segunda-feira, 19 de julho de 2010

ALLways Portugal...


O quadro de grande dificuldade das contas públicas e a circunstância das despesas dos turistas portugueses no estrangeiro representarem cerca de 2% do PIB tornam mais premente a necessidade de deslocar uma parte desses fluxos para o turismo interno.


Do ponto de vista dos governos nacionais, os fluxos de turistas para fora das suas fronteiras aumenta o consumo de bens e serviços estrangeiros. Constitui, assim, um entendimento pacífico que as importações do turismo, os recursos dispendidos por residentes nacionais no estrangeiro, afectam negativamente a balança de pagamentos (McIntosh/Goeldner, Tourism: Planning, Practices, Philosophies, 1984, pp. 405-6).

No entanto, como referem Mathieson/Wall (Tourism: Economic, Physical and Social Impacts, 1982, p. 57), no campo das políticas públicas e do planeamento do turismo, a atenção tem-se centrado fundamentalmente na avaliação do “grau em que o país atrai visitantes [estrangeiros] em detrimento da sua capacidade para persuadir os residentes a não viajarem para o estrangeiro”. Também os estudos dos impactos sociais e ambientais do turismo bem como dos condicionamentos aos fluxos turísticos têm sido realizados fundamentalmente na perspectiva do incoming.

As poucas abordagens relacionadas com as políticas governamentais que afectam os turistas nacionais que se deslocam ao estrangeiro centram-se na imposição de restrições, designadamente nas exigências de visto de saída, nas licenças restritivas para os serviços de viagens ao estrangeiro, nos limites ao acesso à moeda estrangeira e nos bens isentos de direitos de importação que podem trazer consigo (Edgell, International Tourism Policy, 1990, pp. 53-58). Um dos exemplos mais conhecidos de restrição ao outgoing é a China através da figura do destino turístico autorizado. No panorama nacional, o grande estudioso da matéria é Sancho Silva, destacando-se para além da publicação sob a égide da ANRET A Caracterização do Turismo Interno em Portugal, a sua tese de doutoramento aprovada recentemente na Universidade de Aveiro A visão holística do Turismo Interno e a sua modelação.

Na medida em que estas restrições provocam uma distorção nos fluxos turísticos e são um entrave ao crescimento da indústria, governantes e organizações internacionais têm advogado a sua limitação ou mesmo supressão.

Ao mais alto nível, o Governo poderia, desde a primeira hora, ter aderido ao repto do Presidente de passar férias em Portugal, não proferindo declarações contraditórias neste importante domínio (tal como refiro no artigo de Fátima Valente intitulado Passar férias onde?, Publituris de 11/6/2010, pág. 34, a actuação de Bernardo Trindade pareceu-me positiva contrastando com a menos feliz prestação de Vieira da Silva). David Cameron visando dar um exemplo do seu executivo em matéria de contenção de despesas, determinou que grande parte dos seus ministros – dentre os quais o do turismo, pasta que inovadoramente introduziu, retirando, assim, argumentos aos adversários da solução do ministério do turismo como característica do Terceiro Mundo – passassem a andar de metropolitano. José Sócrates, bem poderia anunciar com ar bem disposto, que tendo dialogado informalmente a esse propósito com os seus ministros e secretários de Estado, todos tinham manifestado o desejo de, sobretudo este ano, passarem as suas férias cá dentro, aproveitando ao máximo as nossas potencialidades turísticas e contribuindo, também eles, para o equilíbrio das nossas contas públicas. Bem o Presidente da República trazendo com grande sentido de oportunidade o turismo interno para a agenda política, mal o Governo, porque não aproveitou, como lhe competia, a onda com a excepção do SET.

Aliás, nessa linha de contenção dos recursos públicos, os nossos deputados, embora não tão ousados no corte de despesa como o governo britânico, passam a viajar em classe económica nos percursos que não excedam três horas e trinta minutos. Excelente exemplo o de Jaime Gama, declarando que apesar da excepção para o presidente da Assembleia República também ele viajará em económica, contrastando com as declarações de José Lello do desprestígio de viajar lá atrás.

Não basta dizer que o balanço entre receitas dos turistas que nos visitam (doze milhões) e despesas realizadas pelos portugueses (um milhão) nas suas deslocações ao estrangeiro é positivo. Era o que faltava que não fosse, já que Portugal tem no turismo uma das suas principais actividades económicas. No entanto, quando se analisa o peso dessas despesas no PIB constata-se que nos Estados Unidos situam-se em 0,8% do PIB enquanto que em Portugal rondam os 2%, aproximando-se, assim, de países muito mais ricos e desenvolvidos como a Alemanha.




Notas finais:

Duas sugestões em matéria de livros: a primeira, Residential Tourism: (De)Constructing Paradise de Mason R. McWatters. A segunda uma obra nacional, Turismo de Nichos: motivações, produtos, territórios, do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, que tem tido um papel muito activo no campo do turismo quer ao nível de conferências quer num programa de doutoramento em turismo, que em parceria com a ESHTE, já vai na 2ª edição. A publicação reúne textos de especialistas altamente qualificados do ponto de vista académico, designadamente Carminda Cavaco, José Manuel Simões, Carlos Ferreira, Joana Neves, Fernando Moreira e Ana Inácio. Gostei particularmente neste panorama de académicos do texto de Humberto Ferreira intitulado Turismo de cruzeiros. Ousar navegar: experiência irresistível. Conheço-o muito mal pessoalmente – jantámos juntos uma única vez, há muitos anos, em Macau – mas acompanho com grande interesse as suas crónicas neste jornal. É o grande especialista, entre nós, da relação do turismo com o mar, reflectindo frequentemente sobre o futuro do turismo português avançando sugestões precisas. Um caso singular de conhecimento e capacidade visionária.

In Publituris nº 1128, de 16 de Julho de 2010, pág. 4