segunda-feira, 10 de maio de 2010

O terramoto Bolkestein e a derrocada do pilar da exclusividade das agências de viagens


O princípio da exclusividade em que durante mais de meio século assentou a regulamentação das agências de viagens apresenta-se agora como um dos obstáculos a remover em ordem à livre prestação de serviços no interior da União Europeia.


1) A Directiva e o estruturante princípio da liberdade de prestação de serviços

A Directiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006 in JOCE L 376/36 de 27.12.2006, mais conhecida por Directiva dos Serviços ou Directiva Bolkestein em homenagem a Frits Bolkestein, antigo Comissário Europeu para o Mercado Interno e Fiscalidade, tem profundas implicações em diferentes sectores da economia da União Europeia designadamente no que respeita à matéria de agências de viagens (ver a este propósito o considerando nº 33 do diploma comunitário) e operadores turísticos, facilitando consideravelmente o acesso ao mercado e eliminando as situações de monopólio legal.

As críticas ao diploma centram-se nos seguintes aspectos: 1º) Excessiva desregulamentação do mercado interno provocando um aumento da concorrência desleal; 2º) Enfraquecimento da coesão social; 3º) Diminuição da qualidade do emprego. No entanto, para os seus defensores, este quadro jurídico unitário permite liberalizar os serviços no mercado interno – os quais representam 70% da actividade económica da União Europeia – eliminando os obstáculos à sua livre circulação, potenciando a criação de emprego e criando mais vantagens para os consumidores.

A União Europeia não tem um corpo de normas relativas ao acesso à profissão de agente de viagens sendo que uma maioria relativa de países adoptava, até à disciplina comunitária em análise, o sistema do licenciamento associado ao princípio da exclusividade.

A Directiva norteada pela eliminação dos obstáculos à livre prestação de serviços restringe fortemente o regime de autorização – como sucede na licença para a actividade de agência de viagens e turismo – o qual só pode ter lugar num apertado triplo requisito de natureza cumulativa: 1º) Não ser discriminatório em relação ao prestador visado; 2º) Justificado por uma razão imperiosa de interesse geral; 3º) O objectivo não poder ser alcançado através de uma medida menos restritiva (art.º 9º, nº 1).

A regra fundamental encontra-se plasmada no nº 1 do art.º 16º, a da liberdade de prestação de serviços segundo a qual os Estados-Membros devem respeitar o direito dos prestadores desenvolverem os seus serviços num Estado-Membro diferente daquele em que se encontram estabelecidos. Ou seja, o Estado-Membro em que o serviço é prestado deve assegurar no seu território o livre acesso e exercício da actividade no sector dos serviços.

Esta extraordinária facilidade de aceder ao mercado origina uma forte depreciação, para não dizer supressão, do valor dos muitos alvarás que neste momento estão à venda no mercado em razão da difícil situação da economia.

Desde logo, a taxa de aproximadamente 12 500€ pela obtenção do alvará sofrerá uma redução substancial pois, na taxa, diferentemente do imposto, existe um nexo de reciprocidade, constituindo o pagamento de um serviço prestado pelo Estado, tratando-se, assim, de uma remuneração manifestamente desproporcionada (argumento já antigo, nunca suficientemente ponderado e que na primitiva versão da lei terá levado à previsão que uma parte fosse aplicada em instituições de apoio ao agente de viagens, intenção legislativa que não foi levada à prática). Mas também o exigente requisito do capital social mínimo de 100 000€ suscita dificuldades de compatibilização com o novo enquadramento comunitário.

Já a caução e o seguro de responsabilidade, porque decorrem de outra Directiva (a 90/314 relativa aos pacotes turísticos), não sofrem alterações significativas mas simples ajustamentos.

O leque de serviços contemplado na Directiva é muito amplo, abrangendo no sector do turismo para além das agências de viagens, o aluguer de automóveis e ainda os serviços no domínio do turismo, nestes se incluindo os guias turísticos, os serviços de lazer, os centros desportivos e os parques de atracções. Daí a enorme amplitude das reformas legislativas francesa e espanhola.

O apurado estudo das diferentes legislações apresenta um grande interesse prático.


2) A reforma francesa

A nova lei estabelece um regime único aplicável a todos os operadores de viagens – os quais, independentemente de se tratar ou não de uma agência de viagens –, devem dispor de idênticas garantias financeiras, seguro de responsabilidade civil profissional e de aptidão profissional. É fixado em 100 € o custo da inscrição no registo de agentes de viagens e de outros operadores de venda de viagens.

3) A reforma espanhola

Em Espanha, a Andaluzia aprovou oito decretos que simplificam um conjunto de procedimentos relativamente à actividade económica do turismo. No caso das agências de viagens, tal como em França, foi eliminado o sistema de exclusividade na venda de serviços turísticos embora se mantenha no campo dos pacotes turísticos.

Assim, a intermediação dos serviços turísticos pode ser desenvolvida por qualquer operador do sector, revogando-se consequentemente o decreto que regulamentava as centrais de reservas.

Para abrir uma agência de viagens será a partir de 2010 exigida tão somente a comunicação ou declaração de responsabilidade.

In Publituris nº 1118, de 7 de Maio de 2010, pág. 4