domingo, 31 de agosto de 2008

Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma dos Açores (POTRAA)


Um excelente instrumento de gestão territorial que pela sua qualidade estratégica e grau de fundamentação constituirá certamente um marco no ordenamento do território turístico português.

Acaba de ser publicado o Decreto Legislativo Regional nº 38/2008/A, de 11 de Agosto que aprova o Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma dos Açores (POTRAA).

Sob a égide da sustentabilidade e de um conjunto de objectivos enunciados no preâmbulo, trata-se de um plano sectorial de âmbito regional, um instrumento de gestão com incidência territorial – o PENT tendo o mesmo horizonte temporal (2015) não possui esta importante característica – composto por normas de execução (anexo I), o relatório (anexo II) e as plantas síntese (anexo III).

A conjugação da sustentabilidade socio-económica com a ambiental leva a que uma das orientações estratégicas que está na sua base seja a desaceleração dos ritmos de crescimento que a região tem registado nos últimos anos para níveis entre os 6,5 e 7,5 % ao ano (valores médios), estimando-se crescimentos anuais da procura entre 8,5 a 9,5% e uma estada média de 4 dias.

Visa fundamentalmente o POTRAA orientar as decisões públicas de intervenção no território turístico, devendo as suas normas serem ulteriormente incorporadas no plano espacial mais restrito, designadamente nos planos municipais de ordenamento do território.

O escopo das normas que definem o uso turístico do solo é o desenvolvimento controlado das estruturas turísticas regionais, de modo a não comprometer a sua capacidade futura, surgindo as opções territoriais numa perspectiva macro, ou seja, há lugar a posteriores concretizações, modificações ou desenvolvimentos no interior de cada zonamento turístico agora operado.

O POTRAA marca, assim, as grandes opções de afectação territorial à actividade do turismo açoriano, um macro zonamento turístico, mas não pode nem deve descer ao detalhe ou pormenor, isso fica para outros instrumentos de âmbito espacial infra-regional.

Tem carácter normativo, impõe-se a sua efectiva aplicação, não se tratando, pois, de um mero conjunto de propostas ou reflexões.

Os conceitos de empreendimentos turísticos que subjazem ao POTRAA são, no entanto, moldados na legislação de 1997 – a trilogia do alojamento turístico: empreendimentos turísticos, turismo no espaço rural e turismo de natureza – e não na recente legislação dos empreendimentos turísticos, aprovada em Março de 2008, em que aquelas três realidades se fundem num só conceito para além de o turismo de natureza perder a sua marca característica de sustentabilidade ambiental e passar a abranger todas as tipologias, sem excepção, mesmo as que implicam uma maior carga e consumo de solo.

No que respeita ao conceito de empreendimentos integrados que o diploma avança é muito próximo do já existente conjuntos turísticos (resorts).

Corporizando o POTRAA uma dispersão territorial das unidades de alojamento e demais componentes do sistema turístico, assente em tipologias que são admitidas em determinados espaços mas interditas noutros, esta questão da modificação da legislação dos empreendimentos turísticos que está na sua base assume uma enorme importância.

A questão seria inócua se a alteração de 1997 para 2008 respeitasse tão somente a moradias turísticas ou motéis, sub-tipologias não consagradas ao nível regional, mas o turismo no espaço rural que constitui agora um dos tipos de empreendimentos turísticos já não comporta o limite de trinta quartos ou suites nos hotéis rurais e o turismo de natureza está completamente desfigurado.

Também o figurino turismo de habitação em que bastante se aposta ao nível regional foi substancialmente modificado. Enquanto na versão subjacente ao POTRAA apenas se pode desenvolver em zonas rurais, na actual para além de ter sido autonomizado do turismo no espaço rural, pode desenvolver-se nos espaços urbanos.

De forma pioneira introduz-se o conceito de capacidade de carga turística, estabelecendo-se a partir do número de camas existentes em cada uma das nove ilhas em 2005 (no total 8093), o número máximo por ilha a atingir até 2015, o que perfaz na totalidade 15.500 camas.

Para além deste limite estabelece-se uma reserva adicional de 10% (1.551 camas também dividas por cada ilha) para obviar às dinâmicas de crescimento insusceptíveis de previsão a esta distância e ou projectos com especial significado estratégico.

Empreendimentos ligados a campos de golfe ou portos de recreio e empreendimentos integrados preencherão, em condições normais, a bolsa.

Possibilita-se que não contem para a capacidade de carga turística, não automaticamente mas através de um acto do Governo regional, duas tipologias consideradas menos agressivas, o turismo no espaço rural e o turismo de natureza. Não basta, porém, a tipologia tendo ainda de preencher o requisito da reutilização de imóveis com particulares características arquitectónicas (reconhecido interesse histórico e ou arquitectónico). A protecção do património arquitectónico e facto de não se consumirem mais recursos territoriais tornam a solução bastante acertada, para além de inovadora.

Não se alteram as regras do licenciamento dos empreendimentos turísticos, designadamente a câmara municipal como entidade licenciadora e a intervenção da Direcção Regional do Turismo.

Cria-se, porém, a possibilidade de as entidades exteriores ao município que emitam pareceres, possam exigir a apresentação de esclarecimentos ou elementos complementares por forma a avaliarem a solução proposta e os seus impactes paisagísticos e ambientais, prazos para o arranque da obra e para a sua conclusão.

Existem cinco unidades de organização territorial:

Os espaços urbanos de eventual desenvolvimento turístico correspondendo a áreas urbanas e urbanizáveis delimitadas pelos PDM e outros instrumentos, nas quais são admitidas todas tipologias de alojamento turístico, restauração, serviços de informação turística e outros equipamentos e serviços de apoio à recepção e estada turística;

Os espaços específicos de vocação turística que mercê das suas características urbanas, naturais e ou paisagísticas, são especialmente vocacionadas para o uso turístico. Complementarmente são aptas para uso habitacional e comercial, constituindo, por último, a localização preferencial de empreendimentos integrados. Tratando-se de solos urbanos ou urbanizáveis o uso é o que resultar do respectivo PMOT; outras classificações de solo apenas empreendimentos integrados ou quando se aproveite imóveis existentes para outras tipologias, nomeadamente empreendimentos de turismo no espaço rural e turismo de natureza.

Os espaços rurais e outros não diferenciados delimitam-se por exclusão de partes, ou seja, excluem-se todas as áreas integradas nas outras unidades de organização territorial e incluem-se as áreas rurais e naturais, sem estatuto de áreas protegidas, e áreas de ocupação humana distinta das áreas urbanas ou urbanizáveis, todas com boa aptidão para a utilização turística. O turismo no espaço rural e o turismo de natureza são sempre permitidos enquanto a instalação de empreendimentos turísticos está muito condicionada.

Os espaços ecológicos de maior sensibilidade constituem áreas de maior sensibilidade biofísica, com aptidão muito limitada para a utilização turística e fortes condicionamentos à edificabilidade. Permitem-se por exemplo a instalação de casas de natureza.

Por último, os espaços de potencial conflito constituem áreas que em razão do seu uso – pedreiras, portos, aeroportos, aterros sanitários, áreas industriais, parques eólicos – são incompatíveis com a fixação de estruturas e equipamentos de natureza turística interditando-se, em regra, a sua instalação.

A concretização dos objectivos do POTRAA, será obtida mediante através das Linhas Estratégicas de Desenvolvimento (LED), avultando na vertente da territorialização a «LED 5 – Suporte a acções específicas no âmbito do ordenamento turístico do território».

Um excelente instrumento de gestão territorial que pela sua qualidade estratégica e grau de fundamentação constituirá certamente um marco no ordenamento do território turístico português, ao nível do que melhor se faz por esse mundo fora. Uma grande densidade técnico-política reforçada pela ausência de paradigmas tão em moda como o papel estruturante das companhias aéreas low cost ou do turismo residencial.

Carlos Torres
Advogado
In Publituris on-line, 13 de Agosto de 2008