terça-feira, 20 de julho de 2010

Jurista Carlos Torres dá «Sugestão para o Fundo de Garantia»

Na passada sexta-feira, o presidente do Turismo de Portugal foi ouvido na Comissão Parlamentar dos Assuntos Económicos sobre o Caso Marsans, designadamente sobre a questão caução da agência. Na audição Luís Patrão admitiu que a actual legislação pode vir a ser revista no que toca à gestão das cauções e avançou que uma alternativa possível é a criação de um fundo de garantia, gerido por instituições financeiras ou seguradoras. Ao Turisver.com o jurista Carlos Torres, especialista na área do turismo, avança com sugestões para este fundo, em artigo que transcrevemos na íntegra.

“O fundo de garantia que o presidente do Turismo de Portugal vê com simpatia pode ser constituído com uma parte das taxas manifestamente desproporcionadas - cerca 12 500 € - que durante anos foram cobradas pelo organismo a que preside.
A aparente simpatia com que o Dr. Luís Patrão vê um fundo de garantia em substituição do actual sistema de cauções individuais, como parece decorrer da sua audição na Assembleia da República na passada sexta-feira, pode ser constituído com uma parte das taxas que o Turismo de Portugal vem cobrando pela constituição de agências de viagens e sucursais de operadores europeus ao abrigo da Portaria n.º 784/93, de 6 de Setembro.
Com efeito, na taxa, diferentemente do imposto, existe um nexo de reciprocidade, constituindo o pagamento de um serviço prestado pelo Estado tratando-se, por essa circunstância, de uma remuneração manifestamente desproporcionada dado o baixo custo administrativo da verificação formal dos requisitos de que depende a emissão de um alvará para o exercício da actividade das agências de viagens e turismo. A desproporção da verba auferida pelo Turismo de Portugal é acentuada pelo incumprimento da obrigação que impende sobre a autoridade turística nacional, desde 2007, da disponibilização no seu sítio da internet do registo das agências de viagens licenciadas.
A ponderação desta questão do custo desproporcionado, na primitiva versão da lei das agências de viagens terá levado, em 1997, à previsão de que uma parte da taxa fosse aplicada em instituições de apoio ao agente de viagens, intenção legislativa que inexplicavelmente nunca foi levada à prática.
Eis uma boa ocasião para o Estado devolver ao sector das agências de viagens uma verba muito significativa que ilegitimamente lhe cobrou. A quantificação é muito simples bastando verificar o número de alvarás que foram emitidos quer de agências de viagens nacionais quer de sucursais europeias."

Turisver on-line  de 19 de Julho 2010

segunda-feira, 19 de julho de 2010

ALLways Portugal...


O quadro de grande dificuldade das contas públicas e a circunstância das despesas dos turistas portugueses no estrangeiro representarem cerca de 2% do PIB tornam mais premente a necessidade de deslocar uma parte desses fluxos para o turismo interno.


Do ponto de vista dos governos nacionais, os fluxos de turistas para fora das suas fronteiras aumenta o consumo de bens e serviços estrangeiros. Constitui, assim, um entendimento pacífico que as importações do turismo, os recursos dispendidos por residentes nacionais no estrangeiro, afectam negativamente a balança de pagamentos (McIntosh/Goeldner, Tourism: Planning, Practices, Philosophies, 1984, pp. 405-6).

No entanto, como referem Mathieson/Wall (Tourism: Economic, Physical and Social Impacts, 1982, p. 57), no campo das políticas públicas e do planeamento do turismo, a atenção tem-se centrado fundamentalmente na avaliação do “grau em que o país atrai visitantes [estrangeiros] em detrimento da sua capacidade para persuadir os residentes a não viajarem para o estrangeiro”. Também os estudos dos impactos sociais e ambientais do turismo bem como dos condicionamentos aos fluxos turísticos têm sido realizados fundamentalmente na perspectiva do incoming.

As poucas abordagens relacionadas com as políticas governamentais que afectam os turistas nacionais que se deslocam ao estrangeiro centram-se na imposição de restrições, designadamente nas exigências de visto de saída, nas licenças restritivas para os serviços de viagens ao estrangeiro, nos limites ao acesso à moeda estrangeira e nos bens isentos de direitos de importação que podem trazer consigo (Edgell, International Tourism Policy, 1990, pp. 53-58). Um dos exemplos mais conhecidos de restrição ao outgoing é a China através da figura do destino turístico autorizado. No panorama nacional, o grande estudioso da matéria é Sancho Silva, destacando-se para além da publicação sob a égide da ANRET A Caracterização do Turismo Interno em Portugal, a sua tese de doutoramento aprovada recentemente na Universidade de Aveiro A visão holística do Turismo Interno e a sua modelação.

Na medida em que estas restrições provocam uma distorção nos fluxos turísticos e são um entrave ao crescimento da indústria, governantes e organizações internacionais têm advogado a sua limitação ou mesmo supressão.

Ao mais alto nível, o Governo poderia, desde a primeira hora, ter aderido ao repto do Presidente de passar férias em Portugal, não proferindo declarações contraditórias neste importante domínio (tal como refiro no artigo de Fátima Valente intitulado Passar férias onde?, Publituris de 11/6/2010, pág. 34, a actuação de Bernardo Trindade pareceu-me positiva contrastando com a menos feliz prestação de Vieira da Silva). David Cameron visando dar um exemplo do seu executivo em matéria de contenção de despesas, determinou que grande parte dos seus ministros – dentre os quais o do turismo, pasta que inovadoramente introduziu, retirando, assim, argumentos aos adversários da solução do ministério do turismo como característica do Terceiro Mundo – passassem a andar de metropolitano. José Sócrates, bem poderia anunciar com ar bem disposto, que tendo dialogado informalmente a esse propósito com os seus ministros e secretários de Estado, todos tinham manifestado o desejo de, sobretudo este ano, passarem as suas férias cá dentro, aproveitando ao máximo as nossas potencialidades turísticas e contribuindo, também eles, para o equilíbrio das nossas contas públicas. Bem o Presidente da República trazendo com grande sentido de oportunidade o turismo interno para a agenda política, mal o Governo, porque não aproveitou, como lhe competia, a onda com a excepção do SET.

Aliás, nessa linha de contenção dos recursos públicos, os nossos deputados, embora não tão ousados no corte de despesa como o governo britânico, passam a viajar em classe económica nos percursos que não excedam três horas e trinta minutos. Excelente exemplo o de Jaime Gama, declarando que apesar da excepção para o presidente da Assembleia República também ele viajará em económica, contrastando com as declarações de José Lello do desprestígio de viajar lá atrás.

Não basta dizer que o balanço entre receitas dos turistas que nos visitam (doze milhões) e despesas realizadas pelos portugueses (um milhão) nas suas deslocações ao estrangeiro é positivo. Era o que faltava que não fosse, já que Portugal tem no turismo uma das suas principais actividades económicas. No entanto, quando se analisa o peso dessas despesas no PIB constata-se que nos Estados Unidos situam-se em 0,8% do PIB enquanto que em Portugal rondam os 2%, aproximando-se, assim, de países muito mais ricos e desenvolvidos como a Alemanha.




Notas finais:

Duas sugestões em matéria de livros: a primeira, Residential Tourism: (De)Constructing Paradise de Mason R. McWatters. A segunda uma obra nacional, Turismo de Nichos: motivações, produtos, territórios, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, que tem tido um papel muito activo no campo do turismo quer ao nível de conferências quer num programa de doutoramento em turismo, que em parceria com a ESHTE, já vai na 2ª edição. A publicação reúne textos de especialistas altamente qualificados do ponto de vista académico, designadamente Carminda Cavaco, José Manuel Simões, Carlos Ferreira, Joana Neves, Fernando Moreira e Ana Inácio. Gostei particularmente neste panorama de académicos do texto de Humberto Ferreira intitulado Turismo de cruzeiros. Ousar navegar: experiência irresistível. Conheço-o muito mal pessoalmente – jantámos juntos uma única vez, há muitos anos, em Macau – mas acompanho com grande interesse as suas crónicas neste jornal. É o grande especialista, entre nós, da relação do turismo com o mar, reflectindo frequentemente sobre o futuro do turismo português avançando sugestões precisas. Um caso singular de conhecimento e capacidade visionária.

In Publituris nº 1128, de 16 de Julho de 2010, pág. 4

O caso Marsans e a figura da caução: alguns comentários


SÍNTESE


A caução constitui uma das garantias da responsabilidade das agências de viagens, introduzida em 1993, por força da disciplina europeia dos pacotes turísticos.
Ao contrário da ideia veiculada nos últimos dias, quando o consumidor adquire um pacote turístico desfruta, em regra, de maiores garantias comparativamente à aquisição directa dos produtos turísticos que o integram.
A comissão arbitral – mecanismo legal que envolve a participação de várias entidades públicas e privadas – constitui neste momento a melhor solução para os consumidores lesados dado o não reconhecimento legal da figura do Provedor do Cliente, um erro legislativo que urge corrigir.
De harmonia com uma alteração introduzida em 2007, tanto a caução da agência vendedora como a do operador turístico pode ser accionada.

1. INTRODUÇÃO

O turismo, uma das mais promissoras actividades da nossa economia é, no curto período de um mês, alvo de forte atenção dos media. Primeiro a propósito do repto presidencial relativamente às férias dos portugueses cá dentro, agora pelo impacto negativo do caso Marsans envolvendo um significativo número de consumidores que pretendiam gozar as suas férias lá fora.

O objectivo do presente texto é procurar enquadrar, o melhor possível, a problemática fornecendo algumas pistas e comentários para que o leitor possa ajuizar mais fundadamente. Naturalmente que não fujo, num ou noutro ponto mais sensível, a avançar a minha posição.

2. A CAUÇÃO FOI INTRODUZIDA NA LEI DAS AGÊNCIAS DE VIAGENS EM 1993 POR IMPOSIÇÃO DA DIRECTIVA COMUNITÁRIA DAS VIAGENS ORGANIZADAS

A caução decorre do art.º 7º da Directiva (90/314/CEE) do Conselho, relativa às viagens organizadas, férias organizadas e circuitos organizados (vulgarmente conhecida por Directiva das viagens organizadas ou pacotes turísticos) determinando que o operador e/ou a agência que sejam partes no contrato devem comprovar possuir meios de garantia suficientes para assegurar, em caso de falência, o reembolso das quantias entregues pelos clientes e o seu repatriamento.

Considerou-se no plano comunitário que é benéfico tanto para o consumidor como para os profissionais do sector dos pacotes turísticos que os operadores e/ou as agências sejam obrigados a apresentar garantias em caso de insolvência ou de falência.

A Directiva visa na prática a protecção do maior movimento internacional de turistas a nível mundial. Com efeito, nos últimos cinquenta anos verificou-se uma íntima ligação do modelo do turismo de massas com o clima, quer na origem dos turistas (mercados emissores) quer nos destinos turísticos. Nesse período, os fluxos turísticos têm predominado de Norte para o Sul da Europa, durante o Verão, em direcção às zonas costeiras. A região do Mediterrâneo capta actualmente 120 milhões de turistas do Norte da Europa – constituindo, assim, o maior fluxo internacional de turistas a nível mundial – com uma receita superior a € 100 000 milhões e que detém o maior índice de conforto turístico.

No entanto, o clássico pacote turístico que inspirou a Directiva 90/314 assente na brochura, em operadores turísticos de grande dimensão e em charters, cede progressivamente lugar às companhias aéreas low cost e aos dynamic packages impondo-se novas formas de protecção dos interesses dos consumidores que conhecem detalhadamente os destinos mercê da Web 2.0.

Duas curiosidades. A primeira, um dos acórdãos mais importantes do Tribunal de Justiça europeu a propósito da Directiva 90/314, o caso Club-Tour, foi despoletado por um consumidor português. A segunda, o maior evento científico até agora realizado visando comemorar os vinte anos da sua vigência teve lugar recentemente em Faro sob a égide da Universidade do Algarve.

3. AS DUAS GARANTIAS DA RESPONSABILIDADE DA AGÊNCIA DE VIAGENS: CAUÇÃO E SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

Um dos requisitos para a obtenção da licença de agência de viagens e turismo consiste na prestação de garantias (arts. 5º/2/b) e 6º/2/d) LAVT) que constituem um dos elementos do registo das agências licenciadas a organizar e a manter pelo Turismo de Portugal, I.P. [art.º 10º/2/g)].

Em sede de viagens organizadas, constata-se que uma das menções obrigatórias do programa ou brochura e do contrato de viagem é a identificação das entidades que garantem a responsabilidade da agência organizadora [art.º 22º/1/b)].

Farei de seguida uma breve incursão nos artigos 41º a 54º, que, precisamente, se ocupam das garantias da responsabilidade das agências de viagens. Na LAVT o operador turístico surge, em regra, designado como agência de viagens organizadora mas não existe actualmente qualquer separação legal entre grossistas (organizavam os pacotes mas não podiam vendê-los directamente ao público) e retalhistas (comercializavam os pacotes mas não podiam organizá-los).

4. ÂMBITO DA CAUÇÃO E DO SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL

A actual LAVT, tal como a anterior, dispõe que a garantia da responsabilidade das agências de viagens é assegurada cumulativamente por dois instrumentos, a caução e o seguro de responsabilidade civil (art.º 41º/1).

O nº 2 do art.º 41º enuncia o conteúdo da caução e do seguro de responsabilidade civil, repartindo-o, respectivamente, pelas alíneas a) e b) e c) a e). Note-se, porém, que a Directiva, no seu art.º 7º, refere-se tão somente ao reembolso dos fundos depositados e ao repatriamento do consumidor, aspectos que, no preceito da LAVT em análise, decorrem das alíneas a) e d) do nº 2.

A caução, que constitui uma garantia financeira, assegura dois aspectos fundamentais, o reembolso dos montantes entregues pelos clientes (o operador turístico entra na situação de falência, não se realizando a viagem que o cliente já havia pago) bem como das quantias que hajam despendido mercê da não prestação dos serviços ou da sua prestação defeituosa.

No que concerne ao seguro de responsabilidade civil, tem uma tripla finalidade: 1) assegurar o ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais causados a clientes ou a terceiros; 2) o repatriamento de clientes ou a sua assistência, por motivo que não lhes seja imputável, de harmonia com o art.º 31º; e, por fim 3) a assistência médica e os medicamentos necessários em caso de acidente ou doença que tenham tido lugar durante a viagem.

A reforma de 2007 veio explicitar que se encontram abrangidos os medicamentos que se mostrem necessários após a conclusão da viagem.

5. A PRESTAÇÃO DAS GARANTIAS CONSTITUI UM DOS REQUISITOS DO ACESSO AO MERCADO E DA MANUTENÇÃO DO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE DE AGÊNCIA DE VIAGENS

O art.º 42º vem reiterar o conteúdo dos artigos 5º, nº 2, alínea b) e 6º, nº 2, alínea d), dispondo que a agência de viagens não pode iniciar a sua actividade sem fazer prova documental, junto do Turismo de Portugal, I.P., da regularidade e vigência das garantias.

Tal prova documental não se queda pelo acesso à actividade, já que a agência de viagens deverá periodicamente efectuá-la, junto do Turismo de Portugal, I.P., sendo que tal documentação é condição sine qua non da continuação do exercício da actividade.

6. CAUÇÃO

Constituindo os artigos 41º e 42º disposições comuns à caução e ao seguro de responsabilidade civil, os artigos 43º a 49º disciplinam a matéria da caução.

O nº 1 do art.º 43º assinala, como já se referiu, o âmbito da caução, ou seja, numa perspectiva mínima, garante os reembolsos previstos nas alíneas a) – montantes entregues pelo cliente numa situação de falência ou insolvência da agência e ou operador turístico – e b) do nº 2 do art.º 41º.

Por seu turno, o nº 2 estabelece a possibilidade de tal quantia poder ser prestada através de cauções de grupo, nos moldes a estabelecer em portaria conjunta dos Ministros das Finanças e da Economia.

Finalmente, o nº 3, por razões plenamente compreensíveis, determina o depósito do título da prestação de caução no Turismo de Portugal, I.P..

7. FORMAS DE PRESTAÇÃO DA CAUÇÃO

No nº 1 do art.º 44º enumeram-se as diferentes formas de prestação da caução, a saber, seguro-caução, garantia bancária, depósito bancário ou títulos de dívida pública portuguesa.

Exige-se, na parte final do preceito, o seu depósito à ordem do Turismo de Portugal, I.P., prescrevendo o nº 2 o seu carácter imediato e incondicional, isto é, o seu accionamento não pode depender de qualquer tipo de prazos nem do cumprimento de obrigações por parte da agência ou de terceiros.

8. O MONTANTE DA CAUÇÃO É CALCULADO EM FUNÇÃO DE UMA PERCENTAGEM DO MONTANTE DAS VENDAS DE VIAGENS ORGANIZADAS

O valor da caução, ou seja, o montante por ela garantido, é de 5% das vendas de viagens organizadas, não abrangendo, assim, outras espécies de viagens nem a bilheteria.

Existe, no entanto, um limite mínimo (25 000€) e máximo (250 000€) da caução, devendo, para o seu apuramento, ser remetida anualmente ao Turismo de Portugal, I.P. uma comunicação do representante legal da empresa – o seu gerente ou administrador – do montante de vendas realizadas no ano anterior, a qual terá por base uma declaração emitida pelo técnico oficial de contas.

Na ausência desta última declaração, o valor garantido será de 5% da prestação de serviços declarada pela agência no ano anterior, apurado com base na respectiva declaração fiscal de rendimentos.

Com carácter inovador surgiu na reforma de 2007 a possibilidade de agência de viagens comunicar ao Turismo de Portugal, I.P. que não realizou – “não ter praticado” – viagens organizadas no ano anterior. Tal comunicação é efectuada pelo representante legal da empresa, tendo igualmente por base uma declaração emitida pelo respectivo técnico oficial de contas.

9. ACTUALIZAÇÃO ANUAL E REPOSIÇÃO DA CAUÇÃO

O nº 1 do art.º 46º determina que a agência de viagens actualize anualmente o montante garantido pela caução, já que este varia, como se referiu, em função do volume de vendas de viagens organizadas.

Exige-se, complementarmente, que tal actualização seja comunicada ao Turismo de Portugal, I.P..

O nº 2 consagra a regra da reposição do montante garantido pela caução, quando a entidade garante haja procedido ao pagamento de determinada quantia no culminar de um procedimento que referirei de seguida.

10. ACCIONAMENTO DA CAUÇÃO

Quando um cliente de uma agência de viagens pretenda que lhe sejam reembolsados os montantes que entregou ou as despesas suplementares por si suportadas mercê da não prestação dos serviços ou da sua prestação defeituosa, requererá ao Turismo de Portugal, I.P. que demande a entidade garante, devendo instruir o requerimento com os elementos comprovativos dos factos por si alegados. Normalmente, os turistas transportam consigo máquinas fotográficas ou de vídeo que permitem, em regra, demonstrar com rigor os factos que alegam. É também comum que os terceiros prestadores de serviços ou os representantes locais da agência emitam as correspondentes declarações.

O prazo máximo do requerimento de accionamento da caução é, na falta de indicação no programa ou no contrato de viagem de um prazo superior, de 20 dias úteis após o termo da viagem.

Esgotado tal prazo, fica precludida a possibilidade da sua apreciação pela comissão arbitral, prevista no art.º 48º, mas não o recurso aos meios judiciais ou arbitrais para o ressarcimento de tais prejuízos.

Nesse sentido, a reforma de 2007 aditou a sentença judicial e a decisão arbitral. Como é sabido, não obstante a sua importância, a figura do Provedor do Cliente não foi legalmente reconhecida pelo que, no caso vertente, a via mais adequada parece ser a comissão arbitral.

11. APRECIAÇÃO DO REQUERIMENTO DE ACCIONAMENTO DA CAUÇÃO POR UMA COMISSÃO ARBITRAL

O art.º 48º estabelece, de uma forma inovadora relativamente à legislação anterior (os clientes podiam demandar directamente a entidade garante ou solicitar à DGT a apreciação da pretensão, que se traduzia na elaboração de um parecer fundamentado – art.º 47º do Decreto-Lei nº 198/93), que o requerimento de accionamento da caução seja apreciado por uma comissão arbitral, convocada pelo presidente do Turismo de Portugal, I.P. nos 10 dias subsequentes à sua apresentação (nº 1).

A comissão arbitral é composta por cinco elementos, a saber, um representante do Turismo de Portugal, I.P., que assume as funções de presidente, outro do Instituto do Consumidor, um representante da associação patronal das agências de viagens (APAVT) e outro de uma das associações de defesa do consumidor designado pelo cliente e, por fim, um representante da agência.

A presidência da Comissão é, desde há muitos anos, exercida por Carlos Barata, um jurista muito experiente e ponderado que dá excelentes garantias em situações de forte pressão como a vertente. Quando se invoca os fortes atrasos da comissão, naturalmente para denegri-la, não nos podemos esquecer que durante anos foi politicamente mais conveniente acarinhar a situação do Provedor do que dar-lhe meios para cumprir a sua missão. Do meu ponto de vista, deve-se estimular as duas soluções, agilizando a comissão e reconhecendo legalmente a figura do Provedor.

A deliberação sobre o requerimento de accionamento da caução deve ser célere – daí que o nº 5 subtraia a competência de apreciação da comissão arbitral, cometendo-a aos serviços do Turismo de Portugal, I.P. e submetendo-a ao seu presidente quando não se tenha formado a deliberação no prazo referido no nº 2 – isto é, ocorrer nos 20 dias úteis subsequentes à convocação da comissão e forma-se com a maioria simples dos membros presentes, dispondo o presidente de voto de qualidade.

Da decisão, ou melhor, da deliberação da comissão arbitral pode recorrer-se nos 5 dias úteis posteriores à sua formação para o presidente do Turismo de Portugal, I.P..

A apreciação do presidente do Turismo de Portugal, I.P. deverá ocorrer no prazo máximo de 20 dias úteis, formando-se após tal hiato o indeferimento tácito do recurso.

13. DECISÃO FAVORÁVEL DO PEDIDO DE ACCIONAMENTO DA CAUÇÃO

Quando a deliberação da comissão arbitral ou a decisão do presidente do Turismo de Portugal, I.P. deferirem o pedido do cliente da agência de viagens, esta e a entidade garante são disso notificadas, ficando a segunda adstrita ao pagamento, no prazo máximo de 20 dias úteis (art.º 49º).

Nada obsta, porém, que a agência de viagens efectue directamente o pagamento ao seu cliente, sendo que se o pagamento for efectuado pela entidade garante deverá processar-se a reposição do montante de cobertura exigido (art.º 46º/2).

14. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre outros apertados requisitos a agência de viagens tem de cumprir, por exemplo, um capital social elevado e um seguro de responsabilidade civil, não pode iniciar a actividade ou mantê-la sem fazer prova perante o Turismo de Portugal da existência da caução. Deve ainda remeter anualmente ao Turismo de Portugal uma comunicação do representante legal da empresa do montante de vendas realizadas no ano anterior, a qual terá por base uma declaração emitida pelo técnico oficial de contas.

Ora, nada disto é novo pelo que não se compreendem as críticas do Secretário de Estado Fernando Serrasqueiro ou da própria DECO. Se achavam que o sistema não era bom então deveriam atempadamente ter feito sugestões para melhorá-lo.

Que sentido faz aumentar as garantias das agências de viagens quando o mercado vai ser invadido daqui a poucos meses em consequência da transposição da Directiva Bolkenstein por empresas e individuais que não têm de se licenciar como agentes de viagens apresentando capital e garantias financeiras mínimas?

Cumpre ainda responder à seguinte interrogação: e se em vez da Marsans fosse uma companhia aérea low cost cujas viagens tivessem sido adquiridas directamente? Que garantia teriam os consumidores? Era bom que a DECO e o Secretário de Estado que tutela a Defesa do Consumidor interiorizassem que não haveria nesse caso qualquer caução, que os consumidores estariam totalmente desprotegidos. Este é um dos mercados que oferece mais garantias ao consumidor ao invés da imagem de desconfiança que está a ser transmitida. Em regra, o consumidor está mais protegido adquirindo as suas viagens por intermédio de uma agência de viagens do que fazendo-o directamente, sendo que essa protecção é mais forte quando adquirem pacotes turísticos.

Neste quadro de pouco rigor o SET tem estado bem, remetendo-se a um prudente silêncio não amplificando a discussão.

Quanto à responsabilidade do Turismo de Portugal parece-me claro que a lei não lhe impõe a fiscalização das agências de viagens, se estão saudáveis financeiramente ou se podem vir a ter problemas. Mais, a fiscalização da Lei das Agências de Viagens é cometida não ao Turismo de Portugal mas à ASAE.

Surgiu, entretanto, a dúvida sobre se a agência que vende os pacotes turísticos organizados por outrem também deve prestar caução na tal proporção dos 5% das vendas ou tal obrigação recai apenas sobre o operador. Em 2007, a lei foi alterada e consagrou-se, como refiro acima, a possibilidade da agência de viagens comunicar ao Turismo de Portugal que não realizou – “não ter praticado” – viagens organizadas no ano anterior.

Aqui reside uma parte do problema: entender-se que a expressão praticado abrange tão somente os pacotes organizados pela agência. Daí que, relativamente aos comercializados por si mas organizados pelo operador, a maior caução seria do operador e ser-lhe-ia fixado o valor mínimo de 25 000€. Teríamos, assim, caução proporcional a 5% das vendas para a agência que actua como operador e pelo valor mínimo de 25 000€ para as agências que se limitam à sua comercialização.

Como o cliente pode optar entre a caução da agência com que contratou directamente ou daquela que organizou o pacote (art.º 47º/2) não haveria, em princípio, prejuízo para o consumidor. Com este entendimento está salva a orientação do Turismo de Portugal embora deite por terra o entendimento da APAVT que os consumidores não poderiam accionar a caução dos operadores. Não vejo como, na medida em que a lei claramente lhes permite optar entre a caução da agência vendedora ou da agência organizadora.

Já o Dr. Luís Patrão aparentemente falou demais, contrastando com o adequado silêncio do SET. Em 6 de Julho declarava à Lusa que a “entidade, face ao caso Marsans, vai publicar no seu site o registo de cada uma das agências de viagens, incluindo a respectiva caução”. O problema é que tal registo constituía uma obrigação sua desde Julho de 2007 como decorre do art.º 10º da Lei das Agências de Viagens alterada pelo Decreto-Lei nº 236/2007, de 20 de Julho.

Finalmente, a posição da APAVT que ainda em Junho de 2010 emitiu um comunicado onde aconselha “os consumidores a seleccionarem criteriosamente as agências que contratam”. Sugerindo que os consumidores recorram às agências associadas da APAVT enaltece as garantias que estas oferecem, designadamente “qualidade de serviço” por razões “estatutárias,” “posição no mercado” e “estrito cumprimento da Lei”. Acrescenta ainda que estão “subordinadas a um Código de Conduta que exclui, naturalmente, este tipo de práticas [estavam em causa cerca de 50 bilhetes de cidadãos brasileiros que a Montra VIP alegadamente havia recebido mas que não havia pago à companhia aérea]. Por outro lado, os associados da APAVT estão também obrigados a cumprir as decisões do Provedor do Cliente, que só é chamado a decidir se o consumidor assim o entender, o que, sendo uma manifestação clara de auto-regulação, é mais uma garantia de qualidade dos serviços prestados”.

Bem, se o Turismo de Portugal não fiscalizou adequadamente a situação financeira da agência de viagens – mesmo aceitando-se que o poderia legalmente fazer – a verdade é que os mecanismos de auto-regulação da APAVT também não permitiram melhores resultados.

Publituris on-line de 16 de Julho de 2010