Neste artigo, o jurista Carlos Torres presta esclarecimento sobre a recusa de embarque, por parte de uma companhia aérea, na sequência de uma greve aeroportuária
Companhia aérea: recusa de embarque na sequência de greve no aeroporto
Regulamento (CE) n.º 261/2004
Pela primeira vez, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) considera que a companhia aérea deverá compensar os seus passageiros em situações de “recusa de embarque” devido à greve dos funcionários do aeroporto (caso C-22/11) bem como nos trajectos sucessivos devido ao atraso primeiro voo (caso C-321/11).
No primeiro caso (Finnair Oyj contra Timy Lassooy), o TJUE entende que a transportadora aérea é obrigada a indemnizar os passageiros quando a “recusa de embarque” é devida à reorganização dos voos após uma greve no aeroporto ocorrida dois dias antes. Esta interpretação apoia-se no objectivo prosseguido pelo Regulamento (CE) n.º 261/2004, de 11 de Fevereiro de 2004, de assegurar um elevado nível de protecção dos passageiros.
Na realidade, com o objectivo de reduzir o elevado número de passageiros com “recusa de embarque” contra a sua vontade, foi introduzido em 2004 um novo regulamento que alarga a noção de “recusa de embarque” para todos os casos em que uma companhia aérea se recusa a transportar um passageiro. Daí que, limitar o conceito de “recusa de embarque” para casos de overbooking tem, na prática, o efeito de reduzir a protecção conferida aos passageiros, ao excluir protecção, mesmo que eles se encontram numa situação que, como no overbooking, não lhes é imputável, o que seria contrário à finalidade legislativa (ver também TJCE de 04 de Outubro de 2012, Notícias C-321/11, D. 2012. 2383).
Além disso, o TJUE declarou que a ocorrência de circunstâncias extraordinárias, como uma greve, não pode justificar a “recusa de embarque” nem atenuar a obrigação da companhia aérea de indemnizar os passageiros a quem foi recusado o embarque. O TJUE considera que a “recusa de embarque”, neste caso, não pode ser equiparada aos casos previstos pelo Regulamento (CE) n.º 261/2004 (motivos de saúde, de segurança ou falta/inadequação de documentos de viagem) e que o motivo da recusa não é imputável ao passageiro.
No entanto, o TJUE observa que esta conclusão não impede as transportadoras aéreas de pedirem uma indemnização a terceiros, maxime ao operador do aeroporto, que estão na origem da “recusa de embarque”.
No segundo caso (Germán Cachafeiro e outro contra Ibéria), o TJUE entende que o referido Regulamento (CE) n.º 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que o conceito de “recusa de embarque” inclui a situação em que existe um único contrato de transporte com várias reservas em voos sucessivos, simultaneamente reservados, e em que uma das companhias aéreas nega embarcar alguns passageiros devido ao adiamento do primeiro voo incluído na reserva e pressupondo que esses passageiros não serão capazes de chegar a tempo para embarcar no segundo voo.
Com efeito o primeiro voo havia sofrido um atraso de uma hora e vinte e cinco minutos. Prevendo que esse atraso levaria a que dois passageiros perdessem a sua ligação em Madrid, a Ibéria anulou os seus cartões de embarque para o segundo voo. Não obstante, uma vez chegados a Madrid os referidos passageiros apresentaram-se na porta de embarque em que a companhia procedia à última chamada, mas o pessoal da Ibéria impediu-os de embarcar pelo facto de os seus cartões de embarque terem sido anulados e os seus lugares terem sido atribuídos a outros passageiros. Daí terem que esperar pelo dia seguinte para viajarem para Santo Domingo noutro voo chegando ao destino final com 27 horas de atraso.
A Ibéria accionada em Tribunal defendeu-se com o argumento que não estava em causa uma situação de “recusa de embarque” mas a perda do voo de ligação. O TJUE não acolheu tal fundamento enveredando pelo amplo conceito de “recusa de embarque”.
[TJCE 18 de Outubro de 2012, Casos C-22/11 e C-321/11]
Turisver on-line, de 9 de Novembro de 2012