Há que encontrar o ponto de equilíbrio entre a orientação descendente concebida há 40 anos no quadro de um centralista Estado-nação e as fortíssimas pulsões regionais e locais de sentido ascendente.
A circunstância de as atenções nos últimos cinquenta anos se terem concentrado nas políticas de transportes, habitação, serviços públicos e desenvolvimento económico explica, de algum modo, o carácter recente das políticas públicas de ordenamento do território turístico.
A tomada de consciência do incontornável papel desta actividade só ocorre depois dos anos noventa quando se torna a primeira actividade mundial de serviços, aproximando-se das indústrias petrolífera e automóvel. Com efeito, apesar da actividade turística representar a nível mundial mais de 10% do PIB, 8% do emprego e 12% das exportações, não tem sido adequadamente reconhecida a sua importância.
Por outro lado, o carácter recente das políticas de ordenamento do território turístico entronca no despertar do regionalismo turístico, da repartição de competências entre o poder central e o regional, designadamente no que toca à organização da actividade e ao urbanismo turístico.
O poder local passa a investir no turismo como um novo e promissor campo de intervenção económica e de ordenamento do espaço urbano e rural, verificando-se concomitantemente uma irreversível interacção entre o turismo e o desenvolvimento sustentável e o ordenamento do território.
Por seu turno, as populações libertaram-se da espartilhante concepção clássica do ordenamento turístico e a, evolução para modelos de descentralização e de regionalização (Espanha, Itália e França) dão ao poder local um novo estatuto, ocorrendo a fragmentação da acção pública em que diversas formas de governação optam pela contratualização de projectos e operações.
O modelo europeu de acção pública foi durante muito tempo prescritivo, centralizador e pouco pluralista e, só muito recentemente e, de uma forma gradual, a intervenção dos poderes públicos foi negociada à escala dos territórios, dos actores e das populações locais.
O centralismo perde o exclusivo da representação do interesse geral com o advento do mecanismo do contrato que coloca o poder local no mesmo plano que o do Estado-nação.
O contrato inicia, numa primeira fase, a descentralização francesa (1981) e a espanhola (1985) criando mecanismos - há muito conhecidos de países do norte da Europa e da Itália - para a formulação de acordos colectivos em torno de projectos locais.
A intervenção turística marca particularmente bem esta deslocação progressiva nos últimos 30 anos, de um movimento de ordenamento descendente (top-down) concebido em torno de uma organização espacial do território nacional e do seu zonamento funcionalista para ter em conta reivindicações ou iniciativas ascendentes (bottom-up).
A participação das populações torna-se um dos princípios estruturantes do ordenamento turístico, convocando diferentes públicos, retirando o monopólio da actuação a políticos e elites administrativas, fazendo intervir um número crescente de especialistas e líderes de opinião, enriquecendo o iter decisório e obtendo consensos mais alargados.
In Jornal Planeamento e Cidades nº 19, Novembro-Dezembro 2009, pág.28
Numa projecção a cerca de 60 anos, a região do Mediterrâneo, que capta actualmente 120 milhões de turistas do norte da Europa – o maior fluxo internacional de turistas ao nível mundial – e que detém o maior índice de clima para o turismo (excelente: 80-100) perde dois escalões (muito bom e bom), situando-se no aceitável (40-60), ou seja, o escalão logo a seguir ao desfavorável (0-40).
Os países do norte da Europa terão os índices mais favoráveis (excelente e muito bom) convertendo-se de grandes mercados emissores de turismo em destinos turísticos de excelência, reforçando fortemente a vertente do mercado interno e cessando os fluxos turísticos do norte para o sul.
A Cimeira de Copenhaga constitui um bom pretexto para reflectir sobre as alterações climáticas e os seus efeitos na actividade económica do turismo, uma matéria incontornável tanto no planeamento como no marketing turísticos. Ed Miliband, secretário britânico para a energia e alterações climáticas fez, pela primeira vez, um atendimento directo, por telefone, aos cidadãos interessados nas negociações de Copenhaga, bastando a prévia inscrição no site. Um bom exemplo a seguir pelos nossos governantes em matéria de proximidade com os cidadãos.
No presente artigo, centro-me num estudo recentemente divulgado: Impacts of Europe’s changing climate – 2008 indicator-based assessment. Trata-se do relatório final do projecto PESETA (Projection of economic impacts of climate change in sectors of the European Union based on bottom-up analysis) que faz uma avaliação anual dos impactos económicos na Europa decorrentes das alterações climáticas na agricultura, subidas das águas dos rios, sistemas costeiros e turismo, modelo que não atende às políticas de adaptação.
Apesar de o clima influenciar fortemente o sector do turismo e constituir nalgumas regiões um dos principais recursos naturais em que a actividade assenta – por exemplo destinos de sol e praia ou desportos de inverno – pouco se tem atendido às implicações das alterações climáticas, sobretudo a médio e longo prazo, bem como às inerentes alterações das relações de concorrência entre destinos turísticos. As zonas costeiras e as montanhas constituem precisamente os territórios turísticos mais vulneráveis às alterações climáticas.
Constata-se, nos últimos cinquenta anos, uma íntima ligação do modelo do turismo de massas com o clima, quer na origem dos turistas (mercados emissores), quer nos destinos turísticos. Nesse período, os fluxos turísticos têm predominado de norte para o sul da Europa, durante o Verão, em direcção às zonas costeiras, sendo expectável que a indústria do turismo continue a crescer mercê do binómio aumento do rendimento e mais tempo para o lazer. No entanto, a sazonalidade constitui uma das questões mais críticas do turismo.
Temos, assim, três ordens de questões-chave suscitadas pelo estudo:
1) O impacto sobre a atractividade de muitos dos principais resorts do Mediterrâneo, enquanto melhoram as condições de outras regiões.2) A menor atractividade para os turistas durante os meses de Verão e um aumento das condições na Primavera e no Outono, o que pode introduzir importantes mudanças nos fluxos turísticos da UE. Para regiões onde o turismo pesa na economia, como é o caso do Algarve, a diversificação económica poderá não compensar as perdas. Em todo o caso, o turismo deverá suportar significativos custos de adaptação.
3) As medidas de adaptação devem atender aos factores sócio-económicos e de sustentabilidade, tendo em conta os impactes ambientais e devem ser periodicamente avaliadas.
Como flui do estudo, é bastante provável que o aumento da temperatura tenha influência na escolha dos destinos de verão (e provavelmente doutra estação) na Europa, registando-se as maiores taxas de crescimento no norte da Europa aliadas ao robustecimento do turismo interno.
As actividades de ar livre tornar-se-ão mais atractivas no norte da Europa enquanto as maiores temperaturas e ondas de calor na região mediterrânica aliadas à falta de água – coincidindo com os períodos de maior afluência de turistas – poderão conduzir a utilizações fora do pico do Verão actual.
Um dos factores que poderá atenuar as perdas será a flexibilidade dos turistas, decorrente do envelhecimento da população e da consequente disponibilidade para viajar fora das épocas mais procuradas, ou seja, do pico do Verão. A flexibilidade também poderá decorrer da alteração das férias escolares.
Há também que considerar o impacto das mudanças climáticas nos desportos de inverno, uma indústria europeia que atrai milhões de turistas todos os anos e que gera receitas na ordem de €50 biliões anuais. Um estudo projecta para Áustria, França, Alemanha, Itália e Suíça a redução de áreas esquiáveis de 600 a 500 se as temperaturas aumentarem 1,2°C, para 400, se a temperatura subir até 2°C, e para 200 se o incremento for de 4°C.Simulação para o turismo na Europa, durante o Verão, no período 1961-1990 (à esquerda) e 2071-2100 (à direita) de harmonia com um cenário de fortes emissões (IPCC SRES A2)
Nota Final: Grande dificuldade sentida ultimamente pelos nossos responsáveis políticos em matéria de slogans das campanhas de turismo. Depois do Portugal Maior – slogan da campanha presidencial de Cavaco Silva adoptado no turismo interno – é agora a vez do Leve Lisboa no Coração se inspirar no centenário e imortal Leve Colares no Coração. Como se não bastasse, a jovem que apela ao paraíso Lisboa, surge-nos de gabardine, vestuário que nos faz lembrar chuva, mau tempo, etc. Recentemente os americanos David Weaver e Laura Lawton identificaram o conceito de demarketing, através do qual se pretende reduzir a procura em determinados locais turísticos que estão a atingir a saturação ou de elevada sensibilidade ambiental. Quer-me parecer que, nos últimos anos, o turismo português tem sido prodigioso em demarkteers....
In Publituris nº 1099, de 11 de Dezembro de 2009, pág. 4