desenvolvimento (fundos estruturais, quadros de apoio, planos de fomento, planos de desenvolvimento regional), das ajudas a empresas e incentivos à localização de actividades e população ou de carácter físico espacial. Nestes últimos, na vertente supra-nacional, surge-nos o Esquema de Desenvolvimento do Espaço Comunitário (EDEC), enquanto que na nacional deparamo-nos com os instrumentos de gestão territorial.

A ossatura do sistema de gestão territorial decorre da Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e do Urbanismo (LBPOTU – Lei n.º 48/98, de 8 de Agosto) e do Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RGIT – Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro) organizando-se a três níveis: o nacional, o regional e o municipal.

No âmbito nacional surge-nos o Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT), os planos sectoriais (PSec) e os planos especiais de ordenamento do território (PEOT). Os planos regionais de ordenamento do território (PROT) no âmbito regional e no âmbito municipal os planos intermunicipais (PIOT) e os planos municipais de ordenamento do território (PDM). Como instrumentos de carácter mais operativo, os planos de urbanização (PU) e os planos de pormenor (PP).

É importante a distinção entre planos globais, que perspectivam o território de uma forma tendencialmente abrangente e integrada, harmonizando os conflitos de interesses potenciais ou reais e os planos sectoriais – como o do turismo – que o analisam à luz de um específico interesse público.

Quer os instrumentos de carácter global quer os sectoriais podem assumir um carácter genérico e orientador ou, ao invés, apresentarem um maior grau de precisão, isto é, definindo o uso do solo ou, numa visão mais operativa, perspectivando a transformação concreta do território.

Os principais aspectos do PENT

Feita esta introdução, passemos então à análise deste instrumento de gestão territorial de carácter sectorial, o Plano Estratégico Nacional do Turismo, abreviadamente designado por PENT, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 53/2007, de 4 de Abril.

Do preâmbulo resultam alguns aspectos importantes: a vertente do desenvolvimento sustentável – invocando-se expressamente a trilogia ambiental, económica e social –, o turismo como um sector estratégico prioritário permitindo, entre outras vantagens, o aumento das receitas externas, o combate ao desemprego, o reforço da imagem externa de Portugal e a valorização do património cultural e natural do País.

O turismo é referido como uma actividade económica que promove a qualidade de vida dos portugueses, a coesão territorial e a identidade nacional para além do efeito indutor num conjunto significativo de actividades que com ele se relacionam como a construção civil, o sector alimentar e os transportes.

Ainda em sede preambular, são eleitos, como grandes objectivos estratégicos, o aumento da contribuição do turismo para o PIB nacional e para o emprego qualificado e a dinamização do turismo interno, considerados como elementos cruciais para a melhoria da nossa qualidade de vida.

No entanto, a complexidade desta actividade económica reclama um plano estratégico que ainda tem por finalidade a articulação do turismo com outras áreas, designadamente o ordenamento do território, o ambiente, o desenvolvimento rural, o património cultural, a saúde, o desporto, as infra-estruturas e o transporte aéreo.

I – Uma grande oportunidade para um forte desenvolvimento do sector a nível qualitativo e quantitativo

Embora o turismo represente 11% do PIB, Portugal tem vindo a perder quota de mercado a nível internacional (já detivemos o 13º lugar do ranking mundial do número de turistas estrangeiros ocupando actualmente a 20ª posição mundial). No entanto, a circunstância de Portugal ter deixado de publicar estatísticas das chegadas de turistas estrangeiros desde 2007 leva a que alguns reputados especialistas estimem que o número actual oscile entre os 11 e os 12 milhões, pelo que podemos cair mais alguns lugares quando os dados reais forem apurados e fornecidos à Organização Mundial do Turismo.

O nosso destino turístico apresenta uma forte dependência de quatro mercados emissores (Reino Unido, Espanha, Alemanha e França que representam 60% dos hóspedes estrangeiros e 67% das receitas) e centra-se em três regiões (Algarve, Lisboa e Madeira), elevada sazonalidade e constrangimentos ao nível das ligações aéreas.

Embora o mercado mundial vá continuar a crescer – em 1957 havia 50 milhões de turistas estrangeiros tendo em 2007 atingido 903 milhões e em 2010, em que os peritos apontavam para um cenário de retracção, o melhor resultado de sempre, 935 milhões – a procura é mais sofisticada e assistiu-se a um aumento da concorrência (algumas com surpreendente desempenho como é o caso da Turquia, que entrou no novo milénio atrás de Portugal e que passados 10 anos mais que duplicou o número de turistas estrangeiros).

II – O momento para qualificar e desenvolver o sector do turismo nacional

Um dos grandes objectivos é o de Portugal se tornar um dos destinos de maior crescimento na Europa, ambição que o próprio PENT rotula de ambiciosa mas exequível, transformando o turismo num dos motores do desenvolvimento. Um ponto de vista acertado ao pressupor a existência de outros motores da economia para além do turismo, contrastando, assim, com as visões algo redutoras que pretendem uma espécie de turisficação do território e da economia nacional.

A excelência ambiental e urbanística são factores que alicerçam tal desígnio.

Os factores que mais nos diferenciam de outros destinos concorrentes são o «clima e luz», «história, cultura e tradição», «hospitalidade» e «diversidade concentrada». A «autenticidade moderna», «segurança» e «qualidade competitiva» são outros elementos que influem na escolha dos turistas.

No plano do turismo internacional, o PENT estabelece um objectivo de crescimento anual do número de turistas em 5% – ultrapassando os 20 milhões de turistas estrangeiros em 2015 – e das receitas em cerca de 9% – superando os 15 mil milhões de euros.

Desta forma, conclui-se: “o turismo contribui positivamente para o desenvolvimento económico do País, representando, em 2015, mais de 15% do PIB e 15% do emprego nacional”.


III – Uma estratégia ambiciosa e inovadora para o sector do turismo

1 – Mercados emissores


2 – Estratégia de produtos. Consolidação e desenvolvimento de 10 produtos turísticos estratégicos

Os 10 produtos estratégicos eleitos pelo PENT são:
  1. Sol e mar, impondo-se a sua requalificação sobretudo no Algarve.
  2. Circuitos turísticos (touring) cultural e paisagístico, avultando a criação de rotas temáticas.
  3. Estadias de curta duração em cidade (city break), impondo-se melhorar a acessibilidade a Lisboa e ao Porto.
  4. Turismo de negócios que assume uma grande importância pelas receitas que gera e pela atenuação da sazonalidade.
  5. Turismo de natureza no qual se impõe criar as infra-estruturas, serviços e know-how que se mostram deficitários. Em correspondência com o RJET abrange todas as modalidades de alojamento – por exemplo, um conjunto ou aldeamento turístico – o que é muito questionável em razão do elevado número de camas associado a estas tipologias.
  6. Turismo náutico (inclui os cruzeiros) apostando na invernagem activa.
  7. Saúde e bem-estar, tornando Portugal um destino de saúde e bem-estar, com apostas prioritárias nos Açores e Madeira.
  8. Golfe, apresentando-se Portugal como um destino de referência a nível europeu.
  9. Conjuntos turísticos (resorts) integrados e turismo residencial.
  10. Gastronomia e vinhos, destacando-se o “Douro património mundial” e o Alentejo.


Algumas considerações finais a propósito do PENT e da sua revisão:

A) Mercê de um conturbado e criticável processo legislativo não existe uma inteira correspondência entre os pólos previstos no PENT e os consagrados no Decreto-Lei n.º 67/2008, de 10 de Abril que cria o novo regime das áreas regionais de turismo e pólos de desenvolvimento turístico. Para a plena compatibilização a revisão do PENT, a decorrer, deverá consagrar o pólo Leiria-Fátima e aditar um novo produto estratégico: o turismo religioso.

B) Impõe-se uma maior participação dos interessados – empresas e profissionais do turismo, universidades – numa lógica bottom-up, transformando o PENT num programa de todos e para todos. Na sua feitura, e aparentemente na sua revisão, o secretismo tem sido a nota dominante, confiando-se excessivamente em consultoras internacionais com o inerente desperdício de dinheiro dos contribuintes.

C) Tanto as receitas – neste momento apesar de o SET afirmar que 2010 se trata do melhor ano de sempre atingindo 7,5 mil milhões € vários comentários associativos questionam a credibilidade de tais números – como o número de turistas (uma estimativa realista aponta para entre 11 a 12 milhões) teriam de duplicar em 5 anos para se atingir os grandes objectivos do PENT: mais de 20 milhões de turistas estrangeiros e 15 mil milhões € de receitas. Ao objectivo de Portugal ter o maior crescimento ao nível da Europa contrapõe-se a realidade da estagnação e a importante componente do turismo interno sistematicamente relegada para um plano secundário e objecto de campanhas promocionais perdulárias.

D) Há que repensar o antinómico turismo residencial extraindo da crise actual as devidas ilações e tomando em consideração o novo paradigma da exploração turística consagrado no art.º 45.º do RJET que erradicou a vertente residencial.

E) Importa, assim, encarar o planeamento do turismo como uma actividade que exige sólidos conhecimentos científicos do sector e sub-sectores, uma visão holística e prospectiva, erradicando metas à partida irrealistas, com fins de propaganda política e envoltas, as mais das vezes, num misto de linguagem poético-panfletária.

Viajar de 23 de Fevereiro de 2011

Fundo de Garantia é risco, ausência do Provedor é hipocrisia

Liliana Cunha
lcunha@publituris.workmedia.pt

Ao fim de mais de um ano de atraso, eis que o Conselho de Ministros aprova o novo decreto-lei das agências de viagem, numa acção que começa a gerar alguma polémica

Apesar da APAVT preferir ainda não se pronunciar, dado que o documento final (à data de fecho desta edição) não ser conhecido, a verdade é que o Conselho de Ministros aprovou na semana passada o novo decreto-lei das agências de viagem que transpõe a Directiva Europeia de Bolkestein, que na verdade deveria ter entrado em vigor a 31 Dezembro de 2009. Como base central, o decreto-lei pretende favorecer um novo ambiente à realização de negócios, desburocratizando algumas situações e oferecendo mais garantias aos consumidores finais, através do Fundo de Garantia de Viagens e Turismo. Esta é de resto uma situação que já esperava, tendo como objectivo “responder solidariamente pelo pagamento da totalidade dos créditos dos consumidores resultantes do incumprimento, total ou parcial, dos contratos celebrados com as agências e operadores turísticos”, como se lê no documento.

Todavia, na perspectiva de, Carlos Torres, esta é uma solução “de risco elevado”. Segundo o advogado especializado no sector, cabia ao Governo atender “à meritória proposta da APAVT que apontava para um sistema sucedâneo da actual caução através de uma seguradora, acautelando suficientemente os interesses dos consumidores e evitando a mais que questionável responsabilidade solidária ex lege em que as empresas cumpridoras são chamadas a pagar os erros da gestão irresponsável ou fraudulenta de outras que entraram em insolvência”.

Com isto, o advogado acredita que, na prática, a pretensão do Estado é querer “a todo o custo, dinheiro vivo sem atender à actual realidade das empresas”, apesar desse mesmo Estado “não prestar contas dos milhões de euros que arrecadou ao longo de anos com as elevadas taxas dos alvarás assobiando para o lado quando lhe referem que só podia cobrar o preço do serviço que não atingiria sequer 500 euros, mas pelo qual auferia 12 500 euros, afastando uma solução em que a gestão do risco ficaria a cargo de uma seguradora”.

Mas esta não é a única crítica que Carlos Torres deixa, mencionando que o decreto-lei apresentado “não consagra, uma vez mais, da figura do Provedor do Cliente, apesar de se tratar de uma consensual solução bottom-up entre a APAVT e a DECO, caracterizada por decisões céleres, proferidas em poucos meses, insistindo-se numa solução top-down a da Comissão Arbitral que contrasta pela lentidão das suas decisões, ultimamente dois, três, quatro anos”. Assim, fica na sua opinião demonstrada a “hipocrisia da recorrente argumentação governamental, afirmando atender aos pontos de vista e anseios associativos mas numa questão fundamental para a APAVT, (...) o mesmo SET afasta nas revisões legislativas de 2007 e 2011 a figura do Provedor do Cliente”.

Na medida que o novo decreto-lei opta pela manutenção da Comissão Arbitral, para os casos de litígios, Carlos Torres espera então que se conservem os aspectos positivos, designadamente o presidente que exerce a função de forma competente e fundamentada e que lhe sejam disponibilizados mais meios para alcançar a indispensável celeridade, tomando-se como exemplo as dezenas de casos relacionados com a Marsans resolvidos em poucos meses”.

Desburocratizar para simplificar

No documento publicado quinta-feira, dia 17, fica igualmente clara a tentativa de simplificação de processos, eliminando-se vários requisitos, entre os quais se inclui o facto da actividade das agências passar a estar disponível a “pessoas singulares ou entidades com forma jurídica reconhecida noutros Estados-Membros da União Europeia, ainda que inexistente na ordem jurídica interna”. Este é para Carlos Torres um dos aspectos mais importantes da transposição das regras comunitárias, tal como a supressão do capital mínimo social exigido e fixado nos 100 mil euros, pois com isso elimina-se a “obrigatoriedade das agências de viagens disporem de pelo menos um estabelecimento físico para atendimento a clientes”, bem como a necessidade de licença para operar, passando a ser substituída por uma “mera comunicação prévia (através do preenchimento do formulário electrónico disponível no Registo Nacional das Agências de Viagens e Turismo (RNAVT)”, conforme comunicado pelo Conselho de Ministros.

Este mesmo decreto-lei fala ainda na desmaterialização de procedimentos por via informática e a ligação ao balcão único electrónico (portais da empresa e cidadão), alterações que no seu conjunto “não merecem quaisquer reparo e decorre da transposição do texto comunitário”, segundo Carlos Torres.

Publituris n.º 1155, de 18 de Fevereiro de 2011, pág. 24

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A revisão da Lei das Agências de Viagens e a proposta de um Fundo de Garantia

Com um novo poder regional do turismo sujeito ao garrote financeiro do Turismo de Portugal, um PENT com objectivos manifestamente irrealistas e infantilidades como resorts atravessados por comboios, só falta mesmo destruir um elevado número de PMEs exigindo-lhes, num período complicado, significativas verbas em dinheiro para o fundo de garantia e que assumam as consequências da gestão de outras empresas.

1) Introdução. Um conjunto de alterações impostas pela transposição da legislação comunitária

A Directiva Bolkestein, também conhecida por Directiva dos Serviços, está na origem de um conjunto de alterações à Lei das Agências de Viagens e Turismo (LAVT) que se encontram em adiantada fase de negociação.

A sua transposição tinha como data limite 31 de Dezembro de 2009, sendo que a primeira etapa – abrangendo os aspectos mais gerais – ocorreu em Julho de 2010 através do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho. Para alguns sectores uma ou duas normas foram suficientes para adequar o seu regime, para outros, como sucede nas agências de viagens, há ainda que proceder a um significativo número de acertos.

Está, assim, a decorrer a segunda etapa, a transposição sectorial, envolvendo aspectos de pormenor, visando a compatibilização nos diferentes sectores dos serviços, como sucede com as agências de viagens, tendo sido entregue à APAVT em Novembro de 2010 um anteprojecto de alterações à LAVT em ordem à sua compatibilização com Bolkestein.

No essencial, com a Directiva dos Serviços ou Bolkestein, como também é conhecida, pretende-se a consolidação de uma das quatro liberdades fundamentais da União Europeia. Depois da livre circulação de pessoas, mercadorias e capitais, é agora a vez de implementar a liberdade da prestação de serviços no interior da União Europeia.


Uma nota para o reprovável secretismo que tem rodeado a presente revisão legislativa afastando da discussão desta importante matéria profissionais do sector, universidades e outros interessados. Infelizmente, uma tendência constante de governação socialista com a única excepção da Lei de Bases do Turismo cujo ante-projecto foi publicado no site do Turismo de Portugal, IP.

2) Síntese das alterações e dos requisitos de acesso ao mercado


3) A introdução de um mecanismo de responsabilização colectiva em substituição do actual modelo de responsabilidade individual

3.1) Aspectos em que o Fundo de Garantia coincide com o sistema de caução

Vejamos, agora com maior detalhe, a proposta relativa ao fundo de garantia. Por um lado, o novo mecanismo proposto coincide com o sistema de caução vigente cobrindo duas vertentes:
  1. O reembolso dos montantes entregues pelos clientes relativos a viagens organizadas comummente designadas por pacotes turísticos;
  2. O reembolso das despesas suplementares suportadas pelos clientes em consequência da não prestação dos serviços ou da sua prestação defeituosa no âmbito de viagens organizadas.
Tal como a caução, é anualmente actualizável em função do volume de negócios do ano anterior e os consumidores lesados accionam o fundo de garantia com base em sentença judicial transitada que mencione o montante da dívida.

3.2) Aspectos que diferenciam os dois mecanismos

O fundo de garantia apresenta alguns aspectos que marcam uma diferença substancial do sistema vigente sobre o qual nenhumas dúvidas foram levantadas durante vinte anos relativamente à sua compatibilidade com a Directiva 90/314/CEE que regula a matéria dos pacotes turísticos. Vejamos quais são:
  1. Contribuição obrigatória em dinheiro não permitindo, como sucede actualmente, a possibilidade de garantia bancária ou seguro-caução.
  2. O valor é de 1% de todas as vendas realizadas pela agência de viagens e não numa percentagem (5%) das vendas de pacotes turísticos. Mesmo que a agência não comercialize viagens organizadas terá de contribuir para o fundo.
  3. Não há limite máximo (250.000 €) e é estabelecido um valor mínimo de 12.500 € coincidente com o valor pago actualmente pela emissão de um alvará.
  4. À garantia individual ínsita ao sistema da caução – cada agência ou operador responde por si – o fundo de garantia representa uma garantia colectiva pelo que um número reduzido de empresas que entrem em incumprimento perante os consumidores podem num ápice esgotar as verbas que o dotam.
4) O risco de mega fraudes e a adequação do sistema existente

A criação do fundo gera objectivamente o perigo de uma mega fraude – um preço ardiloso, especialmente atractivo para milhares de consumidores que ficarão em terra ou retidos por falta de pagamento em distantes complexos turísticos – porquanto a pressão que em caso de incumprimento incide sobre o operador turístico e a agência que comercializou o pacote é, em boa parte, transferida para o fundo. As centenas ou milhares de consumidores lesados percebem onde está o dinheiro e transferem-se das instalações da empresa incumpridora para o Centro de Arbitragem.

Como as empresas que lesam o consumidor entrarão com elevada probabilidade num processo de insolvência, o fundo será reposto a expensas daquelas que continuam no mercado, que cumprem as suas obrigações e que, inclusivamente, terão sido prejudicados pelas práticas temerárias de preços baixos dessas empresas.

Surpreendentemente, o sistema actual de caução comporta adequadas garantias para o consumidor que pode indistintamente, como lhe aprouver, accionar a garantia do operador turístico que elaborou o pacote turístico ou da agência de viagens que o comercializou. Para além disso, dispõe – ou deveria dispor, se o Turismo de Portugal tivesse cumprido a obrigação do art.º 10.º da LAVT – de informação relativamente ao montante da caução das empresas com quem contrata, o que lhe permite avaliar o risco da compra.

Se o objectivo é proteger o consumidor, basta fornecer-lhe, para além do número do alvará e de outros elementos, o montante da caução da agência organizadora e da agência vendedora do pacote turístico.

5) O Estado como pessoa de bem fazendo ingressar no Fundo uma parte substancial das elevadas taxas que cobrou pelo alvará de agência de viagens

Já referi em posições anteriores que o nexo de reciprocidade entre a taxa e o serviço prestado impõe que o Estado devolva ao sector das agências de viagens os elevados montantes (12.500 €) cobrados pelos alvarás, podendo, caso venha o fundo de garantia a ser constituído, lá ingressarem uma parte substancial daquelas verbas.

6) Últimos desenvolvimentos

O presente artigo reproduz o essencial da minha intervenção em Lisboa numa conferência sobre questões actuais das leis do turismo, no passado dia 19 de Janeiro. No dia seguinte, o SET fazia declarações insistindo na constituição do fundo mas retomando surpreendentemente a percentagem inicialmente proposta (0,1% em vez 1%) com um tecto máximo de 10.000 € para operadores turísticos e de 7.500 € para agências de viagens.

Ora, não existindo distinção legal entre agências de viagens e operadores turísticos, a proposta afigura-se-me pouco sensata, constituindo uma espécie de retorno ao Decreto-Lei n.º 359/79, de 31 de Agosto, que operava uma distinção tripartida entre agências de viagens – grossistas, operadores e retalhistas –, a qual decorria do tipo de actividade e do âmbito territorial da sua acção.

Detecto, assim, para além do habitual secretismo legiferante, o carácter errático das propostas que não raro provocaram consequências negativas como a destruição das instituições nacionais do turismo, num novo poder regional do turismo sem meios ou na consagração legislativa de figuras caricatas como resorts atravessados por comboios, uma originalidade pátria.

AfinALL foram estes visionários governantes e dirigentes públicos (maxime o SET e o presidente do TP) que nos acenaram anos a fio com um dispendioso PENT – no qual, pasme-se, se esqueceram dum produto estratégico denominado turismo religioso – relativamente ao qual para cumprir as suas irrealistas metas teríamos até 2015 de crescer quase o dobro dos turistas estrangeiros (de 11 ou 12 milhões para 20 milhões, quando no melhor ano crescemos 100 000 turistas relativamente a 2000) e de duplicar receitas relativamente às quais existem públicas desconfianças sobre a sua verosimilhança (de 7,5 para 15 mil milhões de euros).

Os poderes públicos do turismo falharam duplamente ao não constituir atempadamente um registo público que a lei lhes impõe desde 2007 e em que deveria figurar a caução, permitindo que os consumidores pudessem aferir o valor prestado (não haveria, assim, surpresas no caso Marsans) e na atitude evasiva de não pretenderem devolver ao sector, directa ou indirectamente, alguns milhões de euros que anos a fio ilegitimamente lhe cobraram, pois não existe qualquer nexo de reciprocidade entre o custo administrativo da emissão do alvará e a verba de aproximadamente 12.500 € que é cobrada.

Assobiam para o lado e, para se justificarem, acenam com uma velha proposta da APAVT tal como o fizeram aquando da derrocada institucional com a grande casa do turismo português. Ora, se os desejos desta representativa associação empresarial fossem para o Governo importantes, porque não consagram a figura do Provedor do Cliente cuja celeridade contrasta com a lentidão da comissão arbitral do TP?

Porque insistem na consagração de um Centro de Arbitragem, um modelo claramente sucedâneo da actual Comissão Arbitral, em vez de reconhecer a figura do Provedor do Cliente?

Para além dos riscos que o fundo comporta ao evoluir-se de um sistema de responsabilidade individual para um sistema de responsabilidade colectiva em que as empresas cumpridoras podem vir a pagar os erros de outras que enveredaram por uma gestão temerária, quaisquer verbas em dinheiro que as PMEs, neste momento, tenham de pagar para o fundo de garantia podem constituir a gota que faz transbordar o copo e lançá-las na insolvência.

Versão integral do texto publicado no Publituris, n.º 1152, de 28 de Janeiro de 2011, pág. 4