sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A segunda apreciação parlamentar da lei das agências de viagens: outra oportunidade perdida?

Tendo a primeira intervenção da Assembleia da República relativamente à Lei das Agências de Viagens (DL n.º 61/2011, de 6 de Maio) decorrido em Dezembro de 2011, desenvolve-se agora uma segunda intervenção deste órgão de soberania requerida pelo PCP e pelo PS no que respeita às alterações introduzidas pelo DL n.º 199/2012, de 24 de Agosto. Em 19 de Outubro último, a oposição manifestou-se em uníssono contra a injustiça gerada pelo carácter regressivo das contribuições para o fundo de garantia, ou seja, de as empresas de maior dimensão pagarem proporcionalmente muito menos que as PME’s e micro empresas, vivendo-se até momentos de alguma tensão parlamentar com o habitualmente muito sereno deputado João Ramos a acusar a maioria de não ter palavra

A Secretária de Estado do Turismo estribou a sua argumentação na concordância e aplauso da associação do sector e da sua enorme representatividade – 800 empresas – apontando para as galerias onde pontificavam os dirigentes associativos caucionando o inflamado discurso da governante. O PSD certamente em razão do difícil momento político e das perturbações da coligação governamental fez substituir na discussão o deputado Mendes Bota que se havia manifestado muito crítico relativamente à circunstância de as PME’s pagarem mais que as grandes organizações e à infeliz solução da solidariedade que rotulou de colectivista e potencialmente geradora de fraudes. Em comissão, no passado dia 29 de Outubro, já se tentou chumbar a iniciativa por forma a suprimir qualquer discussão extra parlamentar, designadamente a audição de um representativo conjunto de empresas que têm individualmente manifestado a sua discordância junto dos diferentes partidos. 

Não é porém no PSD em que vários deputados têm revelado o seu incómodo pela alteração da posição inicial que reside o obstáculo a uma alteração cirúrgica na Assembleia da República, mas à intransigência da governante e da associação empresarial do sector. Intervenção que permitiria limitar o enorme erro legislativo: a desigualdade das contribuições por um lado (introduzindo-se contribuições proporcionais à facturação em vez dos regressivos escalões) e a solidariedade por outro (através de limites individuais de responsabilidade em que cada empresa responde proporcionalmente à sua contribuição para o fundo). 

Em Dezembro de 2011, na primeira apreciação parlamentar, foram referidos dois aspectos fundamentais pela SET: 

1º) Não existia diferenciação em razão do volume de negócios, pelo que o esforço pedido às empresas mais pequenas é relativamente muito maior do que aquele que era exigido às empresas de maior dimensão. 

Ora, nas alterações recentes, a diferença agravou-se. Para além das judiciosas considerações de Ana Mendes Godinho no Publituris de 5/10/2012, para as quais remeto, no acesso ao mercado pagam 2.500 € através da impropriamente denominada contribuição única e nas contribuições adicionais impostas pela solidariedade uma empresa que facture 50 milhões paga 30 € por milhão enquanto outra que facture 500.000 € paga proporcionalmente 700 €. 

2º) Destacou um problema muito grave no que toca à solidariedade do fundo, quando este baixar a um milhão de euros as empresas cumpridoras vão ser chamadas a contribuir novamente para o fundo. Isto pode ser uma distorção muito grave, voltou a salientar a SET. 

Este problema persiste insensatamente, bastando uma só empresa que tenha contribuído com 2.500 € provocar na sequência de uma fraude um milhão € de reembolsos aos consumidores. Por fim, outro contributo importante em sede parlamentar respeita à elevada taxa do alvará de aproximadamente 12.500 € suportada pelas empresas que poderia dispensar as contribuições anuais das PME’s até 2015. 

Aproveitando o título do romance de Jane Austen sensibilidade e bom senso precisam-se.

Publituris n.º 1229, de 16 Novembro de 2012

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Carlos Torres esclarece sobre "recusa de embarque" em companhia aérea

Neste artigo, o jurista Carlos Torres presta esclarecimento sobre a recusa de embarque, por parte de uma companhia aérea, na sequência de uma greve aeroportuária 

Companhia aérea: recusa de embarque na sequência de greve no aeroporto 
Regulamento (CE) n.º 261/2004 

Pela primeira vez, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) considera que a companhia aérea deverá compensar os seus passageiros em situações de “recusa de embarque” devido à greve dos funcionários do aeroporto (caso C-22/11) bem como nos trajectos sucessivos devido ao atraso primeiro voo (caso C-321/11). 

No primeiro caso (Finnair Oyj contra Timy Lassooy), o TJUE entende que a transportadora aérea é obrigada a indemnizar os passageiros quando a “recusa de embarque” é devida à reorganização dos voos após uma greve no aeroporto ocorrida dois dias antes. Esta interpretação apoia-se no objectivo prosseguido pelo Regulamento (CE) n.º 261/2004, de 11 de Fevereiro de 2004, de assegurar um elevado nível de protecção dos passageiros. 

Na realidade, com o objectivo de reduzir o elevado número de passageiros com “recusa de embarque” contra a sua vontade, foi introduzido em 2004 um novo regulamento que alarga a noção de “recusa de embarque” para todos os casos em que uma companhia aérea se recusa a transportar um passageiro. Daí que, limitar o conceito de “recusa de embarque” para casos de overbooking tem, na prática, o efeito de reduzir a protecção conferida aos passageiros, ao excluir protecção, mesmo que eles se encontram numa situação que, como no overbooking, não lhes é imputável, o que seria contrário à finalidade legislativa (ver também TJCE de 04 de Outubro de 2012, Notícias C-321/11, D. 2012. 2383). 

Além disso, o TJUE declarou que a ocorrência de circunstâncias extraordinárias, como uma greve, não pode justificar a “recusa de embarque” nem atenuar a obrigação da companhia aérea de indemnizar os passageiros a quem foi recusado o embarque. O TJUE considera que a “recusa de embarque”, neste caso, não pode ser equiparada aos casos previstos pelo Regulamento (CE) n.º 261/2004 (motivos de saúde, de segurança ou falta/inadequação de documentos de viagem) e que o motivo da recusa não é imputável ao passageiro. 

No entanto, o TJUE observa que esta conclusão não impede as transportadoras aéreas de pedirem uma indemnização a terceiros, maxime ao operador do aeroporto, que estão na origem da “recusa de embarque”. 

No segundo caso (Germán Cachafeiro e outro contra Ibéria), o TJUE entende que o referido Regulamento (CE) n.º 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de “recusa de embarque” inclui a situação em que existe um único contrato de transporte com várias reservas em voos sucessivos, simultaneamente reservados, e em que uma das companhias aéreas nega embarcar alguns passageiros devido ao adiamento do primeiro voo incluído na reserva e pressupondo que esses passageiros não serão capazes de chegar a tempo para embarcar no segundo voo. 

Com efeito o primeiro voo havia sofrido um atraso de uma hora e vinte e cinco minutos. Prevendo que esse atraso levaria a que dois passageiros perdessem a sua ligação em Madrid, a Ibéria anulou os seus cartões de embarque para o segundo voo. Não obstante, uma vez chegados a Madrid os referidos passageiros apresentaram-se na porta de embarque em que a companhia procedia à última chamada, mas o pessoal da Ibéria impediu-os de embarcar pelo facto de os seus cartões de embarque terem sido anulados e os seus lugares terem sido atribuídos a outros passageiros. Daí terem que esperar pelo dia seguinte para viajarem para Santo Domingo noutro voo chegando ao destino final com 27 horas de atraso. 

A Ibéria accionada em Tribunal defendeu-se com o argumento que não estava em causa uma situação de “recusa de embarque” mas a perda do voo de ligação. O TJUE não acolheu tal fundamento enveredando pelo amplo conceito de “recusa de embarque”. 

[TJCE 18 de Outubro de 2012, Casos C-22/11 e C-321/11] 

Turisver on-line, de 9 de Novembro de 2012