segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Angola: Alojamento e Ordenamento do Território Turístico


Tipologias de empreendimentos, regras de funcionamento e pólos de desenvolvimento turístico são conceitos que surgem com clareza e que nos são familiares.

Para além das belezas naturais que qualificam singularmente o território de Angola, o surto de desenvolvimento económico decorrente do processo de paz tem gerado um importante e crescente movimento no turismo de negócios.

O quadro legal do alojamento turístico consta do Decreto-Lei nº 6/97, de 15 de Agosto, que estabelece as normas respeitantes ao aproveitamento dos recursos turísticos do País e ao exercício da indústria hoteleira e similares.

Não se operou, porém, um corte com o Decreto-Lei nº 49 399, de 24 de Novembro de 1969, que vigorava em Angola desde Março de 1974, o qual continua a inspirar muitas das soluções legislativas e regulamentares.

Estabelecem-se no artº 2º as atribuições do Ministério da Hotelaria e Turismo (MHT), conhecido pela abreviatura oficial Minhotur, figurando, em primeiro lugar, o aproveitamento e preservação dos recursos turísticos. De seguida, a disciplina, fiscalização e apoio da indústria hoteleira e similar e das outras três categorias que integram o diploma: meios complementares de alojamento, conjuntos turísticos e empreendimentos de animação, culturais e desportivos de interesse para o turismo. Em sede de ordenamento do território turístico, elabora propostas de áreas de aproveitamento e desenvolvimento turístico e dá parecer sobre os PROT.

O artº 3º enumera as competências do MHT em matéria dos estabelecimentos hoteleiros: localização e respectivos projectos, declaração de interesse para o turismo (diferente da nossa solução actual em que a DIT só se aplica a realidades que não sejam consideradas empreendimentos turísticos ou agências de viagens, em Angola mesmo os estabelecimento hoteleiros e similares podem ser declarados com ou sem interesse para o turismo), qualificação de turísticos dos meios complementares de alojamento e dos conjuntos turísticos.

Não são apenas os estabelecimentos hoteleiros e similares que estão sujeitos a classificação mas também os meios complementares de alojamento, competindo-lhe igualmente aprovar as respectivas denominações.

O artº 4º enumera as atribuições dos governos das Províncias e dos órgãos locais de turismo que exercem a sua jurisdição relativamente aos estabelecimentos sem interesse para o turismo.

Estabelecem-se requisitos mínimos para cada grupo ou categoria e a ponderação equilibrada de três ordens de factores: 1ª) localização dos empreendimentos; 2ª) nível do serviço e das instalações; 3ª) existência de equipamentos complementares (artº 6º).

Consagra-se o princípio da susceptibilidade da revisão da classificação a qualquer momento, por iniciativa do interessado ou despoletada oficiosamente (artº 7º).

No que respeita às tipologias do alojamento turístico, manteve-se, no essencial a do direito anterior, repartindo-as por oito grupos: Hotéis, Pensões, Pousadas, Estalagens, Motéis, Hotéis-apartamentos, Aldeamentos turísticos e, por último, as Hospedarias ou casas de hóspedes (artº 9º).

O termo residencial significa que para além do alojamento é tão somente disponibilizado o pequeno-almoço, ou seja, não são servidas refeições principais, devendo tal limitação figurar no nome.

Os estabelecimentos similares hoteleiros repartem-se por três grupos: 1º) Restaurantes; 2º) Estabelecimentos de bebidas e 3º) Salas de dança (artº 11º).

Os meios complementares de alojamento desdobram-se em quatro categorias: 1ª) Apartamentos turísticos; 2ª) Turismo de habitação; 3ª) Turismo rural ou agroturismo; e 4ª) Parques de campismo (artº 13º).

Traços diferentes surgem na figura dos conjuntos turísticos: núcleos de instalações contíguas funcionalmente independentes destinados à prática desportiva ou entretenimento que proporcionem alojamento ainda que não hoteleiro. Também não se prevê, como entre nós, que sejam atravessados por comboios.

Os processos relativos à construção e instalação dos estabelecimentos hoteleiros e similares com interesse para o turismo são organizados pelo MHT, enquanto os demais ficam a cargo respectivos governos provinciais.

Diferenças relativamente à informação prévia possibilidade em princípio de construir ou instalar empreendimentos – porquanto a resposta administrativa não produz quaisquer expectativas juridicamente protegidas, ainda que por um curto período.

Prevê-se uma comissão especial para ultrapassar os pareceres negativos que subsistam, com a muito interessante particularidade de as suas deliberações serem vinculativas : lógica PIN, mas mais igualitária, pois não diferencia o volume de investimento (artº 22º).

A aprovação dos empreendimentos é em todos os casos da competência do MHT, sem prejuízo do ulterior licenciamento da construção ou obras de urbanização estarem cometidas a outra entidade, ou seja, o processo de licenciamento turístico é independente e anterior ao processo de licenciamento da construção (artº 23º) sendo fixado um prazo para a edificação sob pena de caducidade (artº 24º).

Obras que não sejam de simples conservação ficam também submetidas ao diploma (artº 25, nº 1), sendo que as destinadas à reclassificação devem obter previamente o parecer do MHT (idem nº 2).

A entrada em funcionamento depende sempre de autorização precedida de uma vistoria finda a qual será atribuída uma classificação provisória pelo prazo de um ano, da competência do MHT ou do governo da Província consoante se trate de empreendimento com ou sem interesse para o turismo (artº 29º).

A autorização de abertura surge autonomizada das fases do licenciamento turístico e do licenciamento da construção (artº 30º), prevendo-se uma norma geral de protecção da saúde dos consumidores e os adequados meios de prevenção de riscos contra incêndio (artº 31º).

Estabelece-se a realização de inspecções e vistorias aos estabelecimentos sempre que for considerado conveniente (artº 32º) e consagra-se o princípio de uma única entidade exploradora (artº 33º).

Grava-se o proprietário do prédio, não a entidade exploradora, com o dever de não alterar substancialmente a sua estrutura externa ou aspecto estético exterior, não aplicá-lo a fim diverso designadamente a práticas ilícitas, imorais ou desonestas e não exceder a respectiva capacidade (artº 35º).

Protege-se a língua oficial ou línguas nacionais nos nomes dos estabelecimentos, condiciona-se o uso do termo turismo, reservando-se os termo palácio e luxo para os estabelecimentos de 5 estrelas e de luxo (artº 36º).

Nomes iguais ou que induzam em erro encontram-se interditos, salvo quando se integrarem na mesma organização (artº 37º).

Consagra-se inequivocamente a regra da liberdade de acesso aos empreendimentos, salvo as situações de perturbação do funcionamento (artº 39º).

Remetem-se os regimes de preços para legislação especial (artº 40º) e, por forma a assegurar a qualidade dos serviços, estabelece-se a obrigatoriedade de serem dirigidos por profissionais de hotelaria (artº 41º).

Com interesse na área do ordenamento do território turístico surge-nos um capítulo (arts. 43º a 55º) dedicado às áreas turísticas entre as quais se destacam os pólos de desenvolvimento turístico.

Uma nota final relativamente à grande facilidade com que penetramos no conjunto de normas que disciplinam o alojamento e o ordenamento do território turístico em Angola, movendo-nos num quadro que nos é bastante familiar.

Carlos Torres
Advogado
Publituris nº 1044, 24 de Outubro de 2008

domingo, 5 de outubro de 2008

Política VirtuALL


O anúncio do cumprimento do Programa do Governo é um mero exercício de política virtual, sem correspondência na realidade. Auto-elogio e exclusão surgem com excessiva frequência.

Há poucos dias atrás o Secretário de Estado do Turismo difundia num dos jornais on-line do trade a seguinte afirmação: “Programa do Governo para a área do turismo está concluído, ao fim de três anos e meio de legislatura”.

O auto-elogio não se confinou àquele meio de comunicação social, figurando no site do Turismo de Portugal, I.P., que ineditamente comenta e reproduz a notícia, ampliando significativamente a sua difusão.

Confesso que se há matéria em que não esperava que o governante tocasse, ainda que incidentalmente, era a do cumprimento do Programa do Governo e, muito menos, a esta distância temporal.

Com efeito, estendendo-se esta Legislatura para além dos quatro anos, tem ainda um ano de governação pela frente, pelo que três ou quatro meses antes das eleições seria o timing ajustado para o balanço da sua prestação governativa.

Para além do carácter precoce do balanço, sobreleva a circunstância de boa parte dos objectivos fundamentais do Programa não terem sido cumpridos, como procurarei demonstrar de seguida.

No texto do Programa do XVII Governo Constitucional na área do turismo existe uma área de objectivação da estratégia prosseguida na qual se passa Da visão estratégica aos objectivos”.

À cabeça surge uma Política Nacional de Turismo, “que exige uma visão e uma estratégia nacionais capazes de integrar de forma coerente estas diversidades e diferenças, através, nomeadamente, de políticas regionais fortes”.

Surpreendentemente nem uma linha produzida nesta matéria até ao momento. O Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT) seria eventualmente um dos pilares dessa estratégia, mas não se pode confundir o instrumento com a política que prossegue.

Basta atentar no exemplo do Brasil, em que Lei Geral do Turismo sancionada muito recentemente, em 17 de Setembro de 2008, pelo Presidente da República Lula da Silva, institui a Política Nacional de Turismo, a qual será regida pelo Plano Nacional de Turismo.

Ou seja, realidades que não podem nem devem ser confundidas.

Para além disso, uma Política Nacional de Turismo tem de “articular o turismo com outros sectores, nomeadamente o ordenamento do território…” como salienta o Programa do Governo.

A referida articulação passa inelutavelmente pelo Plano Sectorial do Turismo, o instrumento de gestão territorial sectorial de topo.

O facto de nesta Legislatura ter sido aprovado o PNPOT e de exercer funções governativas um dos mais reputados especialistas nacionais em matéria de ordenamento do território, constituem uma ocasião de ouro para o sector do turismo, que não deve ser desperdiçada.

Surpreendentemente, não se conhece um único texto, ainda que exploratório, nesta matéria.

Dos cinco vectores de intervenção estratégica em que se apoia a Política Nacional de Turismo pelo menos três parecem-me claramente não cumpridos.

Desde logo, sem qualquer margem para dúvidas, o quinto vector relativo à definição de uma Lei de Bases do Turismo na qual se consagrem dois aspectos fundamentais: as linhas orientadoras e a estratégia de uma Política Nacional de Turismo.

Mas também o segundo vector na parte relativa à “dinamização do crescimento da procura turística interna”.

E o terceiro vector no que respeita à “implementação de estratégias regionais, autónomas, integradas numa visão nacional” já que o modelo regional recentemente aprovado é menos autónomo, ou seja, as entidades regionais de turismo são consideravelmente mais dependentes do poder central do que as extintas regiões de turismo. Muitos passos atrás.

No que respeita aos objectivos de curto prazo não me parece cumprido o relativo à dinamização do turismo interno (férias, fins-de-semana), sobretudo atendendo a que as regiões do interior e as denominadas emergentes constituíam preocupação prioritária.

O Programa do Governo pressupõe claramente no plano das estruturas institucionais do turismo a manutenção da DGT, INFTUR e Inspecção-Geral de Jogos.

Foram, como é sabido, extintas aquelas estruturas institucionais do turismo por razões que nada tiveram a ver com o sector, apanhando-o de surpresa, não tendo, assim, nenhuma das medidas de enorme impacte sido previamente discutida com os seus destinatários, designadamente ao nível associativo.

Para finalizar detenho-me numa das várias medidas prioritárias preconizadas, a de “projectar internacionalmente, a médio prazo, um dos nossos centros de investigação de turismo, colocando Portugal como palco de grandes eventos científicos internacionais na área do turismo”.

Um projecto nesse âmbito – então designado Centro de Formação Avançada em Turismo – em que desde o início assumiram uma considerável predominância o ISCTE e o Turismo de Portugal, IP, foi apresentado em Junho de 2007 na ESHTE, com a particularidade de para além daquelas duas instituições dominantes só abrangia organizações empresariais.

Está agora marcado para o dia da publicação deste artigo, 26 de Setembro de 2007, no Algarve e no âmbito das comemorações do dia mundial do turismo o lançamento do Hospitality Management Institute, projecto de investigação e formação avançada em Turismo.

Desde a primeira hora que venho apontado a inadmissível e incompreensível exclusão dos grandes centros de investigação em turismo nacionais – o ISCTE apesar de grande escola só agora vai abraçar um sector de enorme potencial como o turismo e a ESHTE não tem, infelizmente, mercê da sua incrível situação de governação, uma correspondência entre o inegável prestígio de que goza e investigação científica que produz.

Impunha-se, assim, a entrada das Universidades do Algarve, Aveiro, Évora e alguns politécnicos com produção relevante na área do turismo como Leiria, Lamego ou Beja.

Isto no campo das universidades públicas. Não querendo entrar no campo das privadas, limito-me a enunciar o CISE com produção considerável na área do turismo.

A maior abrangência do HMI comparativamente ao CIFAT deve-se tão somente à circunstância de pouco tempo após a apresentação no Estoril, o Primeiro-Ministro se ter deslocado à nossa maior região turística. O PS local evidencia o carácter sectário da solução e o Chefe do Governo mostra-se sensível determinando de imediato a inclusão da Universidade do Algarve.

Subsiste, porém, entre outras, a exclusão da Universidade de Aveiro, detentora da única revista científica na área do turismo e que produziu um relevante número de mestrados na área do turismo, sem paralelo em termos nacionais e a um bom nível internacional: 55 desde 2002!

Se queremos, como se afirma, que o nosso destino seja reconhecido internacionalmente pelos seus quadros porquê excluir todo este capital humano?

É como, num porventura impróprio paralelismo futebolístico, não ter, por embirração do seleccionador, Cristiano Ronaldo ou jogadores de idêntico nível na equipa nacional.

O que justificará, à luz do interesse público, a exclusão da Universidade de Aveiro? E como fica a credibilidade política do Secretário de Estado do Turismo que garantiu pessoalmente à comunidade local a inclusão da sua universidade?

Non te laudabis… O bom político pensa antes de falar, mas o melhor político pensa e não fala.

Carlos Torres
Advogado

Publituris nº 1040, 26 de Setembro de 2008