sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Um debate alargado sobre as questões do turismo

Um conjunto de instrumentos permitem um melhor desenvolvimento do sector. É importante debatê-los aprofundadamente por forma a que o maior número possível de destinatários se identifique com as políticas de turismo.

1) Envolvimento e participação dos cidadãos

Parece-me importante que esta Legislatura se inicie sob a égide da participação dos cidadãos na política do turismo, que ao longo destes exigentes e difíceis anos sejam efectivamente ouvidos e ponderados os seus pontos de vista. Instituindo-se uma nova cultura democrática de proximidade no dia-a-dia do nosso turismo, passando das autoritárias metodologias top-down para as modernas tendências bottom-up, envolvendo e motivando os destinatários das políticas.

Não temos hoje um órgão consultivo de representação alargada, um Conselho Nacional do Turismo. Na anterior governação, o PSD pretendeu reinstitui-lo, mas a meritória iniciativa parlamentar foi chumbada com o formal e preclusivo argumento de que se tratava de matéria da exclusiva competência do Governo e como tal vedada à iniciativa parlamentar.

O défice de auscultação e participação dos cidadãos é, pois, um dos primeiros aspectos que importa corrigir, ao nível orgânico e no quotidiano das políticas de turismo.

2) Instrumentos de travagem e aceleração do desenvolvimento turístico. A evolução do PENT para um Plano Nacional de Turismo Sustentável

Não existindo entre nós a figura da zona turística saturada, a qual corresponde a um movimento de travagem de uma política de turismo, ouvi recentemente a possibilidade de eliminação dos pólos de desenvolvimento turístico, figura que em abstracto pode corresponder a um poderoso e selectivo movimento de aceleração.

Como tenho referido, os actuais pólos assentaram mais em razões de oportunidade e conveniência política do que num estudo da sua implementação apoiado em critérios turísticos, revelando ainda um percurso errático e sem a adequada fundamentação. Se no PENT surgiram inicialmente apenas o Alqueva e o Oeste, a figura multiplicou-se e acabou por ser inesperadamente transposta para a administração regional do turismo, com a particularidade de após a sua aprovação em Conselho de Ministros ter nascido o pólo de Fátima (o qual teria ainda de sofrer mais uma vicissitude consubstanciada na amputação de municípios).

Esta poderá constituir a primeira discussão alargada com a sociedade civil numa nova política de turismo inclusiva e participativa. Tenho sérias dúvidas que o critério económico seja de per si suficiente para justificar a extinção dos pólos porquanto até a nossa mais poderosa região turística, o Algarve, reclama do estrangulamento financeiro.

Podem existir pólos e zonas saturadas como instrumentos de grande utilidade para além e independentemente do actual modelo das entidades regionais do turismo, uma solução em que efectivamente poucos se revêem e que carece de modificações. Importa, pois, separar as águas, perceber que pelo facto de existir um mau modelo de governação regional do turismo, que pode e deve ser melhorado de forma participada, isso não deve conduzir automaticamente à eliminação de bons instrumentos de planificação e gestão da actividade reconhecidos ao mais alto nível, designadamente pela OMT.

Apesar da miopia e isolacionismo político dos seus fautores, de ter sido transformado frequentemente em fastidiosa autopromoção política, o PENT tem certamente aspectos positivos que devem ser preservados. Pode evoluir-se para um Plano Nacional de Turismo Sustentável e ponderar a sua inclusão num destacado capítulo do Código do Turismo (uma excelente iniciativa que não se confina à mera compilação e sistematização da legislação existente).

3) Congelamento de novas camas, expropriação de edificações e outras medidas indutoras do desenvolvimento turístico

Travar o aumento da oferta de alojamento turístico que degrada progressivamente as receitas constitui outra discussão prioritária.

Dessa discussão poderá decorrer o congelamento durante um período alargado – porventura 10 anos – de novas edificações para alojamento turístico de molde a corrigir o excesso de oferta de alojamento que degrada progressivamente os preços, evitando um maior consumo de solo de harmonia com um princípio de sustentabilidade.


Como é natural, terão de existir excepções, designadamente empreendimentos no topo da classificação em zonas carenciadas de alojamento turístico, mediante uma efectiva auscultação das populações afectadas e dos pareceres favoráveis das associações empresariais do alojamento, restauração e distribuição bem como da CTP.

Há também que estabelecer uma clara regra de preferência na utilização das edificações existentes quando se impuserem novas camas, surgindo a construção nova apenas em situações de manifesta impossibilidade ou inadequação de aproveitamento dos imóveis existentes.

4) Estabelecimentos novos em lugar de oferta obsoleta e capacidade de carga

Por outro lado, a oferta obsoleta de alojamento turístico afecta o preço e a imagem do destino. Aliado ao congelamento de camas novas e à fixação regional da capacidade de carga pode intervir um mecanismo em que as novas camas só podem ser autorizadas em substituição das obsoletas que são abatidas.

Pode assim discutir-se, por exemplo, a solução do abate de camas próprias ou adquiridas a terceiro na proporção de uma cama nova por 1,5 camas abatidas a funcionar legalmente durante um certo período por exemplo há mais de 15 anos. Ou o abate de um certo número de camas do alojamento paralelo conferir um número inferior de camas novas classificadas.

Importa também reflectir sobre a fixação da capacidade de carga em cada área regional de turismo. Como mecanismo dissuasor a nulidade dos negócios jurídicos que a desrespeitem, a demolição judicialmente ordenada a expensas do empreendedor e responsabilidades civil e criminal pessoal dos titulares das autarquias que viabilizaram o licenciamento.

Parece-me interessante alargar as potencialidades da expropriação por utilidade particular de edifícios devolutos e/ou degradados, sobretudo nos centros urbanos, permitindo a instalação de estabelecimentos hoteleiros no topo da classificação (4 ou 5 estrelas) ampliando-se, assim, um instrumento há muito previsto em sede de utilidade turística, que se tem confinado quase exclusivamente à Madeira.

Muitas outras possibilidades podem debater-se numa actividade cada vez mais importante para o futuro do nosso país.

Publituris n.º 1183, de 16 de Setembro de 2011, pág. 4

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Modalidades emergentes de alojamento turístico não enquadráveis na tipologia de empreendimentos turísticos

Em sede de planeamento turístico podemos encontrar algumas modalidades com expressão que suscitam interesse por parte dos turistas estrangeiros que nos visitam e nas quais existe uma oferta mais ou menos significativa nos territórios turísticos.

Como já referi em artigos anteriores, as oito tipologias de alojamento turístico fixadas no art.º 4.º do Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos (RJET) balizam a vertente do alojamento turístico em sede de planeamento, havendo, assim, que encontrar resposta para significativas modalidades de alojamento que despontam em Lisboa, como os hostels, e de outras que suscitam um forte interesse num dos nossos maiores mercados emissores, como é o caso dos holiday parks e das residências secundárias de elevada qualidade. Estas últimas multiplicam-se na linha Sintra-Cascais ombreando com o alojamento hoteleiro de topo, um segmento de elevado poder de compra.



1) Hostels


Os hostels, têm registado um considerável desenvolvimento em termos internacionais e são alvo de uma crescente atenção por parte dos responsáveis políticos. É o caso de Lisboa onde foram eleitos os 1.º, 2.º e 8.º melhores hostels do mundo em 2008.

Constituindo um alojamento barato (cheap logement), todos os espaços são partilhados, ou seja, para além da cozinha e sala de estar para os hóspedes, inclusivamente o próprio quarto de dormir é partilhado, estando instaladas várias camas ou camaratas.

Não podem ser considerados empreendimentos turísticos por não preencherem um dos seus estruturantes requisitos.

Com efeito da definição de unidade de alojamento constante do n.º 1 do art.º 7.º do RJET flui que se trata do espaço delimitado destinado ao uso exclusivo e privativo do utente do empreendimento turístico.

Trata-se de uma definição nova que o RJET introduziu, aditando-se à anterior trilogia quartos, suites e apartamentos as moradias as quais foram eliminadas como grupo ou sub-tipo de empreendimento turístico.

Manteve-se a necessária identificação da unidade de alojamento no seu exterior,
um sistema de segurança nas portas que apenas franqueie o acesso ao utente e ao pessoal de serviço, a sua insonorização, e, finalmente portas ou janelas comunicando directamente com o exterior.


Numa fase inicial, muito próximos dos albergues da juventude, nota-se uma crescente utilização indiferenciada em termos de faixas etárias e uma aproximação ao segmento gls.

O art.º 43.º do RJET consubstancia uma situação de monopólio do alojamento turístico nos empreendimentos turísticos, com a excepção do alojamento local.

A oferta de alojamento turístico – dormida, serviços de limpeza e recepção por períodos inferiores a 30 dias – apenas pode ocorrer em qualquer das tipologias de empreendimentos turísticos constante da facti species do art.º 4.º.

O n.º 2 contém uma presunção legal da prestação de serviços de alojamento turístico quando se verificarem cumulativamente as seguintes situações: o imóvel estar mobilado e equipado, ser oferecido ao público em geral surgindo a dormida não isoladamente mas acompanhada de serviços de limpeza e recepção cuja periodicidade seja inferior a trinta dias.

Não reunindo os requisitos para poderem ser qualificados como empreendimentos turísticos, os hostels só podem ser comercializados sob as vestes da abrangente figura do alojamento local.

O art.º 3.º disciplina o alojamento local, uma figura nova que poderá constituir um poderoso instrumento para fazer face à denominada oferta clandestina, paralela ou não classificada de alojamento para turistas.

Trata-se de estabelecimentos que desenvolvem a sua actividade no dia-a-dia mas que, por razões de diversa índole, não conseguem obter a licença de utilização turística para poderem despoletar o subsequente processo de classificação.

Um fenómeno de dimensão muito significativa, estimando-se que no nosso principal destino turístico, as denominadas camas paralelas ultrapassem largamente as classificadas. No Estudo Sobre o Alojamento Não Classificado no Algarve (1991-1997) da Universidade do Algarve (1998), a estimativa apontava para 312 493 camas no alojamento paralelo enquanto os dados oficiais registavam 85 100 camas no alojamento classificado.

A circunstância desta categoria ser engrossada pelo movimento de desqualificação como empreendimento turístico decorrente da supressão de tipologias levado a cabo pelo RJET, designadamente ao nível das pensões, parece-me negativo contribuindo não só para o aumento do número de estabelecimentos como também para a sua heterogeneidade.

2) Holiday parks


Os parques de férias constituem uma significativa forma de alojamento turístico em alguns países – como é o caso do Reino Unido, um dos nossos principais mercados emissores – que aliam um forte poder de compra dos seus cidadãos a políticas de respeito pelo ambiente e que são norteados por princípios e práticas quotidianas de desenvolvimento sustentável.

Nos parques de férias encontramos um terreno delimitado por meios naturais ou artificiais, no qual são introduzidas instalações de alojamento uniformes do ponto de vista arquitectónico, volumetria, número, área e disposição interna das suas divisões.

O RJET faculta a existência nos parques de campismo e de caravanismo de áreas destinadas a instalações de alojamento fixando, porém, o limite máximo de 25% da área total do parque destinada aos campistas (art.º 19.º, n.º 4) o que inviabiliza a figura dos holiday parks.

Os materiais utilizados nestas instalações de alojamento, o seu carácter amovível, bem como o muito moderado consumo de solo comparativamente ao turismo residencial, aldeamentos e conjuntos turísticos (resorts), recomendam a introdução de uma nova tipologia de empreendimentos turísticos.

O enorme crescimento previsto para o turismo de natureza reforça tal necessidade.

3) Aproveitamento turístico das residências secundárias


Várias têm sido as tentativas no plano internacional, designadamente em França, o maior destino turístico mundial, de trazer para o campo da utilização por turistas, residências secundárias que não são objecto de locação por parte dos seus proprietários, maxime do parque imobiliário de qualidade situado no litoral.

Sites como Homelidays, VRBO ou HomeAway evidenciam a pujança de um mercado de comercialização turística de residências secundárias, que têm registado um forte crescimento.

Com efeito, a utilização pelos seus donos confina-se a um período muito limitado do ano, sendo que a sua utilização por turistas, sobretudo pelos estrangeiros, permite efeitos muito interessantes nas economias locais, designadamente ao nível dos serviços de limpeza e manutenção das instalações como também nos restaurantes, lojas e consumo dos produtos da região.

Um crescente número de turistas de elevado rendimento preferem alojamento de pendor mais intimista tal como o turismo no espaço rural ou residências particulares com instalações de elevado nível, embora, naturalmente, sem os correspondentes requisitos de serviço.

A fiscalidade tem sido um dos instrumentos, estimulando ou penalizando os proprietários de imóveis em municípios ou pólos turísticos que não os disponibilizem para locação a turistas através de agências de viagens ou de mediadores imobiliários.

Vários obstáculos jurídicos, designadamente o art.º 43.º do RJET, ombreiam com a tendência dos proprietários se mostrarem relutantes a rentabilizarem os seus imóveis (o equivalente ao buy to use to let do turismo residencial). A sustentabilidade económica (aumento do rendimento ligado a um imóvel que permanece desabitado boa parte do ano), social (as populações locais prestam os seus serviços e comercializam os seus produtos aos turistas) e ambiental (não se consome mais solo em edificações para turistas aproveitando-se as construções existentes) da solução conduz à necessidade de superar tais obstáculos.

Jornal Planeamento e Cidades n.º 25, Julho/Agosto de 2011, págs. 36-37