O mês que foi dado à sociedade civil para se pronunciar é manifestamente insuficiente tratando-se de uma revisão umbilical, fechada, dissimulando erros grosseiros. A revisão pelos novos responsáveis políticos é uma oportunidade para a manutenção do PENT, pois mais vale dispor de um plano estratégico revisto e actualizado do que não ter nenhum, transformando-o, desejavelmente, num instrumento estratégico sectorial de todos para todos.
Num período de acentuada e crescente crise política, o Governo apresentou na Bolsa de Turismo de Lisboa as Propostas para Revisão no Horizonte 2015 – versão 2.0 – relativas ao Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT) aprovado em 2007.
Desde logo, o prazo de um mês (até 31 de Março) para a sociedade civil discutir um documento que o Governo preparou ao longo de um ano parece-me manifestamente insuficiente, impedindo uma discussão minimamente alargada e aprofundada.
Também não se compreende a razão pela qual o documento não incorpora já os pontos de vista das entidades regionais de turismo que podiam e deviam ter contribuído activamente para a proposta no decurso da sua prolongada gestação anual. Não foram ouvidas apesar da relevância e indispensabilidade do plano regional do turismo atenta a sua proximidade, leitura dos territórios, produtos turísticos e comportamentos dos consumidores e de conhecerem como ninguém a diversidade e especificidade dos destinos turísticos. Também a confederação, associações, empresas e universidades, designadamente os centros de estudos de turismo, deveriam ter sido ouvidos e ter participado activamente.
As metodologias bottom-up que estruturam o moderno planeamento turístico recomendam uma participação activa dos diferentes actores públicos e privados, envolvendo-os e co-responsabilizando-os nas soluções adoptadas. Por seu turno, o art.º 8º, nº 3 do Decreto-Lei nº 191/2009, de 17 de Agosto, que estabelece as bases das políticas públicas de turismo e define os instrumentos para a respectiva execução (vulgarmente designada Lei de Bases), determina que na “elaboração do Plano Estratégico Nacional do Turismo devem ser ponderados os interesses económicos, sociais, culturais e ambientais e assegurada a participação das entidades representativas de tais interesses”.
Recorde-se que, no essencial, o PENT tem como horizonte temporal 2015 e como principais metas um crescimento anual do número de turistas em 5% (+ de 20 milhões de turistas estrangeiros) e das receitas em 9% (mais de 15 mil milhões de euros) representando então mais de 15% do PIB e do emprego.
A estagnação, ou mesmo o decréscimo, do número de turistas estrangeiros (desde 2007 que não há estatísticas neste importante e indispensável indicador, apontando as estimativas mais realistas para 11 a 12 milhões) e as dúvidas quanto ao volume das receitas, ou seja, mesmo que se trate de 7,5 mil milhões de euros teriam de duplicar em 5 anos, levam a que, sem abandonar expressamente estes objectivos, se venha agora falar dissimuladamente, como quem não quer a coisa, de hóspedes em vez de turistas e da importância do turismo nas exportações em vez do peso no PIB e no emprego. A flutuação de conceitos ao longo do documento obsta a uma análise minimamente rigorosa.
Uma parte significativa das tipologias de empreendimentos turísticos fica à margem do PENT e a proposta inexplicavelmente não faz qualquer menção à Lei de Bases do Turismo, omissão reveladora de alguma ligeireza na abordagem destas importantes matérias. Ou seja, o PENT, mesmo depois da proposta de revisão, não reflecte a Lei de Bases do Turismo. Começou por construir-se a casa pelo telhado, aprovando-se o PENT antes da Lei de Bases do Turismo, e agora não há sequer o cuidado de corrigir as suas fundações.
O ocaso altamente provável de um ciclo político suscita fundadas dúvidas quanto à manutenção pela nova maioria política de um plano estratégico que nunca foi consensual, que viveu de um entusiasmo desproporcionado dos seus fautores relativamente às respectivas potencialidades, em que se misturaram projecções científicas com ficção política, perspectivas de evolução com política virtual e auto-elogio.
A monitorização por uma entidade independente pode constituir um importante factor de credibilização e parece-me que mais vale ter este plano do que nenhum, devendo fazer-se um esforço para a sua preservação apesar das prováveis alterações políticas.
Com efeito, a revisão do PENT, sobretudo se for feita numa perspectiva de inclusão de todos os actores no plano nacional, regional e local, pode criar condições para sobreviver à actual maioria e fugir, assim, ao expectável destino de ser metido na gaveta pelos novos governantes.
Planear o turismo na ausência do número de turistas estrangeiros ou com dúvidas quanto às receitas transporta-nos um pouco para a planificação grosseira do merceeiro que assenta os seus juízos comerciais sobre o dinheiro existente na gaveta.
Também de forma dissimulada, a proposta de revisão procede ao ajustamento do PENT com a nova realidade regional do turismo português em matéria de pólos de desenvolvimento turístico, acrescentando o pólo Leiria-Fátima. Deste modo, o PENT reflecte o Decreto-Lei nº 67/2008, de 10 de Abril, que aprovou o regime jurídico das áreas regionais de turismo de Portugal continental e dos pólos de desenvolvimento turístico, mas este diploma não alude ao plano estratégico.
Aliás, os pólos de desenvolvimento turístico assentaram mais em razões de oportunidade e conveniência política do que num estudo da sua implementação com base em critérios turísticos. Basta pensar que na apresentação das linhas gerais do PENT o SET apenas aludiu aos pólos do Oeste e Alqueva e que na organização regional do turismo português foram consagrados last minute em Conselho de Ministros, com a particularidade de um deles ter nascido entre São Bento e Belém.
Dissimulação também ao nível dos dez produtos estratégicos em que, em vez de se autonomizar o turismo religioso – constituindo o 11º produto estratégico –, opta-se por uma cosmética transformação, touring cultural e religioso, como se este último não fosse alvo de uma forte especialização e segmentação.
No entanto, a conhecida justificação de o mundo mudou que pode explicar alterações noutros sectores não pode aplicar-se ao caso do turismo já que perante a crise sempre os responsáveis políticos afirmaram que estávamos a crescer, o SET destacando invariavelmente os melhores anos turísticos de sempre. Afinal, de harmonia com a própria OMT, enquanto os especialistas mantinham fortes reservas relativamente a 2010, este revelou-se o melhor ano de sempre com 935 milhões de turistas internacionais.
Publituris n.º 1160, de 25 de Março de 2011, pág. 4