A Portaria n.º 224/2011, de 3 de Junho, aprovou o Regulamento do Fundo de Garantia de Viagens e Turismo (FGVT), um dos aspectos mais controvertidos da nova lei das agências de viagens (Decreto-Lei n.º 61/2011, de 6 de Maio).
Trata-se de um fundo que goza de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, patrimonial e financeira, que tem sede em Lisboa nas instalações do Turismo de Portugal, IP que lhe disponibiliza, em ordem ao respectivo funcionamento, os serviços técnicos e administrativos (art.º 2.º).
Os objectivos do fundo (art.º 3.º) estão em sintonia, como se impõe em sede regulamentar, com o n.º 2 do art.º 31.º da nova LAVT, assegurando o pagamento dos créditos dos consumidores decorrentes do incumprimento de serviços contratados a agências de viagens abrangendo:
- O reembolso dos montantes entregues pelos clientes em todo o tipo de viagens e não apenas nas viagens organizadas como sucedia na lei anterior.
- O reembolso das despesas suplementares suportadas pelos clientes em consequência da não prestação dos serviços (o hotel não aceita a reserva do operador e o cliente teve de pagar do seu bolso a estada) ou da sua prestação defeituosa (o campo de golfe não se encontrava em condições tendo o cliente de jogar noutro campo a suas expensas – a piscina do hotel entrou em obras e o cliente teve de frequentar uma nas proximidades tendo de suportar as entradas). Abrangendo, tal como na situação anterior, todo o tipo de viagens e não apenas os pacotes turísticos.
Já se encontrava prevista na nova LAVT e a portaria reitera a exclusão do FGVT dos créditos dos consumidores relativos à compra isolada de bilhetes de avião na condição de a não concretização da viagem não ser imputável às agências de viagens o que sucederá manifestamente no caso de insolvência da companhia aérea.
A polémica responsabilidade solidária do FGVT pelo pagamento dos créditos dos consumidores na condição de a agência de viagens incumpridora se encontrar inscrita no Registo Nacional das Agências de Viagens e Turismo (RNAVT) e tenha efectuado a respectiva contribuição encontra-se prevista no art.º 4º.
Tirando a possibilidade de as agências de viagens pagarem logo no acto de inscrição no RNAVT a totalidade da contribuição – 6.000 € para as agências vendedoras e 10.000 € para as agências organizadoras e as que sejam simultaneamente vendedoras e organizadoras – o art.º 5.º reproduz o art.º 32.º da nova LAVT.
Assim, o pagamento desta nova garantia apresenta-se em regra de uma forma faseada: aquando da inscrição no RNAVT as agências vendedoras pagam uma contribuição inicial de 2.500 € e as organizadoras (e/ou também vendedoras) de 5.000 €. Farão subsequentemente contribuições anuais até 31 de Agosto no valor de 0,1% do volume de negócios do ano anterior – o apuramento é realizado através da IES – até completarem os 6.000 € e 10.000 € respectivamente.
Existem três possibilidades para o accionamento do FGVT (art.º 6.º):
- Sentença judicial ou decisão arbitral;
- Decisão do Provedor do Cliente da APAVT;
- Requerimento solicitando a intervenção da comissão arbitral prevista no art.º 34.º da nova LAVT apresentado nos 30 dias subsequentes ao termo da viagem.
Nos dois primeiros casos o montante já está apurado pelo tribunal judicial, centro de arbitragem ou provedor do cliente enquanto que no terceiro depende da decisão da comissão arbitral que dê provimento, no todo ou em parte, ao peticionado pelo consumidor.
O accionamento do fundo de garantia em consequência do dano moral judicialmente reconhecido decorrente da frustração de férias que se vai afirmando por essa Europa fora, como sucede nos tribunais alemães e italianos, poderá apresentar-se como uma questão complexa entre nós designadamente se integra a facti species “créditos dos consumidores decorrentes do incumprimento dos serviços contratados a qualquer agência de viagens inscrita no RNAVT”.
Uma vez efectuado o pagamento ao consumidor, prevê-se, inovadoramente, em sede regulamentar, que se não existir reposição por parte da agência incumpridora possa ocorrer uma situação de sub-rogação legal (art.º 7.º).
Para além da contribuição inicial e anual das agências de viagens prevê-se que o FGVT disponha de outras receitas como rendimentos decorrentes de aplicações financeiras, reembolsos decorrentes da sub-rogação nos direitos do consumidor referida no art.º 7.º, liberalidades e, por fim, quaisquer outros meios financeiros que sejam atribuídos ou consignados por lei, acto ou contrato (art.º 8.º).
Como referi anteriormente, a contribuição inicial e as subsequentes não libertam as agências de viagens deste encargo. A qualquer momento podem ser chamadas a contribuírem novamente para o FGVT quando este ultrapassar o limiar mínimo de 1.000.000 € mantendo-se a contribuição anual até que perfaça 4.000.000 € (art.º 9.º e n.º 5 do art.º 32.º da LAVT), o valor que o legislador aponta para esta nova garantia. De forma eufemística determina-se que a reposição se fará preferencialmente através das receitas próprias e só em caso de insuficiência através das contribuições anuais das agências de viagens.
Limita-se, porém, a contribuição anual a 2.500 € para as agências vendedoras e 5.000€ para as agências organizadoras ou vendedoras e organizadora.
Prevê-se um conselho geral não remunerado presidido por um representante do Turismo de Portugal, IP, Direcção-Geral do Consumidor, APAVT e DECO (art.º 11.º) e a instituição de um fiscal único (art.º 13.º).
Encerra-se a regulamentação com a possibilidade de a gestão do FGVT ser cometida a uma sociedade financeira (art.º 15.º).
A Portaria hoje publicada regulamenta um dos aspectos mais questionáveis da nova Lei das Agências de Viagens, como é natural não trás matéria nova, apenas pormenoriza e desenvolve uma lei anterior.
Há pois que aguardar pela intervenção da Assembleia da República através do mecanismo de apreciação parlamentar.
Publituris on-line, 6 de Junho de 2011