sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Companhias aéreas, GDS e agências de viagens: um triângulo virtuoso

A revisão alargada do Código de Conduta dos CRS surge precisamente num período em que se reacende a disputa, adormecida durante anos, entre as companhias aéreas e os GDS. A entrada da Google no mercado da distribuição de viagens, as agências on-line,  os GDS low cost e as tecnologias direct-connect oferecidas pelas companhias aéreas tornam a revisão mais complexa.

Originariamente concebidos e operados por companhias aéreas, o uso dos CRS (computer reservation system ou central reservation system) foi posteriormente alargado aos seus então representativos parceiros de negócios, as agências de viagens e operadores turísticos. Quando operam para múltiplas transportadoras aéreas são designados como sistemas de distribuição global (GDS) abrangendo, para além do transporte aéreo, o ferroviário, a reserva de hotéis e o rent-a-car.

A política de concorrência da União Europeia no sector dos transportes visa garantir um funcionamento eficaz dos mercados recém-liberalizados ou em fase de liberalização.  Nesse sentido, tem vindo progressivamente a modernizar o seu enquadramento legal por forma a aplicar ao sector dos transportes o quadro geral das regras de concorrência, pontificando no domínio da aviação o Regulamento nº 80/2009, relativo a um código de conduta para os sistemas informatizados de reserva (SIR) que entrou em vigor em 29 de Março de 2009, cerca de um mês após uma nova directiva relativa às taxas aeroportuárias.

Dado que  uma parte importante das reservas de voos continua a processar-se através de SIR, existe  a necessidade de manter uma concorrência efectiva entre as transportadoras participantes e a transportadora-mãe (aquela que directa ou indirectamente, individual ou conjuntamente, controla ou participa no capital com direitos ou representação no órgão dirigente de um vendedor de sistemas) sujeitando esta última a regras específicas.

Impondo-se uma clara separação entre o SIR e os sistemas de reserva internos e impedindo-se que as transportadoras-mãe tenham acesso privilegiado é, no interesse dos consumidores  determinada a obrigatoriedade de um ecrã inicial imparcial de molde a garantir que as informações sobre todas as transportadoras participantes sejam acessíveis nas mesmas condições, não privilegiando, assim, nenhuma delas, reforçando a confiança do consumidor e aumentando a transparência dos produtos e serviços.

Relativamente aos dados comerciais dos SIR prescreve-se  a sua disponibilização, de forma não discriminatória, a todas as transportadoras participantes,  sendo que os prestadores de serviços de transportes não podem utilizá-los para influenciar indevidamente a escolha dos consumidores ou da agência de viagens.

O código de conduta representa um forte passo em direcção à liberalização do mercado dos CRS, alcançando-se nalguns aspectos uma total desregulamentação. Várias restrições foram removidas, outras modificadas e nalguns casos introduziram-se novas.

Não obstante a percepção de que se trata de uma matéria com alguma dificuldade de regulação é relativamente consensual a necessidade de manutenção  do código.

As companhias aéreas que primeiro cortaram os custos com os agentes de viagens, reduzindo ou mesmo suprimindo as comissões, insurgem-se numa segunda fase contra a alegada elevada remuneração dos GDS.  Algumas companhias áreas como a poderosa Lufthansa passaram há 3 anos atrás das palavras aos actos, apoiando os GNE também designados GDS low cost um fenómeno que despontou em 2005 nos EUA e que granjeou a simpatia das companhias aéreas americanas. Frustrada a iniciativa ainda se envolveu numa disputa com o GDS líder mundial.  Encerrada esta mediante um acordo, a companhia aérea anuncia que vai brevemente cobrar aos seus clientes que adquiram os bilhetes através de cartão de crédito uma taxa até 18€, sendo que ATM e transferência directa continuarão gratuitos. Dos GDS / agências de viagens a questão transferiu-se aparentemente para a banca e consumidores.

A solução direct-connect foi protagonizada nos Estados Unidos pela America Airlines criando um sistema para as agências de viagens reservarem directamente no seu sistema web em detrimento dos GDS – os que insistirem nas vantagens de uma oferta concentrada pagam entre 12 e 26€ tendo mais recentemente a Delta Airlines enveredado por uma solução semelhante.

Os GDS contrapõem com o pesado investimento e a elevada especialização traduzida em soluções tecnológicas de ponta, concentrando a oferta numa plataforma totalmente integradas, inalcançáveis ou pelo menos inacessíveis ao comum das empresas e um elevado número de pontos de venda. Aparentemente será mais vantajosa para as agências de viagens efectuarem as suas reservas a solução integrada de um só canal consubstanciada no GDS em vez de múltiplos canais correspondentes às diferentes companhias.

No início de Agosto,  foi dado o pontapé de saída para uma revisão alargada do Regulamento nº 80/2009, porventura uma das maiores de sempre, através de um questionário.  São cerca de meia dezena de questões sobre o Código de Conduta dos CRS, formuladas pela Comissão, as quais foram restritamente disponibilizadas à indústria do turismo, apontando-se para que o processo se encontre concluído no início de 2012.  

Esta revisão alargada do Código de Conduta dos CRS surge precisamente num período em que se reacende a disputa, adormecida durante anos, entre as companhias aéreas e os GDS. A entrada da Google no mercado da distribuição de viagens, as agências on-line, os GDS low cost e as tecnologias direct-connect desenvolvidas pelas companhias aéreas tornam compreensivelmente a revisão mais complexa.

 Publituris, n.º 1179, de 19 de Agosto de 2011, pág. 4