quarta-feira, 29 de junho de 2011

A questão dos limites à criação de oferta de alojamento turístico

As limitações à oferta de alojamento turístico são há muito utilizadas em planeamento do turismo e em nada afectam, antes beneficiam, a iniciativa privada e a liberdade empresarial.

1) Liberdade empresarial e planeamento turístico

O desenvolvimento turístico ibérico tem-se baseado num modelo de crescimento extensivo, assente no aumento continuado do número de visitantes sem atender à capacidade de carga do território, entre nós raramente fixada, com as notáveis excepções dos planos de ordenamento turístico da Madeira e dos Açores.

Conferiu-se prioridade aos benefícios de curto prazo, à criação de uma oferta homogénea e estandardizada e à escassa presença da cultura e das tradições locais na configuração dessa oferta assim como uma forte pressão ambiental que provoca impactos na qualidade ambiental e paisagística do território. Trata-se de um modelo pouco sustentável que perdurou ao longo de cinco décadas.

Em Portugal assistimos nos últimos dez anos a um significativo crescimento da oferta hoteleira apesar de uma estagnação dos fluxos de turistas estrangeiros.

Nesta matéria tem sido avançado com alguma frequência o argumento de que não cabe ao Estado limitar o investimento, condicionar a liberdade empresarial de investir em mais camas turísticas, designadamente na cidade de Lisboa, de que ninguém vai fazer um investimento de milhões sem analisar cuidadosamente a sua viabilidade.

Trata-se, porém, de um argumento que ignora a compatibilidade, para não dizer indispensabilidade de um sistema de planeamento turístico com a liberdade de empresa.

Sem intuito exaustivo refiro de seguida algumas limitações possíveis.

2) Zona turística saturada

A declaração de zona turística saturada, que se traduz em limitações de novas actividades turísticas maxime o alojamento, poderá afectar os municípios ou localidades em que ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
  1. Ultrapassar a capacidade de carga estabelecida, tendo em conta o número de camas turísticas por habitante ou a densidade populacional;
  2. Existir uma procura que crie situações de incompatibilidade com a legislação ambiental.

Trata-se de uma figura crescentemente utilizada nos planos de ordenamento turístico da vizinha Espanha.

3) Requisitos progressivamente mais exigentes em ordem a uma maior qualidade da oferta

Outro dos princípios do planeamento é a procura de um turismo de maior qualidade através do aumento dos parâmetros exigíveis, induzindo a melhoria e modernização dos estabelecimentos. Uma das ideias chave é a de exigir mais e melhores requisitos aos estabelecimentos turísticos procurando que tenham a dimensão e estejam dotados de instalações que permitam um turismo de maior qualidade.

Uma das medidas para melhorar a qualidade dos estabelecimentos é a fixação de densidade mínima, por exemplo de 30 m2 de solo por cada cama turística (ratio turístico, Baleares, 1984), a necessidade da criação de zonas verdes de uso privado, instalações desportivas e recreativas para os clientes e uma piscina com determinadas dimensões e características.

Em 1987, também nas Baleares, aumentou-se o ratio turístico para 60 m2 por cama impondo-se outras restrições à construção e abertura de estabelecimentos de alojamento:

  • autorização prévia para os estabelecimentos de alojamento turístico antes de lhes ser concedida a licença municipal de obras;
  • 60 m2 por cama, devendo uma parte destinar-se a jardins e instalações desportivas ou recreativas de uso comum para os clientes;
  • piscina com determinadas dimensões;
  • apenas permitir a instalação de estabelecimentos no topo da classificação (quatro e cinco estrelas);
  • mecanismos para fomentar a reconversão de hotéis obsoletos, permitindo em certas circunstâncias a sua substituição por outros com melhor categoria.



4) Alojamento local e utilização de edifícios existentes em empreendimentos turísticos novos

Uma das maiores inovações do RJET consistiu na introdução da figura do alojamento local, um instrumento com grandes potencialidades para enquadrar o denominado alojamento paralelo, clandestino ou não classificado (art.º 3º).

No entanto, as dificuldades burocráticas sentidas pelos empresários ao nível do licenciamento de empreendimentos turísticos, tem motivado que algum investimento em novas unidades tenha vindo a ser canalizado para esta figura, pois, tratando-se de um processo de simples registo nas câmaras municipais, é bastante mais rápido e menos oneroso.

Trata-se, no entanto, de um desvirtuamento da figura que importa inflectir. As intenções que presidiram à sua criação – recuperar para a legalidade uma oferta significativa há muito existente no terreno – e o perigo de um abaixamento da qualidade da nossa oferta de alojamento turístico são razões mais que suficientes.

No novo sistema de classificação introduzido em 2008 a utilização de edifícios existentes para novos empreendimentos turísticos é premiada com 15 pontos. Apesar de a medida ser muito positiva, importa reforçá-la indo até ao máximo (30 pontos). A poupança de solo e a recuperação / reconversão dos nossos centros urbanos justificam plenamente o reforço da medida.

Publituris n.º 1172, de 17 de Junho de 2011, pág. 4

terça-feira, 14 de junho de 2011

A regulamentação do Fundo de Garantia de Viagens e Turismo

A Portaria n.º 224/2011, de 3 de Junho, aprovou o Regulamento do Fundo de Garantia de Viagens e Turismo (FGVT), um dos aspectos mais controvertidos da nova lei das agências de viagens (Decreto-Lei n.º 61/2011, de 6 de Maio).

Trata-se de um fundo que goza de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, patrimonial e financeira, que tem sede em Lisboa nas instalações do Turismo de Portugal, IP que lhe disponibiliza, em ordem ao respectivo funcionamento, os serviços técnicos e administrativos (art.º 2.º).

Os objectivos do fundo (art.º 3.º) estão em sintonia, como se impõe em sede regulamentar, com o n.º 2 do art.º 31.º da nova LAVT, assegurando o pagamento dos créditos dos consumidores decorrentes do incumprimento de serviços contratados a agências de viagens abrangendo:
  1. O reembolso dos montantes entregues pelos clientes em todo o tipo de viagens e não apenas nas viagens organizadas como sucedia na lei anterior.
  2. O reembolso das despesas suplementares suportadas pelos clientes em consequência da não prestação dos serviços (o hotel não aceita a reserva do operador e o cliente teve de pagar do seu bolso a estada) ou da sua prestação defeituosa (o campo de golfe não se encontrava em condições tendo o cliente de jogar noutro campo a suas expensas – a piscina do hotel entrou em obras e o cliente teve de frequentar uma nas proximidades tendo de suportar as entradas). Abrangendo, tal como na situação anterior, todo o tipo de viagens e não apenas os pacotes turísticos.

Já se encontrava prevista na nova LAVT e a portaria reitera a exclusão do FGVT dos créditos dos consumidores relativos à compra isolada de bilhetes de avião na condição de a não concretização da viagem não ser imputável às agências de viagens o que sucederá manifestamente no caso de insolvência da companhia aérea.


A polémica responsabilidade solidária do FGVT pelo pagamento dos créditos dos consumidores na condição de a agência de viagens incumpridora se encontrar inscrita no Registo Nacional das Agências de Viagens e Turismo (RNAVT) e tenha efectuado a respectiva contribuição encontra-se prevista no art.º 4º.

Tirando a possibilidade de as agências de viagens pagarem logo no acto de inscrição no RNAVT a totalidade da contribuição – 6.000 € para as agências vendedoras e 10.000 € para as agências organizadoras e as que sejam simultaneamente vendedoras e organizadoras – o art.º 5.º reproduz o art.º 32.º da nova LAVT.

Assim, o pagamento desta nova garantia apresenta-se em regra de uma forma faseada: aquando da inscrição no RNAVT as agências vendedoras pagam uma contribuição inicial de 2.500 € e as organizadoras (e/ou também vendedoras) de 5.000 €. Farão subsequentemente contribuições anuais até 31 de Agosto no valor de 0,1% do volume de negócios do ano anterior – o apuramento é realizado através da IES – até completarem os 6.000 € e 10.000 € respectivamente.

Existem três possibilidades para o accionamento do FGVT (art.º 6.º):
  1. Sentença judicial ou decisão arbitral;
  2. Decisão do Provedor do Cliente da APAVT;
  3. Requerimento solicitando a intervenção da comissão arbitral prevista no art.º 34.º da nova LAVT apresentado nos 30 dias subsequentes ao termo da viagem.

Nos dois primeiros casos o montante já está apurado pelo tribunal judicial, centro de arbitragem ou provedor do cliente enquanto que no terceiro depende da decisão da comissão arbitral que dê provimento, no todo ou em parte, ao peticionado pelo consumidor.

O accionamento do fundo de garantia em consequência do dano moral judicialmente reconhecido decorrente da frustração de férias que se vai afirmando por essa Europa fora, como sucede nos tribunais alemães e italianos, poderá apresentar-se como uma questão complexa entre nós designadamente se integra a facti species “créditos dos consumidores decorrentes do incumprimento dos serviços contratados a qualquer agência de viagens inscrita no RNAVT”.

Uma vez efectuado o pagamento ao consumidor, prevê-se, inovadoramente, em sede regulamentar, que se não existir reposição por parte da agência incumpridora possa ocorrer uma situação de sub-rogação legal (art.º 7.º).

Para além da contribuição inicial e anual das agências de viagens prevê-se que o FGVT disponha de outras receitas como rendimentos decorrentes de aplicações financeiras, reembolsos decorrentes da sub-rogação nos direitos do consumidor referida no art.º 7.º, liberalidades e, por fim, quaisquer outros meios financeiros que sejam atribuídos ou consignados por lei, acto ou contrato (art.º 8.º).

Como referi anteriormente, a contribuição inicial e as subsequentes não libertam as agências de viagens deste encargo. A qualquer momento podem ser chamadas a contribuírem novamente para o FGVT quando este ultrapassar o limiar mínimo de 1.000.000 € mantendo-se a contribuição anual até que perfaça 4.000.000 € (art.º 9.º e n.º 5 do art.º 32.º da LAVT), o valor que o legislador aponta para esta nova garantia. De forma eufemística determina-se que a reposição se fará preferencialmente através das receitas próprias e só em caso de insuficiência através das contribuições anuais das agências de viagens.

Limita-se, porém, a contribuição anual a 2.500 € para as agências vendedoras e 5.000€ para as agências organizadoras ou vendedoras e organizadora.

Prevê-se um conselho geral não remunerado presidido por um representante do Turismo de Portugal, IP, Direcção-Geral do Consumidor, APAVT e DECO (art.º 11.º) e a instituição de um fiscal único (art.º 13.º).


Encerra-se a regulamentação com a possibilidade de a gestão do FGVT ser cometida a uma sociedade financeira (art.º 15.º).

A Portaria hoje publicada regulamenta um dos aspectos mais questionáveis da nova Lei das Agências de Viagens, como é natural não trás matéria nova, apenas pormenoriza e desenvolve uma lei anterior.

Há pois que aguardar pela intervenção da Assembleia da República através do mecanismo de apreciação parlamentar.

Publituris on-line, 6 de Junho de 2011