Patrícia Afonso
pafonso@publituris.pt
Registada como uma agência de viagens, os consumidores que não virem o dinheiro reembolsado podem vir a activar o Fundo de Garantia da LAVT
Ao princípio não o aparentava. Aliás, pouco ou nada deixava transparecer que, afinal, os problemas em torno da empresa A Vida é Bela seriam, na verdade, os advindos da suspensão da actividade de uma agência de viagens, com direito a registo no Registo Nacional das Agências de Viagem e Turismo (RNAVT) e a contribuição para o Fundo de Garantia, de acordo com os dados disponíveis no site do Turismo de Portugal (TP). Já são 1.200 as reclamações recebidas pela DECO. Um número que deve aumentar, a julgar pelo ritmo a que as mesmas aparecem.
A Publituris foi investigar e dá a conhecer neste artigo as implicações que, afinal, a suspensão de actividade da empresa de ‘venda de experiências’ de António Quina pode ter neste sector.
Oficialmente, a Associação Portuguesa de Agências de Viagem e Turismo (APAVT) não tomou qualquer posição relativamente a este assunto, afirmando, apenas, “que há um processo a decorrer contra A Vida é Bela de acordo com os estatutos da associação.” O que pode culminar na expulsão da empresa, segundo os mesmos.
No entanto, ao que a Publituris sabe, o departamento jurídico da APAVT aconselhou as agências a reembolsar os clientes que adquiriram produtos A Vida é Bela nas suas lojas, responsabilizando estas pelo cumprimento da reserva aos olhos do cliente.
Para esclarecer estas questões, a Publituris contactou Carlos Torres, advogado especializado em Turismo, que frisou o facto de o Fundo de Garantia contemplado pela LAVT servir apenas para proteger os consumidores finais e deu conta de “três enquadramentos possíveis”.
O primeiro, segundo o causídico, respeita à “venda nas grandes superfícies comerciais, como é o caso da FNAC. Se o pacote de experiências estiver dentro do prazo de validade, o adquirente pode, segundo a Lei de Defesa do Consumidor, reclamar a sua substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato. Aparentemente é o que tem estado a ser feito de harmonia com declarações públicas do responsável da marca.” Num segundo caso, Carlos Torres analisa a “comercialização através da rede de agências de viagens.” Neste, “a exposição ao produto não será muito significativa e as agências de viagens que comercializavam os pacotes optaram, ao que julgo saber, por indemnizar os consumidores. Apesar de a isso não estarem obrigadas por se aplicar no caso uma norma especial da Lei das Agências de Viagens, que quando actuarem como meras intermediárias apenas são responsáveis pela correcta emissão dos títulos de alojamento e transporte”.
Por último, o advogado fala na venda directa, “presencialmente ou online aos consumidores pela Maritz, empresa que se encontra inscrita no RNAVT. Nesta situação, a indemnização aos consumidores será suportada pelo Fundo de Garantia até um milhão de euros, porquanto a empresa realizou recentemente a primeira contribuição de 350 euros. Já a FNAC ou qualquer outro vendedor não poderão beneficiar do Fundo, que apenas protege os consumidores”. A propósito desta possibilidade, Carlos Torres comenta que “são situações como esta última que tornam o Fundo de Garantia Solidário como uma verdadeira bomba relógio no sector. Apesar dos sucessivos avisos, a Secretária de Estado do Turismo e associação do sector persistem na defesa desta anormalidade legislativa, tendo recentemente conduzido a uma alteração na posição do PSD que, em conjunto com toda a oposição (PS, PCP, Verdes e BE), permitiria corrigir a situação.”.
DECO analisa “panorama real”
Já a DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor disse estar a “estudar” este caso. A jurista Ana Tapadinhas, em declarações à Publituris, indicou que a entidade já contabilizou as 1.200 queixas, quer por telefone, quer por escrito, desde meados de Novembro, quando a empresa suspendeu a actividade. “Desde 14 de Novembro que estamos a receber um volume elevado de reclamações e estamos a apurar o panorama real da empresa. Sabemos que está registada como uma agência de viagens, mas estamos a analisar as queixas no sentido de recolher mais informação, tendo em vista, mais uma vez, o aconselhamento aos consumidores em determinados procedimentos; assim como perceber em que medida é que actuava como agente de viagens”, revelou a jurista.
“Neste momento estamos a analisar todas as reclamações e a desenvolver todos os esforços para minimizar os prejuízos dos consumidores”, frisou, explicando que, “desde o início da divulgação [de suspensão de actividade da empresa a vida é bela] que, de imediato, disponibilizámos informação no nosso site para resolver este assunto, nomeadamente toda a documentação necessária ao consumidor para apresentar junto da referida empresa e dos distribuidores, no sentido de prestar o devido esclarecimento
sobre que procedimentos devem adoptar”.
A DECO espera ter mais conclusões no início do mês de Dezembro, até “porque a maior parte dos vouchers tem como data de validade o dia 31 de Dezembro, embora saibamos que houve uma prorrogação do prazo, por parte da A Vida é Bela, até Março do próximo
ano.”
Sobre um eventual contacto com a empresa, Ana Tapadinhas disse não ter qualquer “feedback” por parte de A Vida é Bela, apesar das tentativas realizadas. “Logo que começámos a receber reclamações chamámos a empresa, de forma a ter um contacto privilegiado, e desde as últimas notícias que não temos conseguido estabelecer esse contacto”, concluiu.
Publituris n.º 1230, de 30 de Novembro de 2012