As limitações à oferta de alojamento turístico são há muito utilizadas em planeamento do turismo e em nada afectam, antes beneficiam, a iniciativa privada e a liberdade empresarial.
1) Liberdade empresarial e planeamento turístico
O desenvolvimento turístico ibérico tem-se baseado num modelo de crescimento extensivo, assente no aumento continuado do número de visitantes sem atender à capacidade de carga do território, entre nós raramente fixada, com as notáveis excepções dos planos de ordenamento turístico da Madeira e dos Açores.
Conferiu-se prioridade aos benefícios de curto prazo, à criação de uma oferta homogénea e estandardizada e à escassa presença da cultura e das tradições locais na configuração dessa oferta assim como uma forte pressão ambiental que provoca impactos na qualidade ambiental e paisagística do território. Trata-se de um modelo pouco sustentável que perdurou ao longo de cinco décadas.
Em Portugal assistimos nos últimos dez anos a um significativo crescimento da oferta hoteleira apesar de uma estagnação dos fluxos de turistas estrangeiros.
Nesta matéria tem sido avançado com alguma frequência o argumento de que não cabe ao Estado limitar o investimento, condicionar a liberdade empresarial de investir em mais camas turísticas, designadamente na cidade de Lisboa, de que ninguém vai fazer um investimento de milhões sem analisar cuidadosamente a sua viabilidade.
Trata-se, porém, de um argumento que ignora a compatibilidade, para não dizer indispensabilidade de um sistema de planeamento turístico com a liberdade de empresa.
Sem intuito exaustivo refiro de seguida algumas limitações possíveis.
2) Zona turística saturada
A declaração de zona turística saturada, que se traduz em limitações de novas actividades turísticas maxime o alojamento, poderá afectar os municípios ou localidades em que ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
- Ultrapassar a capacidade de carga estabelecida, tendo em conta o número de camas turísticas por habitante ou a densidade populacional;
- Existir uma procura que crie situações de incompatibilidade com a legislação ambiental.
Trata-se de uma figura crescentemente utilizada nos planos de ordenamento turístico da vizinha Espanha.
3) Requisitos progressivamente mais exigentes em ordem a uma maior qualidade da oferta
Outro dos princípios do planeamento é a procura de um turismo de maior qualidade através do aumento dos parâmetros exigíveis, induzindo a melhoria e modernização dos estabelecimentos. Uma das ideias chave é a de exigir mais e melhores requisitos aos estabelecimentos turísticos procurando que tenham a dimensão e estejam dotados de instalações que permitam um turismo de maior qualidade.
Uma das medidas para melhorar a qualidade dos estabelecimentos é a fixação de densidade mínima, por exemplo de 30 m2 de solo por cada cama turística (ratio turístico, Baleares, 1984), a necessidade da criação de zonas verdes de uso privado, instalações desportivas e recreativas para os clientes e uma piscina com determinadas dimensões e características.
Em 1987, também nas Baleares, aumentou-se o ratio turístico para 60 m2 por cama impondo-se outras restrições à construção e abertura de estabelecimentos de alojamento:
- autorização prévia para os estabelecimentos de alojamento turístico antes de lhes ser concedida a licença municipal de obras;
- 60 m2 por cama, devendo uma parte destinar-se a jardins e instalações desportivas ou recreativas de uso comum para os clientes;
- piscina com determinadas dimensões;
- apenas permitir a instalação de estabelecimentos no topo da classificação (quatro e cinco estrelas);
- mecanismos para fomentar a reconversão de hotéis obsoletos, permitindo em certas circunstâncias a sua substituição por outros com melhor categoria.
4) Alojamento local e utilização de edifícios existentes em empreendimentos turísticos novos
Uma das maiores inovações do RJET consistiu na introdução da figura do alojamento local, um instrumento com grandes potencialidades para enquadrar o denominado alojamento paralelo, clandestino ou não classificado (art.º 3º).
No entanto, as dificuldades burocráticas sentidas pelos empresários ao nível do licenciamento de empreendimentos turísticos, tem motivado que algum investimento em novas unidades tenha vindo a ser canalizado para esta figura, pois, tratando-se de um processo de simples registo nas câmaras municipais, é bastante mais rápido e menos oneroso.
Trata-se, no entanto, de um desvirtuamento da figura que importa inflectir. As intenções que presidiram à sua criação – recuperar para a legalidade uma oferta significativa há muito existente no terreno – e o perigo de um abaixamento da qualidade da nossa oferta de alojamento turístico são razões mais que suficientes.
No novo sistema de classificação introduzido em 2008 a utilização de edifícios existentes para novos empreendimentos turísticos é premiada com 15 pontos. Apesar de a medida ser muito positiva, importa reforçá-la indo até ao máximo (30 pontos). A poupança de solo e a recuperação / reconversão dos nossos centros urbanos justificam plenamente o reforço da medida.
Publituris n.º 1172, de 17 de Junho de 2011, pág. 4