sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Directiva Bolkestein e as agências de viagens


Bolkestein. Bolkes.. quê?

Liliana Cunha


Facilitar “extraordinariamente o acesso ao mercado, originando uma forte depreciação dos muitos alvarás que, neste momento, estão à venda no mercado” é uma das medidas previstas pela Directiva de Bolkestein que tem como prazo limite de transposição em Portugal o dia 28 de Dezembro deste ano.

O jurista especialista em Turismo, Carlos Torres, desmembra, em traços gerais esta Directiva de Dezembro de 2006 (2006/123/ CE) e lembra que não é só o segmento da distribuição que será afectado.

A mesma é abrangente e chega, na área do turismo, “ao aluguer de automóveis, guias turísticos, serviços de lazer, centros desportivos e parques de atracções” e, como se lê na mesma alínea do documento, “a serviços fornecidos (…) inclusive através da Internet”.

No que toca a alvarás, reduzir-se-á “substacialmente”, a taxa para obtenção dos mesmos, sendo que hoje, esta taxa está estabelecida na ordem dos 12 500 euros. Por outro lado, o capital social mínimo avaliado nos “exigentes” 100 mil euros “suscita dificuldades de compatibilização com o novo enquadramento comunitário”. Sem alterações, ficarão a caução e o seguro de responsabilidade “porque decorrem de outra Directiva (90/314) relativa aos pacotes turísticos”, explica o jurista.

Na opinião de Carlos Torres, a transposição da Directiva em tempo útil “dificilmente será cumprida” em Portugal e embora esta seja uma situação que ocorre com alguma frequência “não seremos certamente um caso isolado”.

Caberá então à próxima Secretaria de Estado de Turismo, em conjunto com a APAVT, desenvolver este trabalho no próximo mandato e, pelos exemplos de França ou Espanha, será uma tarefa “árdua, pelo extremo grau de dificuldade” que apresenta, observa o jurista, antecipando que o primeiro se mestre de 2010 poderá não ser suficiente. Por outro lado, este atraso “permitirá beneficiar das experiências europeias”.

Carlos Torres deixa ainda uma consideração no que toca à temática, pois esta revisão “constituirá uma oportunidade para o novo governante sarar o mau estar existente com uma das mais importantes associações empresariais do sector motivada pela não consagração da figura do Provedor do Cliente”, menciona referindo-se à Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo.

Tendo em conta a proximidade do tempo limite para aplicação da respectiva Directiva, o Publituris foi ouvir o que os players nacionais têm a dizer, mas a sensação que ficou foi a de que poucos a conhecem ou, sequer, ouviram falar, e tão pouco têm noção das suas implicações.

Ainda assim, a sua importância não pode ser descurada, pois as consequências são profundas em matéria de agências de viagem e operadores turísticos, além de que “facilitará, consideravelmente, o acesso ao mercado, eliminando situações de monopólio legal”, acrescenta o jurista.

Vantagens e desvantagens vistas pelo mercado


Sem prestar testemunho, por alegada “falta de tempo” a APAVT remeteu para mais tarde comentários a esta Directiva. No entanto, caberá à próxima direcção da Associação o desenvolvimento deste trabalho com a SET.
Dos poucos que se prestaram a comentar, Pedro Gordon, delegado da GEA em Portugal e na Argentina, refere que as maiores preocupações que dali saem são a facilitação da entrada no mercado de novas agências de viagem. “Consequentemente, a entrada no mercado de empresas com menores requisitos e eventualmente com menor grau de profissionalismo poderá prejudicar o próprio consumidor, ou pelo menos criar uma percepção pouco especializada das empresas do sector”, comenta.

Já Maria José Silva, da RAVT, considera que a Directiva “visa liberalizar e harmonizar os serviços no mercado interior da União Europeia”, não se aplicando às áreas financeira, fiscais, de transportes e comuniações electrónicas, pois existem normas sectoriais específicas”. Nesse sentido, “as questões ligadas à fiscalidade (IVA, IRC, PEC, …) aplicadas aos serviços fornecidos pelas agências de viagens, não serão alteradas”. Assim, Maria José Silva antecipa “mais concorrência entre os outros países da Europa e maior desvantagem na “corrida”, uma vez que os nossos impostos irão encarecer, terrivelmente, os valores dos nossos serviços apresentados em relação a outros países com valores significativamente inferiores”. Ainda assim, mostra esperança para que esta Directiva “ajude a retirar ou aligeirar algumas destas cargas fiscais”. Como vantagem, a responsável observa que “os trabalhadores terão direito a exercer a sua profissão em cada um dos Estados Membros, desde que beneficiem de uma autorização emitida no Estado de origem” e também a que se “busquem maiores competências”.

Por estes motivos, Maria José Silva aconselha a que as agências “se unam e repensem estratégias da distribuição”.

SET: Directiva é simplificação de procedimentos


Também conhecida como a Directiva de Serviços, a Secretaria de Estado de Turismo considera-a “um instrumento legislativo importante para o desenvolvimento da aplicação das liberdades fundamentais previstas no Tratado que institui a Comunidade Europeia, como a ‘Liberdade de Estabelecimento e de Prestação de Serviços Transfronteiras’”.


Nesse sentido, o mercado torna-se “único” e “passará a partilhar as mesmas regras, abrindo a possibilidade de qualquer empresa nacional prestar serviços no exterior, com reconhecimento do seu regime de autorização de origem e com um menor esforço administrativo, mas sempre tendo em conta a protecção dos consumidores, a segurança das pessoas e o interesse público de cada Estado Membro”.

Assim sendo, a SET vê como vantagem “a abertura transnacional do mercado a todas as empresas e consumidores” dos 27 da UE.

Avançando que a coordenação deste processo em Portugal está centralizada na Direcção-Geral das Actividades Económicas do Ministério da Economia e da Inovação e envolve, simultaneamente, a intervenção das autoridades nacionais competentes para a legislação abrangida, Bernardo Trindade avança que “as alterações legislativas levadas a cabo pelo Governo contemplaram desde logo os princípios constantes da Directiva Serviços”. Como exemplo, menciona “o novo Regime Jurídico das Empresas de Animação Turística que introduziu uma substancial simplificação dos procedimentos administrativos necessários para o exercício desta actividade, facilitando-se o acesso à mesma. Concentrou-se toda a legislação para acesso à actividade num só diploma, criando-se um único interlocutor, o Turismo de Portugal, e um balcão único sectorial”.

Do ponto de vista de Trindade, esta “simplificação administrativa permitiu impulsionar a actividade do sector, resultando na criação de 65 novas empresas desde a entrada em vigor do Diploma, a 15 de Junho”.

Também a revisão da Lei das Agências de Viagens, em 2007, “assumiu uma simplificação administrativa substancial do processo de licenciamento, facilitando o acesso e o exercício da actividade através da eliminação de actos que a prática demonstrou serem desnecessários, bem como a desmaterialização dos processos, a redução de prazos e a simplificação dos documentos exigidos, aliás em sintonia com os princípios do SIMPLEX”, explica.

No entanto, admite igualmente que com a implementação da Directiva será “naturalmente, necessário aprofundar a simplificação dos procedimentos administrativos, nomeadamente com a criação, já em curso, de “balcões únicos” que servirão de interlocutores dos prestadores de serviços. O Objectivo? “Tornar possível o cumprimento de ‘formalidades’ à distância e por via electrónica e facilitar o acesso às informações sobre os requisitos e procedimentos nacionais para o exercício da actividade em causa”.

Neste sentido, avança, como exemplo, a participação do TP num “projecto-piloto do Balcão Único nacional com a actividade de animação turística, cujo regime já cumpre os procedimentos de simplificação administrativa”.

A título de curiosidade refira-se que a Directiva de Bolkestein (2006 /123/CE) tem o nome do comissário europeu responsável pelo mercado interno (Frits Bolkestein).

Em Madrid

Directiva está em implementação


Madrid foi a primeira Comunidade espanhola a aprovar na semana passada um projecto-lei da Directiva de Bolkestein. A sua aplicação permitirá eliminar ou modificar 70 das normas actuais. Já esta semana, no Hosteltur, um artigo indicava que as associações de agências de viagem estão conscientes das alterações implicadas, mas consideram a Directiva “perigosa” e que trará resultados “muito negativos para o mercado”, pois facilitará “o intrusismo” e consequentemente “os clientes ficarão desprotegidos”.

Aliás, a UNAV vai mais longe, referindo que esta medida “só descontrolará o mercado.”

Por outro lado, as empresas são mais cautelosas e acreditam que a adaptação da Directiva “não implicará tantas mudanças quanto as esperadas”, pois apesar de não serem necessárias licenças, serão obrigatórios outro tipo de autorizações. Quanto ao intrusismo, reina o sentido pragmático pois ele já existe e vai manter-se.

Como mais-valia está a consciencialização do cliente no momento de escolha da agência em que irá fazer a sua reserva, e assim, “os agentes devem pensar, cada vez mais, no papel que desempenham”.

in Publituris, 28 de Outubro de 2009

As alterações ambientais e as suas implicações no turismo


Portugal poderá beneficiar com o movimento de deslocação de turistas dos destinos mais quentes para os destinos mais amenos em razão do aquecimento global?


O início de uma Legislatura, num contexto de profunda crise económica e das inerentes mudanças à escala planetária é seguramente um bom momento pensarmos no actual estado do turismo português e na forma como, em grandes linhas, se perspectiva a sua evolução.


Para além das alterações demográficas com o envelhecimento da população potenciando o binómio do turismo (disponibilidade e rendimento para viajar) as alterações climáticas promoverão igualmente significativas alterações no modelo actual.


Há, assim, que atentar nas grandes tendências internacionais, antever a forma como o mundo vai evoluir e as suas implicações nesta espantosa actividade económica que vinha registando um crescimento exponencial, ombreando com as indústrias automóvel e petrolífera e na qual Portugal detém significativas vantagens competitivas posicionando-se no 20º lugar do ranking da OMT ao nível das chegadas de turistas internacionais e no 27º das receitas.


Ocupando 10,2% da população activa e 10,5% do PIB, o PENT ambiciosamente fixa para 2015 os objectivos de 15% do PIB e 15% do emprego.

A década de 90 inicia-se com Portugal na irrepetível 14ª posição do ranking mundial de chegadas de turistas internacionais, na sequência de fortes taxas de crescimento superando as médias mundial e europeia e até a dos destinos concorrentes exceptuando a Grécia. Contrastando com a viragem do século, em que às sucessivas aspirações políticas de subida no ranking, fortemente mediatizadas e algumas das quais raiando a pura fantasia como a do top ten mundial, tem a realidade evidenciado uma tendência de estagnação ou mesmo de quebra da chegada de turistas internacionais. Os doze milhões de turistas com que se celebrou o extraordinário ano de 2007 são afinal os que se haviam registado em 2000, sendo que no mesmo período a Turquia que seguia atrás de nós no ranking ultrapassou-nos fulgurantemente mais que duplicando as chegadas internacionais (de 9 600 para 22 200 milhões).
A OMT prevê que Portugal atinja em 2020 20 milhões de turistas.

As alterações ambientais comportam efeitos assaz significativos sobre a actividade económica do turismo, que é necessário estudar e reflectir.

Em primeiro lugar, o aquecimento global determinará uma deslocação dos destinos mais quentes para os mais amenos. Não apenas a subida da temperatura tornará os locais insuportáveis para os turistas mas também a insegurança decorrente de um crescendo de catástrofes naturais conduz ao seu afastamento.


Ao invés, nos destinos mais amenos, atenuar-se-á a sazonalidade, na medida em que se poderá estender a sua utilização durante o período do Outono ou inclusivamente do Inverno.


Em segundo lugar, o aumento do custo dos combustíveis levará a que se privilegie os destinos mais próximos. O impacto das taxas de CO2 no transporte aéreo, a partir de 2012, acentuará inevitavelmente o carácter periférico de destinos como o de Portugal cujos principais mercadores emissores se situam na Europa e em que aproximadamente 70% dos turistas provêm de cinco países (Espanha, Reino Unido, França, Alemanha e Holanda).


Por último, a maior sensibilidade dos turistas para as questões ambientais levará à eleição de destinos mais amigos do ambiente.


Neste campo das alterações ambientais, do maior enfoque no turismo de proximidade, na valorização dos locais mais amenos e de sua utilização para além da limitada época estival, a curiosa particularidade de boa parte deste artigo ter sido escrito em meados de Outubro, numa das mais belas praias da Europa segundo o Sunday Times, a sintrense Adraga, com temperaturas das suas águas atlânticas e do ar apresentando valores verdadeiramente excepcionais para a época.



Notas finais: Em Maio de 2011 comemoram-se dois factos que devem ser atempadamente preparados. O centenário da organização em Lisboa, pela Sociedade de Propaganda Nacional do IV Congresso Internacional de Turismo e na sequência de uma das suas recomendações a criação do primeiro organismo oficial do turismo, a Repartição de Turismo.
Entre outras iniciativas, seria interessante realizar em Portugal um grande evento internacional, designadamente um congresso, abordando as temáticas de maior actualidade do turismo com a participação dos especialistas de topo ao nível mundial (a temática do congresso poderia ser alinhada por forma a que as comunicações integrem um manual de turismo a divulgar nas diferentes línguas em e-book). Será também a ocasião propícia para a criação de um museu do turismo que reúna a principal documentação desta actividade.
Por último, referir a recente abertura do centro de documentação do Turismo de Portugal, IP. Um magnífico acervo documental num espaço agradável e com um atendimento profissional e disponível.

In Publituris nº 1092, de 23 de Outubro de 2009, pág. 4