terça-feira, 23 de dezembro de 2008

ALL Destruction...


Destruíram o passado do turismo português mas foram incapazes de lhe perspectivar e alicerçar o futuro.

Na sequência de dois recentes balanços, de pendor auto-elogioso, da autoria do SET, e sendo o final do ano particularmente propício a este tipo de reflexões, segue-se uma primeira apreciação à legislatura, iniciada em 2005 e que terminará no próximo ano, incidindo o texto exclusivamente na governação do turismo.

Esta é, do meu ponto de vista, a Legislatura da oportunidade perdida, pois as invulgares condições, designadamente uma maioria absoluta, a conjuntura internacional favorável ao sector até finais de 2007 e a oposição cooperante e construtiva, teriam permitido reforçar os pilares da administração pública do turismo português e criar um quadro de mais sólido e estruturado de actuação dos entes públicos.

Ao invés, em lugar do reforço, da conservação e melhoria das instituições públicas do turismo, tudo se destruiu, sem um estudo prévio, apanhando de surpresa o sector, não se discutindo e consensualizando a reforma.

Ao sabor das circunstâncias e do improviso do momento e até, imagine-se, ao arrepio do próprio Programa do XVII Governo Constitucional que pressupunha a conservação de instituições com tradição e que prestavam um bom serviço como a DGT, o Inftur ou a Inspecção-Geral de Jogos (IGJ).

Não ficou de pé uma única pedra. Tudo foi arrasado no plano nacional, no regional e no local da administração pública do turismo português. Um caso inédito, segundo creio, ao nível dos principais destinos turísticos.

No plano nacional, a DGT, cujas origens remontavam a 1965, foi extinta, o mesmo sucedendo com o INFTUR e a IGJ. Até o recém-criado Instituto de Turismo de Portugal (ITP) esteve prestes a sucumbir à fúria destruidora, equacionando-se a criação do Instituto Português de Turismo ou da Agência Nacional de Turismo e a integração da IGJ na ASAE.

Procurou o SET justificar a eliminação de instituições que haviam sido decisivas no lançamento e estruturação da actividade com uma reivindicação do sector privado, invocando as declarações do então presidente da APAVT, Vítor Filipe, relativas a uma grande casa do turismo português, logo prontamente contextualizadas pela associação como uma simples alusão à necessidade de concentração de esforços da promoção externa. O que se compreende, pois ninguém tinha, até então, advogado semelhante cataclismo institucional.

A concentração de atribuições no ITP não foi sequer levada às últimas consequências – não temos hoje instituições especializadas como outrora, mas nem todas as atribuições estão no ITP repartindo-se pela DGAE e ASAE – e a instituição andou à deriva. Quadros com larga experiência profissional e conhecimentos científicos aprofundados foram afastados ou mantidos na prateleira.

No plano regional as coisas não correram melhor: primeiro dez regiões com base nas NUT III, numa segunda fase cinco regiões com base nas NUT II, em Conselho de Ministros juntam-se-lhe os cinco pólos previstos no PENT (apresentado duas vezes, com a incrível omissão do turismo religioso apesar de enxertado pela Roland Berger dada a pública insatisfação do MEI), acrescidos de duas soluções ad hoc para Lisboa e Porto.

Entre São Bento e Belém surge o pólo de Fátima, pois não existia qualquer proporcionalidade entre a decisão política da criação de tal figura para o Alqueva e a destruição de uma marca turisticamente pujante e consolidada como a de Leiria-Fátima.

Neste contexto de racionalidade, discretamente liderado pela Presidência da República, Aveiro também teria legitimamente passado a pólo, mas a má vontade contra a região imperou, tal como na exclusão da sua incontornável Universidade no HMI (é importante conhecerem-se os dinheiros públicos que lá se investiram até ao momento, designadamente viagens e remunerações, bem como as iniciativas relevantes que se propõe desenvolver).

O novo figurino torna estas entidades muito dependentes do ITP – uma regressão face ao quadro normativo das regiões de turismo –, as atribuições e competências variam incompreensivelmente de estatuto para estatuto e as verbas são, no essencial, as mesmas quando é pressuposto cobrirem agora mais território. Era preferível ter esperado pela anunciada regionalização que a concretizar-se inutilizará a curto prazo esta reforma.

A exclusão de Andrade Santos da comissão instaladora da ERT Alentejo é claramente um sinal de retALLiação política, criando uma polémica desnecessária que absorveu boa parte dos trabalhos daquele órgão em detrimento dos verdadeiros interesses da região.

Forte com os mais fracos politicamente, fraco perante os politicamente mais fortes: sentado ao lado do Ministro Santos Silva não pôde falar na discussão parALLamentar sobre as regiões de turismo. Solidário, o deputado Correia de Jesus entende que o silêncio forçado se deveu à origem madeirense, eu inclino-me mais para a inconsistência das soluções.

Nesta linha, a não participação em actos de relevo da APAVT designadamente a posse da nova direcção – o vínculo filiALL permitiu, no entanto, a presença num significativo evento do respectivo grupo empresarial no qual foram proferidas lancinantes declarações sobre alegados constrangimentos urbanísticos – a incompreensível declaração de estar em Macau a convite das autoridades locais e, sobretudo, a obstinação de não consagrar legislativamente a figura do provedor do cliente é a resposta política para a saudável independência revelada pela associação empresarial.

No plano local, destaca-se a eliminação da Junta de Turismo da Costa do Estoril, verdadeira política de terra queimada face à tradição e ao bom trabalho que vinha desenvolvendo.

À conhecida espécie dos “adesivos”, personalidades de versátil espinal medula que durante o Estado Novo se notabilizaram pelo seguidismo servil compensado com os favores do Estado, criaram-se os ALLinhados, que sem curricula relevante ascendem a presidências ou outros lugares públicos de relevo desde que contemporizem com os dislates governativos, designadamente a possibilidade de aldeamentos e resorts serem atravessados por comboios ou o turismo de natureza abarcar estas tipologias e outras permeáveis a grandes cargas turísticas.

A ALLtivez política constituiu uma das maiores fragilidades da governação socialista do turismo, ocorrendo um défice de auscultação dos cidadãos nas principais decisões políticas. O secretismo rodeou a feitura das leis mais importantes que chegaram tarde e denotam falta de harmonização, como é o caso da lei das agências de viagens com as novas tipologias de empreendimentos turísticos. A regulamentação da restauração e bebidas surge mais de um ano após a data sucessivamente anunciada pelo SET. Para a restauração um único regulamento (o de maior valor hierárquico), para os empreendimentos turísticos menor dignidade hierárquica e multiplicidade regulamentar (várias portarias).

O fio condutor da promoção externa é aparentemente insondável, denotando improviso: a publicidade no Harrods com fotos do responsável do turismo sorridente junto de ALL Fayed ficam certamente para a posteridade, embora pessoalmente prefira a de Jorge Felner da Costa, em 1985, com a célebre princesa Diana no World Travel Market, proferindo declarações relevantes para Portugal e em particular para o Algarve. Se a eficácia das acções promocionais – das quais importa divulgar a medição da sua eficácia de harmonia com os parâmetros da OMT – deixa muito a desejar, também nos álbuns das fotografias pagas pelos contribuintes as personagens não têm o glamour e o impacto mediático de outros tempos.

A propósito do custo absolutamente desproporcionado de fotografias refiram-se duas reportagens da TVI em que o MEI acaba por devolver a responsabilidade ao ITP, certamente um prenúncio da fábula do navio e dos roedores.

Ainda estava quente a desmontagem da fALLácia da autonomia promocional por Basílio Horta, quando surge a quebra da aparente solidariedade entre o super-presidente do ITP e o SET: em Macau, Luís Patrão, fustigado pelo coro de críticas nega a paternidade da campanha. Surge a dúvida paternALL.

Adensada, pelo menos nas entrelinhas, pelo vice-presidente Frederico Costa, quando num inédito artigo de opinião, se interroga a si próprio sobre se faria as coisas de forma diferente, responde diplomaticamente a propósito da estratégia promocionALL: “Talvez ... Mas isso fica para o campo da especulação.”

No plano interno, o histórico socialista António Carneiro classifica contundentemente o ALLOeste como um flop.

Em suma, destruíram o passado do turismo português, mas foram incapazes de lhe perspectivar e alicerçar o futuro.

ParadoxALL, com efeito...

Publituris nº 1052, 19 de Dezembro de 2008, pág. 4

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Autonomia, Hibridismo ou Confusão PromocionALL?


A revelação do protocolo AICEP – TP é fundamental para se conhecer o modelo de promoção externa e os alegados receios das novas equipas.


1) Um mau começo para as novas equipas de promoção no turismo no exterior

Na sua última edição, um prestigiado jornal do sector coloca no vermelho (nota negativa) o presidente da AICEP, Basílio Horta, por ter escrito aos recentemente nomeados Coordenadores das Equipas de Turismo no Exterior que nada tinha sido alterado e reafirmado que é ao organismo que dirige que estes têm de continuar a prestar contas do seu trabalho.

Associa à tomada de posição do dirigente, em última instância, uma desautorização do próprio ministro da Economia.

Noutro passo, referindo fonte não identificada, aponta a desautorização do Turismo de Portugal e que a alegada missiva está a levar a que alguns Coordenadores tenham receio de utilizar a autonomia que lhes foi conferida pelo Turismo de Portugal.

Para tentar compreender estas perturbadoras notícias, ainda para mais num jornal de referência que naturalmente filtra responsavelmente os factos que publica, importa recuar a finais de Julho do corrente ano, altura em que o Secretário de Estado do Turismo anunciou, com pompa e circunstância, o nome dos 11 coordenadores de equipas exclusivamente dedicadas ao Turismo incumbidas da promoção externa em 17 países.

O lançamento desta medida para a rentré, encerrava o programa do Governo no que toca à reestruturação da promoção turística nacional: “Concluímos desta forma o edifício da promoção turística” – asseverou.

Mas será que é este o edifício que estava no projecto, ou seja, no Programa de Governo do XVII Governo Constitucional?

Vejamos a orientação arquitectónica: “Desenvolver uma estratégia de promoção externa adaptada às características e prioridades da nossa oferta e que tenha em conta as motivações dos potenciais turistas e a acção da concorrência; aprofundar a articulação do ITP com as Agências Regionais de Promoção, reapreciar o papel dos delegados no estrangeiro face ao desaparecimento do ICEP e à inexistência da diplomacia económica”.

Aparentemente os mentores do Programa Eleitoral do PS, em boa parte plasmado ulteriormente no Programa de Governo, estariam imbuídos de uma solução de autonomia da promoção turística face ao ICEP.

É até conhecida a máxima, repetida à saciedade, de que não se pode vender sapatos de manhã e turismo à tarde.

Ora, segundo o governante, esta nova estrutura de promoção externa “significa uma autonomia do Turismo nos principais mercados emissores” e lançou inclusivamente um repto para que haja uma forte aposta na parceria entre as entidades públicas e privadas, essencial para reunir recursos, não só técnicos mas também financeiros: “Os 11 delegados do turismo têm a missão de antecipar as tendências e fazê-las chegar a Portugal” pelo que “é preciso que os privados aproveitem os novos mecanismos”.

Não tendo existido qualquer alteração normativa no que respeita à orgânica da promoção turística, esse novo modelo, expressamente assumido de autonomia – ou seja, o Turismo de Portugal, I.P. dirigindo e coordenando a importante vertente de promoção externa do turismo – teria sido cristalizado num protocolo entre aquele organismo e a AICEP.

A questão fundamental é a seguinte: não estará Basílio Horta, como aliás lhe compete, a corrigir discretamente uma ideia de alteração da política promocional externa do turismo – ou seja, no interior da instituição que dirige e sem alardes na comunicação social – que não está contida no contrato que firmou com o Turismo de Portugal, I.P.?

Importa, pois, que seja disponibilizado para todos os interessados no site do Turismo de Portugal, I.P. – até porque foi aqui que o SET anunciou que já estava cumprido o Programa do Governo na área do Turismo – o referido protocolo.

Só assim é possível apurar com rigor a razão e fonte da instabilidade, se não terão sido criadas no sector expectativas porventura exageradas e desfasadas da realidade.

Teremos um modelo de promoção autónomo, híbrido ou tudo terá ficado essencialmente na mesma?

Não se estará a criar uma desculpabilização, induzindo no sector animosidade face ao presidente da AICEP, por forma a esconder que a reforma da importante componente da promoção foi implementada tarde e a más horas, já com a crise económica no horizonte de todos?

Associo-me ao alerta dum sólido governante do turismo, da área socialista e, incontestavelmente, o que mais tem reflectido sobre as políticas de turismo na actual legislatura: “É urgente avaliar a eficácia da nossa promoção turística, que contou, nos últimos anos, com os maiores investimentos de sempre” (Vítor Neto in Diário Económico – Turismo: balanços e acção).

2) Pacotes turísticos e autonomização no preço dos impostos e taxas: mais um argumento a seu favor

É conhecida a discussão sobre a aplicabilidade do Decreto-Lei nº 173/2007, de 8 de Maio aos pacotes turísticos.

Defendi oportunamente que a Directiva 90/314/CEE, permite a autonomização dos impostos e taxas no «preço com tudo incluído» que caracteriza o pacote turístico, podendo aqueles ser apresentados separadamente de harmonia com a Lei das Agências de Viagens [artº 22º, nº 1, al. c) e artº 26º, nº 2, al. b)] que nesse ponto transpôs fielmente aquele diploma comunitário.

Este entendimento foi substancialmente fortalecido com a não alteração pela reforma de 2007 da Lei das Agências de Viagens daqueles dois artigos.

Como seria de esperar, até porque já decorria dos respectivos trabalhos preparatórios comunitários, o recém publicado Regulamento (CE) nº 1008/2008, de 24 de Setembro de 2008 que obriga à inclusão no preço final das tarifas de transporte aéreo de todos os impostos, encargos, sobretaxas e taxas aplicáveis não refere, a qualquer título, a Directiva nº 90/314, encerrando, assim, de forma concludente, como é desejável, esta problemática.

O carácter tardio e contraditório dos esclarecimentos do SET, associado às milionárias coimas decorrentes das cíclicas fiscalizações da ASAE, é a tónica dominante deste triste e desnecessário episódio que gerou uma enorme perturbação da actividade económica de comercialização de pacotes turísticos.

Publituris nº 1048, 21 de Novembro de 2008, pág. 4

Time-Share com nova Directiva Europeia


O Parlamento Europeu acaba de rever a directiva comunitária de timeshare, excluindo as reservas plurianuais de quartos de hotéis.


Como se trata de uma directiva europeia, não vigora directamente em Portugal, pelo que o Governo terá de a transpor para a legislação nacional no prazo de dois anos.

Analisando a revisão da legislação comunitária a este subsector do turismo – o timeshare –, Carlos Torres, advogado especialista em Turismo, comentou ao Publituris que a Directiva 94/47/CE já tinha 14 anos, e que, tanto para Portugal tal como Espanha, França e Itália, diz respeito a “uma indústria com significado”. “Os contratos de revenda e troca não estavam abrangidos, pretendendo-se criar uma malha jurídica a que não escapem outras formas entretanto criadas de timeshare com duração superior a um ano mas também os produtos de férias de longa duração, impondo-se regras comuns nos diferentes Estados membros, num sector de importância crescente como o do turismo”, declara. Ou seja, “não é apenas o timeshare que é revisto mas também os demais produtos de férias de longa duração”. O advogado aponta ainda que “realidades como os clubes de férias com desconto e férias semelhantes ao timeshare em navios de cruzeiro, embarcações de recreio e caravanas estão abrangidas pela nova disciplina”.

Na nova directiva, “as reservas múltiplas de alojamento em empreendimentos turísticos – desde que não gerem mais direitos ou obrigações dos que resultariam de simples reservas separadas – bem como o arrendamento são expressamente excluídos”. Além disso, “houve o cuidado de explicitar que os sistemas de fidelização de clientes através de cartões que proporcionam descontos nos hotéis pertencentes a uma cadeia não são considerados produtos de longa duração, excluindo-se, assim, a aplicação da directiva”, sublinha o advogado. Refira-se que estas excluem-se por “não comportarem a vertente do alojamento, o arrendamento de parcelas de terreno para instalação de caravanas, os lugares em marinas ou em doca seca para embarcações de recreio e os lugares cativos em instalações desportivas”.

Carlos Torres nota ainda que “um dos objectivos para além da escolha da língua é o alargamento do direito de retractação, ou seja, o consumidor poder arrepender-se nos catorze dias subsequentes sem sofrer qualquer penalização”.

Já “as directivas relativas aos pacotes turísticos e às práticas comerciais desleais não sofrem qualquer influência”.

Fátima Valente in Publituris nº1046, 12 de Novembro de 2008, pág. 30

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Angola: Alojamento e Ordenamento do Território Turístico


Tipologias de empreendimentos, regras de funcionamento e pólos de desenvolvimento turístico são conceitos que surgem com clareza e que nos são familiares.

Para além das belezas naturais que qualificam singularmente o território de Angola, o surto de desenvolvimento económico decorrente do processo de paz tem gerado um importante e crescente movimento no turismo de negócios.

O quadro legal do alojamento turístico consta do Decreto-Lei nº 6/97, de 15 de Agosto, que estabelece as normas respeitantes ao aproveitamento dos recursos turísticos do País e ao exercício da indústria hoteleira e similares.

Não se operou, porém, um corte com o Decreto-Lei nº 49 399, de 24 de Novembro de 1969, que vigorava em Angola desde Março de 1974, o qual continua a inspirar muitas das soluções legislativas e regulamentares.

Estabelecem-se no artº 2º as atribuições do Ministério da Hotelaria e Turismo (MHT), conhecido pela abreviatura oficial Minhotur, figurando, em primeiro lugar, o aproveitamento e preservação dos recursos turísticos. De seguida, a disciplina, fiscalização e apoio da indústria hoteleira e similar e das outras três categorias que integram o diploma: meios complementares de alojamento, conjuntos turísticos e empreendimentos de animação, culturais e desportivos de interesse para o turismo. Em sede de ordenamento do território turístico, elabora propostas de áreas de aproveitamento e desenvolvimento turístico e dá parecer sobre os PROT.

O artº 3º enumera as competências do MHT em matéria dos estabelecimentos hoteleiros: localização e respectivos projectos, declaração de interesse para o turismo (diferente da nossa solução actual em que a DIT só se aplica a realidades que não sejam consideradas empreendimentos turísticos ou agências de viagens, em Angola mesmo os estabelecimento hoteleiros e similares podem ser declarados com ou sem interesse para o turismo), qualificação de turísticos dos meios complementares de alojamento e dos conjuntos turísticos.

Não são apenas os estabelecimentos hoteleiros e similares que estão sujeitos a classificação mas também os meios complementares de alojamento, competindo-lhe igualmente aprovar as respectivas denominações.

O artº 4º enumera as atribuições dos governos das Províncias e dos órgãos locais de turismo que exercem a sua jurisdição relativamente aos estabelecimentos sem interesse para o turismo.

Estabelecem-se requisitos mínimos para cada grupo ou categoria e a ponderação equilibrada de três ordens de factores: 1ª) localização dos empreendimentos; 2ª) nível do serviço e das instalações; 3ª) existência de equipamentos complementares (artº 6º).

Consagra-se o princípio da susceptibilidade da revisão da classificação a qualquer momento, por iniciativa do interessado ou despoletada oficiosamente (artº 7º).

No que respeita às tipologias do alojamento turístico, manteve-se, no essencial a do direito anterior, repartindo-as por oito grupos: Hotéis, Pensões, Pousadas, Estalagens, Motéis, Hotéis-apartamentos, Aldeamentos turísticos e, por último, as Hospedarias ou casas de hóspedes (artº 9º).

O termo residencial significa que para além do alojamento é tão somente disponibilizado o pequeno-almoço, ou seja, não são servidas refeições principais, devendo tal limitação figurar no nome.

Os estabelecimentos similares hoteleiros repartem-se por três grupos: 1º) Restaurantes; 2º) Estabelecimentos de bebidas e 3º) Salas de dança (artº 11º).

Os meios complementares de alojamento desdobram-se em quatro categorias: 1ª) Apartamentos turísticos; 2ª) Turismo de habitação; 3ª) Turismo rural ou agroturismo; e 4ª) Parques de campismo (artº 13º).

Traços diferentes surgem na figura dos conjuntos turísticos: núcleos de instalações contíguas funcionalmente independentes destinados à prática desportiva ou entretenimento que proporcionem alojamento ainda que não hoteleiro. Também não se prevê, como entre nós, que sejam atravessados por comboios.

Os processos relativos à construção e instalação dos estabelecimentos hoteleiros e similares com interesse para o turismo são organizados pelo MHT, enquanto os demais ficam a cargo respectivos governos provinciais.

Diferenças relativamente à informação prévia possibilidade em princípio de construir ou instalar empreendimentos – porquanto a resposta administrativa não produz quaisquer expectativas juridicamente protegidas, ainda que por um curto período.

Prevê-se uma comissão especial para ultrapassar os pareceres negativos que subsistam, com a muito interessante particularidade de as suas deliberações serem vinculativas : lógica PIN, mas mais igualitária, pois não diferencia o volume de investimento (artº 22º).

A aprovação dos empreendimentos é em todos os casos da competência do MHT, sem prejuízo do ulterior licenciamento da construção ou obras de urbanização estarem cometidas a outra entidade, ou seja, o processo de licenciamento turístico é independente e anterior ao processo de licenciamento da construção (artº 23º) sendo fixado um prazo para a edificação sob pena de caducidade (artº 24º).

Obras que não sejam de simples conservação ficam também submetidas ao diploma (artº 25, nº 1), sendo que as destinadas à reclassificação devem obter previamente o parecer do MHT (idem nº 2).

A entrada em funcionamento depende sempre de autorização precedida de uma vistoria finda a qual será atribuída uma classificação provisória pelo prazo de um ano, da competência do MHT ou do governo da Província consoante se trate de empreendimento com ou sem interesse para o turismo (artº 29º).

A autorização de abertura surge autonomizada das fases do licenciamento turístico e do licenciamento da construção (artº 30º), prevendo-se uma norma geral de protecção da saúde dos consumidores e os adequados meios de prevenção de riscos contra incêndio (artº 31º).

Estabelece-se a realização de inspecções e vistorias aos estabelecimentos sempre que for considerado conveniente (artº 32º) e consagra-se o princípio de uma única entidade exploradora (artº 33º).

Grava-se o proprietário do prédio, não a entidade exploradora, com o dever de não alterar substancialmente a sua estrutura externa ou aspecto estético exterior, não aplicá-lo a fim diverso designadamente a práticas ilícitas, imorais ou desonestas e não exceder a respectiva capacidade (artº 35º).

Protege-se a língua oficial ou línguas nacionais nos nomes dos estabelecimentos, condiciona-se o uso do termo turismo, reservando-se os termo palácio e luxo para os estabelecimentos de 5 estrelas e de luxo (artº 36º).

Nomes iguais ou que induzam em erro encontram-se interditos, salvo quando se integrarem na mesma organização (artº 37º).

Consagra-se inequivocamente a regra da liberdade de acesso aos empreendimentos, salvo as situações de perturbação do funcionamento (artº 39º).

Remetem-se os regimes de preços para legislação especial (artº 40º) e, por forma a assegurar a qualidade dos serviços, estabelece-se a obrigatoriedade de serem dirigidos por profissionais de hotelaria (artº 41º).

Com interesse na área do ordenamento do território turístico surge-nos um capítulo (arts. 43º a 55º) dedicado às áreas turísticas entre as quais se destacam os pólos de desenvolvimento turístico.

Uma nota final relativamente à grande facilidade com que penetramos no conjunto de normas que disciplinam o alojamento e o ordenamento do território turístico em Angola, movendo-nos num quadro que nos é bastante familiar.

Carlos Torres
Advogado
Publituris nº 1044, 24 de Outubro de 2008

domingo, 5 de outubro de 2008

Política VirtuALL


O anúncio do cumprimento do Programa do Governo é um mero exercício de política virtual, sem correspondência na realidade. Auto-elogio e exclusão surgem com excessiva frequência.

Há poucos dias atrás o Secretário de Estado do Turismo difundia num dos jornais on-line do trade a seguinte afirmação: “Programa do Governo para a área do turismo está concluído, ao fim de três anos e meio de legislatura”.

O auto-elogio não se confinou àquele meio de comunicação social, figurando no site do Turismo de Portugal, I.P., que ineditamente comenta e reproduz a notícia, ampliando significativamente a sua difusão.

Confesso que se há matéria em que não esperava que o governante tocasse, ainda que incidentalmente, era a do cumprimento do Programa do Governo e, muito menos, a esta distância temporal.

Com efeito, estendendo-se esta Legislatura para além dos quatro anos, tem ainda um ano de governação pela frente, pelo que três ou quatro meses antes das eleições seria o timing ajustado para o balanço da sua prestação governativa.

Para além do carácter precoce do balanço, sobreleva a circunstância de boa parte dos objectivos fundamentais do Programa não terem sido cumpridos, como procurarei demonstrar de seguida.

No texto do Programa do XVII Governo Constitucional na área do turismo existe uma área de objectivação da estratégia prosseguida na qual se passa Da visão estratégica aos objectivos”.

À cabeça surge uma Política Nacional de Turismo, “que exige uma visão e uma estratégia nacionais capazes de integrar de forma coerente estas diversidades e diferenças, através, nomeadamente, de políticas regionais fortes”.

Surpreendentemente nem uma linha produzida nesta matéria até ao momento. O Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT) seria eventualmente um dos pilares dessa estratégia, mas não se pode confundir o instrumento com a política que prossegue.

Basta atentar no exemplo do Brasil, em que Lei Geral do Turismo sancionada muito recentemente, em 17 de Setembro de 2008, pelo Presidente da República Lula da Silva, institui a Política Nacional de Turismo, a qual será regida pelo Plano Nacional de Turismo.

Ou seja, realidades que não podem nem devem ser confundidas.

Para além disso, uma Política Nacional de Turismo tem de “articular o turismo com outros sectores, nomeadamente o ordenamento do território…” como salienta o Programa do Governo.

A referida articulação passa inelutavelmente pelo Plano Sectorial do Turismo, o instrumento de gestão territorial sectorial de topo.

O facto de nesta Legislatura ter sido aprovado o PNPOT e de exercer funções governativas um dos mais reputados especialistas nacionais em matéria de ordenamento do território, constituem uma ocasião de ouro para o sector do turismo, que não deve ser desperdiçada.

Surpreendentemente, não se conhece um único texto, ainda que exploratório, nesta matéria.

Dos cinco vectores de intervenção estratégica em que se apoia a Política Nacional de Turismo pelo menos três parecem-me claramente não cumpridos.

Desde logo, sem qualquer margem para dúvidas, o quinto vector relativo à definição de uma Lei de Bases do Turismo na qual se consagrem dois aspectos fundamentais: as linhas orientadoras e a estratégia de uma Política Nacional de Turismo.

Mas também o segundo vector na parte relativa à “dinamização do crescimento da procura turística interna”.

E o terceiro vector no que respeita à “implementação de estratégias regionais, autónomas, integradas numa visão nacional” já que o modelo regional recentemente aprovado é menos autónomo, ou seja, as entidades regionais de turismo são consideravelmente mais dependentes do poder central do que as extintas regiões de turismo. Muitos passos atrás.

No que respeita aos objectivos de curto prazo não me parece cumprido o relativo à dinamização do turismo interno (férias, fins-de-semana), sobretudo atendendo a que as regiões do interior e as denominadas emergentes constituíam preocupação prioritária.

O Programa do Governo pressupõe claramente no plano das estruturas institucionais do turismo a manutenção da DGT, INFTUR e Inspecção-Geral de Jogos.

Foram, como é sabido, extintas aquelas estruturas institucionais do turismo por razões que nada tiveram a ver com o sector, apanhando-o de surpresa, não tendo, assim, nenhuma das medidas de enorme impacte sido previamente discutida com os seus destinatários, designadamente ao nível associativo.

Para finalizar detenho-me numa das várias medidas prioritárias preconizadas, a de “projectar internacionalmente, a médio prazo, um dos nossos centros de investigação de turismo, colocando Portugal como palco de grandes eventos científicos internacionais na área do turismo”.

Um projecto nesse âmbito – então designado Centro de Formação Avançada em Turismo – em que desde o início assumiram uma considerável predominância o ISCTE e o Turismo de Portugal, IP, foi apresentado em Junho de 2007 na ESHTE, com a particularidade de para além daquelas duas instituições dominantes só abrangia organizações empresariais.

Está agora marcado para o dia da publicação deste artigo, 26 de Setembro de 2007, no Algarve e no âmbito das comemorações do dia mundial do turismo o lançamento do Hospitality Management Institute, projecto de investigação e formação avançada em Turismo.

Desde a primeira hora que venho apontado a inadmissível e incompreensível exclusão dos grandes centros de investigação em turismo nacionais – o ISCTE apesar de grande escola só agora vai abraçar um sector de enorme potencial como o turismo e a ESHTE não tem, infelizmente, mercê da sua incrível situação de governação, uma correspondência entre o inegável prestígio de que goza e investigação científica que produz.

Impunha-se, assim, a entrada das Universidades do Algarve, Aveiro, Évora e alguns politécnicos com produção relevante na área do turismo como Leiria, Lamego ou Beja.

Isto no campo das universidades públicas. Não querendo entrar no campo das privadas, limito-me a enunciar o CISE com produção considerável na área do turismo.

A maior abrangência do HMI comparativamente ao CIFAT deve-se tão somente à circunstância de pouco tempo após a apresentação no Estoril, o Primeiro-Ministro se ter deslocado à nossa maior região turística. O PS local evidencia o carácter sectário da solução e o Chefe do Governo mostra-se sensível determinando de imediato a inclusão da Universidade do Algarve.

Subsiste, porém, entre outras, a exclusão da Universidade de Aveiro, detentora da única revista científica na área do turismo e que produziu um relevante número de mestrados na área do turismo, sem paralelo em termos nacionais e a um bom nível internacional: 55 desde 2002!

Se queremos, como se afirma, que o nosso destino seja reconhecido internacionalmente pelos seus quadros porquê excluir todo este capital humano?

É como, num porventura impróprio paralelismo futebolístico, não ter, por embirração do seleccionador, Cristiano Ronaldo ou jogadores de idêntico nível na equipa nacional.

O que justificará, à luz do interesse público, a exclusão da Universidade de Aveiro? E como fica a credibilidade política do Secretário de Estado do Turismo que garantiu pessoalmente à comunidade local a inclusão da sua universidade?

Non te laudabis… O bom político pensa antes de falar, mas o melhor político pensa e não fala.

Carlos Torres
Advogado

Publituris nº 1040, 26 de Setembro de 2008

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Plano de Ordenamento Turístico dos Açores e os Estatutos do Turismo do Algarve


Importa eliminar o garrote político de um financiamento essencialmente dependente da contratualização, abrindo uma brecha nesse asfixiante centrALLismo que tudo controla e condiciona.

1) POTRAA

Foi recentemente publicado o Decreto Legislativo Regional nº 38/2008/A, de 11 de Agosto, que aprova o Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma dos Açores.

Sob a égide da sustentabilidade e de um conjunto de objectivos enunciados no preâmbulo, estamos perante um plano sectorial de âmbito regional, um instrumento de gestão com incidência territorial – o PENT tendo o mesmo horizonte temporal (2015) não possui esta importante característica – composto por normas de execução (anexo I), o relatório (anexo II) e as plantas síntese (anexo III).

Os conceitos de empreendimentos turísticos que subjazem ao POTRAA são, no entanto, moldados na legislação de 1997 – a trilogia do alojamento turístico: empreendimentos turísticos, turismo no espaço rural e turismo de natureza – e não na recente legislação dos empreendimentos turísticos, aprovada em Março de 2008, em que aquelas três realidades se fundem num só conceito, para além de o turismo de natureza perder a sua marca característica de sustentabilidade ambiental e passar a abranger todas as tipologias, sem excepção, mesmo as que implicam uma maior carga e consumo de solo.

A questão seria inócua se a alteração de 1997 para 2008 respeitasse tão somente a moradias turísticas ou motéis, sub-tipologias não consagradas ao nível regional, mas o turismo no espaço rural, que constitui agora um dos tipos de empreendimentos turísticos, já não comporta o limite de trinta quartos ou suites nos hotéis rurais e o turismo de natureza foi muito desfigurado.

De forma pioneira, introduz-se um preceito (o art.º 6º) consagrando expressamente o conceito de capacidade de carga turística, estabelecendo-se a partir do número de camas existentes em cada uma das nove ilhas em 2005 (no total 8093), o número máximo por ilha a atingir até 2015, o que perfaz na totalidade 15.500 camas.

Para além deste limite estabelece-se uma reserva adicional de 10% (1.551 camas também dividas por ilha) para obviar às dinâmicas de crescimento insusceptíveis de previsão a esta distância e ou projectos com especial significado estratégico.

Par maiores desenvolvimentos sobre esta matéria, conferir na secção Opinião do site do Publituris, o meu texto publicado em 13 de Agosto de 2008.

Em suma, um excelente instrumento de gestão territorial que pela sua qualidade estratégica e grau de fundamentação constituirá certamente um marco no ordenamento do território turístico português, ao nível do que melhor se faz por esse mundo fora. Uma grande densidade técnico-política reforçada pela ausência de paradigmas tão em moda como o papel estruturante das companhias aéreas low cost ou do turismo residencial.

2) Entidade Regional do Algarve supera ao nível estatutário as limitações do novo modelo turístico regional em matéria de atribuições e competências

Um primeiro comentário relativamente à Portaria n.º 936/2008, de 20 de Agosto, a qual aprova os Estatutos da Entidade Regional de Turismo do Algarve (EERTA) a maior região turística do país vê, num gesto político pleno de significado, os seus estatutos serem publicados em primeiro lugar – que adopta a denominação de Turismo do Algarve.

A nova lei das entidades regionais de turismo (Decreto-Lei nº 67/2008, de 10 de Abril = LERT) prevê vários aspectos de relevância que serão conformados ao nível estatutário.

Um dos aspectos, é precisamente a criação de competências das entidades regionais de turismo ao nível estatutário, ou seja, outras competências para além daquelas – muito poucas, praticamente inexistentes – que se encontram vertidas na LERT (art.º 3º, nº 1).

O nº 1 do art.º 3º EERTA concretiza a valorização da área regional de turismo através da qualificação do território, da promoção e da dinamização do destino, enfatizando a cooperação com os sectores público e privado, por forma a beneficiar a economia e a qualidade de vida da região e do País.

É, porém, o nº 2 do art.º 3º EERTA que amplia consideravelmente o elenco de atribuições da Turismo do Algarve, bastando para o efeito cotejar as incipientes alínea a) a d) do nº 2 do art.º 5º da LERT.

Definir uma estratégia para o sector turístico, coerente com as orientações do Plano Nacional para o Turismo, a operacionalização eficaz do Plano Regional de Turismo numa perspectiva de compatibilização com o plano nacional, a elaboração os planos de acção promocional, constituem significativas inovações operadas ao nível estatutário.

A promoção é uma das formas através das quais se opera a valorização turística do território (art.º 3º, nº 1) que incumbe aos novos entes regionais de turismo, aludindo-se inclusivamente numa inédita precisão ao reforço da promoção no mercado interno através de acções de grande visibilidade e impacte.

Não tendo a LERT instituído o princípio da força dominante dos municípios, os estatutos consagram-no relativamente aos membros fundadores: 16 municípios e outros tantos representantes de entidades públicas ou privadas (art.º 4º, nº 1).

Um bom trabalho em prol do regionalismo turístico que cumpre a aprofundar e aplaudir. Na esteira, aliás, duma recente reunião do ITP em que António Pina, apesar da inequívoca solidariedade partidária, mostrou que não aceita que o crescente e asfixiante centralismo subjugue os interesses regionais, tendo vindo mais recentemente a terreiro com a clarificação do aspecto da animação.

Há agora que encontrar formas de eliminar o garrote político decorrente de um financiamento essencialmente dependente da contratualização anual, abrindo uma decisiva brecha nesse centrALLismo que tudo controla e espartilha, designadamente o plano regional da administração pública do turismo português.

3) O princípio da estabilidade política

Independentemente do maior ou menor grau de frustração que tenha suscitado a não concretização de um dos cíclicos boatos da saída de governantes, é positivo que não tenha ocorrido a saída de Bernardo Trindade durante Agosto.

Para o bem e para o mal, responde pelo quadriénio. O que poderia fazer e com que credibilidade outro titular da pasta, a cerca de um ano das eleições e com a regulamentação da principal legislação em preparação ou a ser publicada? O que poderia e deveria mudar, que condições teria?

A razão principal é, assim, a estabilidade política, existe um horizonte temporal para a concepção e implementação de um programa, devendo o titular dispor do indispensável tempo político. Podia ter arrancado mais cedo, fazer de outra maneira, isso é matéria de balanço da governação a realizar daqui a alguns meses. Para o afastamento político só devem relevar circunstâncias excepcionais.

A estabilidade política da governação do turismo – um dos grandes indicadores da performance governativa com a vantagem de se medir objectivamente pelo simples decurso do tempo – é afinal um dos mais preciosos trunfos políticos do PS contrastando, assim, com a meteórica sequência Pedro de Almeida, Correia da Silva – dois grandes valores que não tiverem ensejo de pôr no terreno a sua visão política de conformação do turismo – e Telmo Correia.

Carlos Torres
Advogado
Publituris nº 1036, 29 de Agosto de 2008

domingo, 31 de agosto de 2008

Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma dos Açores (POTRAA)


Um excelente instrumento de gestão territorial que pela sua qualidade estratégica e grau de fundamentação constituirá certamente um marco no ordenamento do território turístico português.

Acaba de ser publicado o Decreto Legislativo Regional nº 38/2008/A, de 11 de Agosto que aprova o Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma dos Açores (POTRAA).

Sob a égide da sustentabilidade e de um conjunto de objectivos enunciados no preâmbulo, trata-se de um plano sectorial de âmbito regional, um instrumento de gestão com incidência territorial – o PENT tendo o mesmo horizonte temporal (2015) não possui esta importante característica – composto por normas de execução (anexo I), o relatório (anexo II) e as plantas síntese (anexo III).

A conjugação da sustentabilidade socio-económica com a ambiental leva a que uma das orientações estratégicas que está na sua base seja a desaceleração dos ritmos de crescimento que a região tem registado nos últimos anos para níveis entre os 6,5 e 7,5 % ao ano (valores médios), estimando-se crescimentos anuais da procura entre 8,5 a 9,5% e uma estada média de 4 dias.

Visa fundamentalmente o POTRAA orientar as decisões públicas de intervenção no território turístico, devendo as suas normas serem ulteriormente incorporadas no plano espacial mais restrito, designadamente nos planos municipais de ordenamento do território.

O escopo das normas que definem o uso turístico do solo é o desenvolvimento controlado das estruturas turísticas regionais, de modo a não comprometer a sua capacidade futura, surgindo as opções territoriais numa perspectiva macro, ou seja, há lugar a posteriores concretizações, modificações ou desenvolvimentos no interior de cada zonamento turístico agora operado.

O POTRAA marca, assim, as grandes opções de afectação territorial à actividade do turismo açoriano, um macro zonamento turístico, mas não pode nem deve descer ao detalhe ou pormenor, isso fica para outros instrumentos de âmbito espacial infra-regional.

Tem carácter normativo, impõe-se a sua efectiva aplicação, não se tratando, pois, de um mero conjunto de propostas ou reflexões.

Os conceitos de empreendimentos turísticos que subjazem ao POTRAA são, no entanto, moldados na legislação de 1997 – a trilogia do alojamento turístico: empreendimentos turísticos, turismo no espaço rural e turismo de natureza – e não na recente legislação dos empreendimentos turísticos, aprovada em Março de 2008, em que aquelas três realidades se fundem num só conceito para além de o turismo de natureza perder a sua marca característica de sustentabilidade ambiental e passar a abranger todas as tipologias, sem excepção, mesmo as que implicam uma maior carga e consumo de solo.

No que respeita ao conceito de empreendimentos integrados que o diploma avança é muito próximo do já existente conjuntos turísticos (resorts).

Corporizando o POTRAA uma dispersão territorial das unidades de alojamento e demais componentes do sistema turístico, assente em tipologias que são admitidas em determinados espaços mas interditas noutros, esta questão da modificação da legislação dos empreendimentos turísticos que está na sua base assume uma enorme importância.

A questão seria inócua se a alteração de 1997 para 2008 respeitasse tão somente a moradias turísticas ou motéis, sub-tipologias não consagradas ao nível regional, mas o turismo no espaço rural que constitui agora um dos tipos de empreendimentos turísticos já não comporta o limite de trinta quartos ou suites nos hotéis rurais e o turismo de natureza está completamente desfigurado.

Também o figurino turismo de habitação em que bastante se aposta ao nível regional foi substancialmente modificado. Enquanto na versão subjacente ao POTRAA apenas se pode desenvolver em zonas rurais, na actual para além de ter sido autonomizado do turismo no espaço rural, pode desenvolver-se nos espaços urbanos.

De forma pioneira introduz-se o conceito de capacidade de carga turística, estabelecendo-se a partir do número de camas existentes em cada uma das nove ilhas em 2005 (no total 8093), o número máximo por ilha a atingir até 2015, o que perfaz na totalidade 15.500 camas.

Para além deste limite estabelece-se uma reserva adicional de 10% (1.551 camas também dividas por cada ilha) para obviar às dinâmicas de crescimento insusceptíveis de previsão a esta distância e ou projectos com especial significado estratégico.

Empreendimentos ligados a campos de golfe ou portos de recreio e empreendimentos integrados preencherão, em condições normais, a bolsa.

Possibilita-se que não contem para a capacidade de carga turística, não automaticamente mas através de um acto do Governo regional, duas tipologias consideradas menos agressivas, o turismo no espaço rural e o turismo de natureza. Não basta, porém, a tipologia tendo ainda de preencher o requisito da reutilização de imóveis com particulares características arquitectónicas (reconhecido interesse histórico e ou arquitectónico). A protecção do património arquitectónico e facto de não se consumirem mais recursos territoriais tornam a solução bastante acertada, para além de inovadora.

Não se alteram as regras do licenciamento dos empreendimentos turísticos, designadamente a câmara municipal como entidade licenciadora e a intervenção da Direcção Regional do Turismo.

Cria-se, porém, a possibilidade de as entidades exteriores ao município que emitam pareceres, possam exigir a apresentação de esclarecimentos ou elementos complementares por forma a avaliarem a solução proposta e os seus impactes paisagísticos e ambientais, prazos para o arranque da obra e para a sua conclusão.

Existem cinco unidades de organização territorial:

Os espaços urbanos de eventual desenvolvimento turístico correspondendo a áreas urbanas e urbanizáveis delimitadas pelos PDM e outros instrumentos, nas quais são admitidas todas tipologias de alojamento turístico, restauração, serviços de informação turística e outros equipamentos e serviços de apoio à recepção e estada turística;

Os espaços específicos de vocação turística que mercê das suas características urbanas, naturais e ou paisagísticas, são especialmente vocacionadas para o uso turístico. Complementarmente são aptas para uso habitacional e comercial, constituindo, por último, a localização preferencial de empreendimentos integrados. Tratando-se de solos urbanos ou urbanizáveis o uso é o que resultar do respectivo PMOT; outras classificações de solo apenas empreendimentos integrados ou quando se aproveite imóveis existentes para outras tipologias, nomeadamente empreendimentos de turismo no espaço rural e turismo de natureza.

Os espaços rurais e outros não diferenciados delimitam-se por exclusão de partes, ou seja, excluem-se todas as áreas integradas nas outras unidades de organização territorial e incluem-se as áreas rurais e naturais, sem estatuto de áreas protegidas, e áreas de ocupação humana distinta das áreas urbanas ou urbanizáveis, todas com boa aptidão para a utilização turística. O turismo no espaço rural e o turismo de natureza são sempre permitidos enquanto a instalação de empreendimentos turísticos está muito condicionada.

Os espaços ecológicos de maior sensibilidade constituem áreas de maior sensibilidade biofísica, com aptidão muito limitada para a utilização turística e fortes condicionamentos à edificabilidade. Permitem-se por exemplo a instalação de casas de natureza.

Por último, os espaços de potencial conflito constituem áreas que em razão do seu uso – pedreiras, portos, aeroportos, aterros sanitários, áreas industriais, parques eólicos – são incompatíveis com a fixação de estruturas e equipamentos de natureza turística interditando-se, em regra, a sua instalação.

A concretização dos objectivos do POTRAA, será obtida mediante através das Linhas Estratégicas de Desenvolvimento (LED), avultando na vertente da territorialização a «LED 5 – Suporte a acções específicas no âmbito do ordenamento turístico do território».

Um excelente instrumento de gestão territorial que pela sua qualidade estratégica e grau de fundamentação constituirá certamente um marco no ordenamento do território turístico português, ao nível do que melhor se faz por esse mundo fora. Uma grande densidade técnico-política reforçada pela ausência de paradigmas tão em moda como o papel estruturante das companhias aéreas low cost ou do turismo residencial.

Carlos Torres
Advogado
In Publituris on-line, 13 de Agosto de 2008


domingo, 20 de julho de 2008

O Alojamento Local


A nova figura permitirá resolver uma parte significativa do alojamento paralelo, criando um modelo simples e expedito para a pequena oferta de alojamento.

A Portaria nº 517/2008, de 25 de Junho, vem estabelecer os requisitos mínimos a observar pelo alojamento local, uma das mais significativas inovações da recente reforma legislativa dos empreendimentos turísticos, figura que compreende três modalidades ou tipologias: moradias, apartamentos e estabelecimentos de hospedagem.

A necessidade de licença ou autorização de utilização constitui um dos requisitos da figura, fazendo o nº 1 do art.º 3º depender o registo da existência de autorização ou de título de utilização válido do imóvel.

Existe uma excepção de natureza temporal, ou seja, os imóveis construídos antes da vigência do Decreto-Lei nº 38 382, de 7 de Agosto de 1951, não carecem de licença de utilização.

Não se indica, porém, que tipo de licença ou autorização de utilização devem dispor os edifícios que se projecta utilizar no domínio do alojamento local.

Quando se trate de uma licença de utilização turística nenhuma dúvida se suscita, como será o caso daquele conjunto menos qualificado das pensões ou dos motéis que o RJET eliminou do elenco dos empreendimentos turísticos. Uma parte daqueles estabelecimentos que não lograrem a sua classificação como hotéis, já dispõem de licença de utilização turística e, como tal, preencherão este requisito para integrarem o alojamento local.

Não conhecendo estudos neste domínio, penso que uma parte significativa dos apartamentos, designadamente os localizados na região do Algarve, não dispõem de licença de utilização turística, mas para fins habitacionais ou comerciais.

Daí que surja a interrogação, podem ou não os edifícios que disponham de licença de utilização que não a turística aceder ao alojamento local?

Se apenas puderem aceder os que dispuserem de licença de utilização turística, uma parte considerável da oferta de alojamento continuará à margem da lei, pouco se avançando com a nova lei dos empreendimentos turísticos no combate ao preocupante fenómeno do alojamento paralelo, clandestino ou não classificado.

Ora, parece resultar, designadamente dos trabalhos preparatórios, uma perspectiva integradora do alojamento paralelo, pelo que qualquer finalidade da licença de utilização será adequada para efeitos de acesso ao alojamento local.

Caso não disponham de qualquer licença ou autorização de utilização então não podem aceder ao alojamento local.

Pode igualmente colocar-se a questão de, no futuro, a autorização de utilização comportar a finalidade de alojamento local, ou seja, a par da autorização de utilização turística existir a autorização de utilização para alojamento local, inclinando-me para uma resposta positiva.

Não existe propriamente um processo de licenciamento para alojamento local tal como o estabelecido para os empreendimentos turísticos. Em sua substituição a lei estabelece um sistema de registo a cargo da câmara municipal.

Na linha do expedito mecanismo de comunicação de abertura vigente no domínio dos empreendimentos turísticos e dos estabelecimentos de restauração e bebidas, o requerimento acompanhado, claro está, da respectiva documentação, constitui aqui o título válido de abertura ao público.

Pode, no entanto, existir uma intervenção da câmara municipal por forma a verificar se o estabelecimento reúne efectivamente os requisitos para a modalidade de alojamento local.

Em caso de incumprimento, originário ou superveniente, ou seja, constata-se no local, ab initio ou em momento ulterior que o estabelecimento não reúne ou não conserva os requisitos mínimos estabelecidos na portaria ou, no caso dos estabelecimentos de hospedagem, os requisitos adicionais estabelecidos pela câmara, é cancelado o registo, algo semelhante à cassação de uma licença.

O artigo 5º ocupa-se dos requisitos gerais, ou seja, daqueles requisitos mínimos que são aplicáveis a qualquer tipologia de estabelecimento de alojamento local, designadamente os edifícios onde se encontram instalados os estabelecimentos os quais devem encontrar-se bem conservados, quer exterior quer interiormente, o que equivale a dizer que não podem ser adstritos a esta modalidade de alojamento edifícios que denotem uma manutenção deficiente ao nível das pinturas, rebocos, canalizações, escadas, telhados, etc.

As câmaras municipais podem fixar requisitos adicionais mas só na tipologia dos estabelecimentos de hospedagem, o que lhes permitirá adaptar a disciplina do alojamento local às necessidades e realidades locais e, eventualmente, colocar um travão ao crescimento deste tipo de oferta.

Constata-se uma menor exigência comparativamente aos estabelecimentos hoteleiros ao determinar-se que os serviços de arrumação e limpeza da unidade de alojamento se efectuem uma vez por semana ou quando ocorra mudança de utente. Tal periodicidade aplica-se à mudança de toalhas e de roupa de cama.

Enquanto nos empreendimentos turísticos a placa identificadora surge obrigatoriamente no exterior junto à entrada principal, em sede de alojamento local a sua instalação no exterior, junto ao acesso principal, apresenta-se com carácter facultativo.

Concluindo:

- A criação e posterior regulamentação da nova figura do alojamento local é positiva, pois, permite integrar num quadro de legalidade e transparência o relevante fenómeno da oferta de alojamento paralelo ou não classificado, problema estrutural do nosso turismo já com vários decénios.

- Para além do alojamento paralelo que o legislador enfrentou de forma resoluta, cria-se um quadro normativo simples e expedito que permite a um conjunto de pequenas e médias empresas e mesmo a particulares desenvolverem um pequeno modelo de negócio na área do alojamento turístico.

- Soluções similares à dos guîtes de France ou bed & breakfast, sobretudo em áreas rurais deprimidas, são agora de rápida e fácil implementação pois dispõem de um ágil e facilitador enquadramento legal.

- Podem, no entanto, as maiores dificuldades ao nível do licenciamento dos estabelecimentos hoteleiros e outra tipologias de empreendimentos turísticos designadamente do turismo no espaço rural, contrastando com a menor exigência do alojamento local - aliadas à inexistência de restrições quanto ao número máximo de unidades de alojamento - canalizar para esta modalidade uma parte não despicienda dos novos investimentos, com reflexos negativos ao nível da quantidade e qualidade do alojamento clássico.

- A monitorização da implementação da lei é, por isso, de extrema utilidade de molde a introduzir, se for caso disso, as medidas que corrijam as distorções, seja pela introdução de novos requisitos mínimos ou pelo estabelecimento de um número máximo de unidades de alojamento para os novos empreendimentos.

Carlos Torres
Advogado

In
Publituris nº 1032, 18 de Julho de 2008

segunda-feira, 23 de junho de 2008

O Turismo e o Tratado de Lisboa


Para além da promoção à escala mundial da cidade onde foi aprovado – um gratuito, duradouro e eficaz ALLisboa – o Tratado de Lisboa consagra, pela primeira vez, decorrido mais de meio século sobre o Tratado de Roma, um lugar próprio para o turismo.

1.1) O Turismo é uma realidade ausente na formação das Comunidades Europeias em 1957

O Tratado de Roma de 1957 não considera o turismo como uma política comunitária – como sucede na agricultura e nos transportes – inexistindo, assim, a indispensável base jurídica para a adopção de medidas, um tratamento normativo específico no direito comunitário, num sector que é actualmente o primeiro ao nível mundial e em que a Europa constitui o primeiro destino.

Em conformidade, não existe ao nível comunitário uma Direcção Geral própria que se ocupe exclusivamente dos assuntos do turismo, sendo a das Empresas e Indústria que trata dos assuntos relativos a um sector que representa mais de 4% do PIB comunitário, dois milhões de empresas e oito milhões de empregos.

Só na década de oitenta surgem as primeiras reflexões sobre o turismo como é o caso da comunicação da Comissão sobre as primeiras orientações para uma política comunitária do turismo e a resolução de 10 de Abril de 1984 relativa a uma política comunitária do turismo, o Conselho acolhe favoravelmente a iniciativa da Comissão de chamar a atenção para a importância do turismo e toma nota das primeiras orientações definidas pela Comissão para uma política comunitária do turismo.

A crise industrial dos anos 80, a entrada da Grécia e as discussões da adesão de Espanha e Portugal motivaram tais reflexões. O turismo já constituía, então, uma actividade importante da maior parte das regiões europeias que integravam a Comunidade, o mesmo sucedendo para aqueles que aguardavam a sua entrada.

No entanto, só trinta e cinco anos mais tarde, o Tratado de Maastricht prevê, de forma algo incipiente, na derradeira alínea do seu extenso art.º 3º que a acção da Comunidade possa comportar medidas no domínio do turismo.

1.2) O Tratado de Lisboa confere ao Turismo um novo Estatuto

O Tratado de Lisboa é o primeiro a consagrar um preceito especificamente dedicado ao turismo – trata-se do art.º 195º – retomando a nova classificação de competências proposta pelo fracassado projecto de Constituição Europeia e o enfoque dispensado àquela importante actividade económica.

O art.º 6º, na linha da nova trilogia de competências, estabelece sete domínios nos quais a União Europeia tem competência para desenvolver acções destinadas a apoiar, coordenar, ou completar a acção dos Estados-membros: protecção e melhoria da saúde humana, indústria, cultura, turismo, protecção civil, cooperação administrativa e, por fim a educação, formação profissional, juventude e desporto.

O art.º 195º, integrado numa inovadora subsecção intitulada turismo, reparte-se por dois números.

De harmonia com o nº 1, a União Europeia completa a acção dos Estados-Membros no sector do turismo.

Exemplificativamente, essa acção de completamento é levada a cabo promovendo a competitividade das empresas europeias ligadas à actividade económica do turismo, as quais, embora o artigo não o refira, são predominantemente pequenas e médias empresas.

Os objectivos da União Europeia são de dupla ordem.

Em primeiro lugar, incentivar a criação de um clima propício ao desenvolvimento das empresas do turismo [alínea a)].

E em segundo, fomentar a cooperação entre os Estados-Membros, enumerando-se, de forma exemplificativa, o intercâmbio de boas práticas [alínea b)].

O nº 2 é dirigido especificamente ao Parlamento Europeu e ao Conselho, aos quais compete estabelecer as medidas específicas, destinadas a completar as acções desenvolvidas nos Estados-Membros para realizar a dupla ordem de objectivos supra referida.

2) Progresso, crítica e tolerância

No penúltimo número do Publituris, a entrevista de João Passos aflora diplomaticamente, a ausência do Secretário de Estado do Turismo em dois actos oficiais da APAVT posteriores ao célebre discurso do congresso em que questionou o papel das low cost.

A ideia que progressivamente formei desta governação do turismo é de que a crítica pública, porventura com uma excepção em razão do seu peso político, conduz ao afastamento dos seus autores, não existindo uma cultura de convivência com vozes dissonantes.

A APAVT é uma grande instituição do turismo português, representativa de um significativo conjunto de agências de viagens e operadores turísticos, a única associação deste subsector, e, não menos importante, a que pontualmente, mas sem exageros, tem manifestado a sua discordância perante algumas medidas governativas.

Reconheço que a figura do provedor do cliente pode suscitar algumas reservas a quem legisla, mas a questão deixa de fazer sentido quando uma associação como a DECO lhe dá o beneplácito, pelo que deveria ter integrado a reforma legislativa de Julho de 2007.

Já se sabia que se trata de uma questão fundamental para a associação, que inclusivamente modificou os seus estatutos para consagrar a obrigatoriedade da figura para os seus associados, pelo que se antevia a reacção negativa.

Ora, a Madeira consagrou recentemente o provedor do cliente das agências de viagens – enquanto simples alternativa às comissões arbitrais, não mais do que isso – pelo que o Governo da República tem rapidamente de corrigir a omissão porquanto não faz sentido manter esta pedra no sapato que desnecessariamente turva as relações.

Existe, por outro lado, uma justificação para uma alteração a curto prazo à lei das agências de viagens, designadamente a necessidade de incluir a comercialização do alojamento local e a nova tipologia de empreendimentos turísticos nas actividades próprias decorrente do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, permitindo que a consagração da figura do provedor do cliente não surja isoladamente e constitua uma espécie de claudicação política.

Bernardo Trindade não pode ficar com estas suspeitas de retaliação política, de que João Passos e Andrade Santos são casos emblemáticos. Independentemente das justificações que possa apresentar, em política o que parece é.

O grande desafio até ao final do mandato é, assim, introduzir uma praxis governativa orientada para a tolerância e a salutar troca de pontos de vista, ainda que não coincidentes ou até antagónicos, valores inerentes à matriz ideológica do socialismo democrático e da social democracia, porquanto como ressalta da canção de Bécaud “L'important c'est la rose”.

O contraditório é factor de progresso ao invés do servilismo utilitarista que visa as migalhas ou PINs do poder. Nas palavras do incómodo poeta da Trova do vento que passa, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não...

Carlos Torres
Advogado

In Publituris nº 1028, 20 de Junho de 2008