quinta-feira, 14 de março de 2013

O progressivo esvaziamento do estruturante poder regional do turismo




1) Introdução

O actual enquadramento das entidades regionais de turismo traduz-se numa regressão perante a paulatina evolução, ao longo de várias décadas, das figuras que o antecederam, ou seja, das comissões de iniciativas (1921), das zonas de turismo (1945) e das regiões de turismo (1982 e 1993).

No plano municipal, as comissões de iniciativas instituídas na I República, visando o desenvolvimento das estâncias, executando obras de interesse geral ou iniciativas para aumentar a sua frequência e o fomento do turismo, eram constituídas por impulso dos stakeholders, tendo os representantes do sector privado uma posição de paridade ou até excedendo o número de representantes das entidades públicas. A solução de proximidade, auscultação das populações e participação dos hoteleiros, proprietários e comerciantes bem como o princípio da gratuidade dos cargos são traços distintivos desta figura.

Em 1940, o Código Administrativo, uma das traves mestras do Estado Novo, não é indiferente ao sector e cria a figura das zonas de turismo que atingiu notável longevidade – sobreviveram até 2008 – em que a distinção entre comissões municipais e juntas de turismo provinha do critério da sede do organismo coincidir ou não (caso de praias e termas) com a sede do concelho, beneficiando, em qualquer dos casos, de uma gestão própria e distinta da administração municipal comum. O impulso tanto poderia provir da câmara municipal ou dos serviços centrais e embora consagrando a representação do sector privado fá-lo em menor proporção comparativamente às comissões de iniciativas.

Entre o plano dos interesses turísticos locais e o plano nacional interpunha-se, como salientou a Câmara Corporativa, um outro, o dos interesses turísticos regionais, que conduziu à criação de organismos de nível territorial supramunicipal: as regiões de turismo cuja iniciativa poderia partir do próprio Governo ou de proposta conjunta de todas ou de algumas câmaras municipais ou juntas de turismo interessadas. Actuando no plano supramunicipal, as comissões regionais de turismo, que constituíam o órgão de administração das regiões de turismo, incorporavam uma menor representação dos interesses privados não constituindo ainda verdadeiros órgãos autárquicos em matéria de turismo mas de órgãos da administração estadual do turismo.

É também nesta ocasião que o Estado Novo consagra o funcionamento junto da Presidência do Conselho de um órgão consultivo – o Conselho Nacional de Turismo – cujos vogais eram, na sua esmagadora maioria, representantes de entidades privadas. Meio século depois, o PRACE extinguiria um órgão consultivo semelhante: o Conselho para a Dinamização do Turismo. O vazio de um órgão consultivo de representação alargada – associações empresariais, sindicatos e universidades – perdura desde então.

2) A experiência-piloto da regionalização turística

Enquanto nas I e II Repúblicas assistimos a um claro predomínio dos órgãos locais de turismo sobre os regionais, tal tendência inverte-se no dealbar da III República mercê da profunda reformulação do regime jurídico das regiões de turismo – o Decreto-Lei n.º 327/82, de 16 de Agosto – na sequência natural da profunda mutação registada no quadro normativo das autarquias locais decorrente do 25 de Abril. Configurando-se como uma lei da regionalização turística, as grandes inovações consistem na atribuição de personalidade jurídica às regiões de turismo, agora consideradas pessoas colectivas de direito público, e no princípio da exclusiva iniciativa municipal no despoletamento do seu processo de criação embora não se prescinda da vontade governamental para a criação do ente jurídico regional. Outros dos princípios estruturantes desta experiência-piloto do regionalismo, para além daquela confluência das vontades municipal e governamental, são os da supremacia municipal no controlo dos órgãos das regiões de turismo e o da representação minoritária do Estado.

A promoção turística no estrangeiro, que é invariavelmente uma causa expressa ou implícita da destruição dos modelos de organização pública do turismo, encontrou nas regiões de turismo uma equilibrada solução dualista. No que respeita ao mercado interno, as regiões de turismo desfrutavam de inteira liberdade. Na promoção externa, o estatuto era assaz diferente, ou seja, de proibição de execução directa de planos de promoção turística no estrangeiro, impondo-se ainda nesta sede um dever de colaboração com a administração central.

A área das regiões de turismo era objecto de um conjunto de requisitos, nomeadamente a existência de condições e potencialidades de interesse para o turismo e a homogeneidade ou pelo menos complementaridade entre as áreas dos municípios, avançando-se indicadores como os aspectos geográficos, ecológicos, etnográficos, históricos e culturais. Exigia-se também a capacidade do ente regional gerar receitas para prover às suas despesas.

O princípio da supremacia municipal significa que na assembleia do ente regional de turismo, o conjunto dos representantes dos departamentos do Estado, entidades públicas e entidades privadas dispunham de um número igual ou inferior ao dos representantes dos municípios que integravam a região de turismo.

Com a Lei das Finanças Locais (Lei n.º 1/79, de 2 de Janeiro) ocorreu a municipalização in totum do imposto de turismo, uma modificação assaz importante no financiamento dos órgãos regionais e locais de turismo retirando-lhes a sua independência financeira.

Adeptos da regionalização e seus adversários conviveram pacificamente com o regime de regionalização turística que, no essencial, vigorou por um quarto de século e que indubitavelmente descentralizava e permitiu aproximar a administração do turismo dos cidadãos e empresas, mais eficazmente em certos domínios, comparativamente à administração central ou autárquica.

As regiões de turismo brotam da exclusiva iniciativa dos municípios mas nascem de um acto normativo do Governo e estão sujeitas a tutela administrativa. A sua arquitectura jurídica, sedimentada numa evolução normativa quase secular de participação local dos cidadãos na administração do turismo, permite uma intersecção assaz profícua dos interesses governamentais e municipais.

Além do mais, a circunstância de se tratar de pessoas colectivas de direito público não afasta a representação dos interesses privados. Ao invés, postula, numa razoável proporção, a representação de entidades privadas, maxime dos empreendimentos turísticos, estabelecimentos de restauração e de bebidas e agências de viagens. A representação de interesses privados não se confina, porém, à assembleia das regiões de turismo, permitindo inclusivamente que intervenham no seu órgão de governo, isto é, que possam integrar a comissão executiva.

Confluem, assim, nas regiões de turismo, os interesses dos municípios, que despoletaram o seu processo de criação e constituem a sua força dominante, do Governo, que, entre outros aspectos, lhes conferiu existência jurídica e exerce relativamente a elas tutela administrativa, e dos representantes dos interesses privados, na esteira da longa tradição de participarem activamente na formação das decisões em matéria turística.

3) O modelo top-down instituído em 2008

Num anacrónico movimento top-down o actual modelo das entidades regionais de turismo de base estatísticatemperada por critérios de natureza turística no caso dos pólos de desenvolvimento turístico – e de imposição governamental substitui o vigente até 2008, no qual as dezanove regiões decorriam da vontade concordante dos municípios interessados e do Governo e tinham na sua génese critérios de natureza turística, ou seja, de os respectivos territórios apresentarem condições e potencialidades para o turismo bem como de afinidades geográficas, ecológicas, históricas e culturais.

Já numa fase muito avançada do processo legislativo – entre a aprovação em Conselho de Ministros e a promulgação pelo Presidente da República – foi inserido o pólo de desenvolvimento turístico Leiria-Fátima, não previsto no PENT, pelo que foram suprimidas todas as referências a este último em vez de o rever aditando o turismo religioso que inexplicavelmente o omite. Sem tal harmonização, o diploma fica sem qualquer fundamentação relativamente ao critério da inserção dos pólos de desenvolvimento turístico – que não haviam sido equacionados no anteprojecto – e o PENT continua a evidenciar uma falha inexplicável no que respeita aos produtos estratégicos não sendo exaustivo em matéria de pólos.

Em matéria de atribuições da nova figura destaca-se valorização turística das respectivas áreas ou regiões e o aproveitamento sustentável dos recursos turísticos da região, sendo tal valorização enquadrada no plano central da política de turismo pelas directrizes e orientações governamentais bem como dos planos plurianuais. Foram, no entanto, suprimidos os planos de acção turística da região e a definição dos produtos. A incipiente introdução de novas atribuições como a da monitorização da oferta turística regional – em bom rigor, poderá considerar-se implícita na disciplina de 1991 – e a dinamização e potencialização dos valores turísticos regionais, não contrabalançam, de nenhuma forma, a perda daquelas significativas e estruturantes atribuições. No domínio do turismo no espaço rural, do turismo de habitação e dos parques de campismo e caravanismo, onde não existe intervenção do Turismo de Portugal, IP, o equivalente ao parecer vinculativo desta entidade poderia, com grande utilidade, ser atribuído às entidades regionais de turismo.

Tal como em 2006 no plano central em 2008 ocorreu a derrocada do regionalismo turístico até então vigente, surgindo as novas entidades regionais do turismo com um núcleo de atribuições inferior comparativamente às regiões de turismo e numa lógica de dependência do Turismo de Portugal, IP, aspecto que é agravado pelo garrote financeiro.

Os municípios só podem aderir à respectiva área ou pólo em que se encontram territorialmente integrados ainda que consigam demonstrar um interesse turístico manifesto em integrar outra. Como consequência desta rigidez normativa verificam-se algumas resistências ao nível dos municípios que determinaram a alteração da LERT, como sucedeu no caso dos municípios da Nazaré e Alcobaça que se recusavam a integrar o pólo Leiria-Fátima e almejavam a sua participação no pólo Oeste. Coimbra e Figueira da Foz não integram a Entidade Regional de Turismo do Centro nem o município da Covilhã, o pólo da Serra da Estrela, o que evidencia o carácter forçado da solução top-down.

No programa do XIX Governo não se prevê qualquer modificação do modelo organizacional vigente, seja no plano nacional, regional ou local. Foi, assim, com surpresa despoletada pelo Ministro Miguel Relvas a extinção do modelo das entidades regionais de turismo e dos pólos de desenvolvimento turístico. Com um âmbito mais limitado, confinada sobretudo à extinção dos pólos, foi mais tarde secundada pela anterior Secretária de Estado do Turismo. Sucessivas propostas, algumas contraditórias entre si, desembocaram no modelo actualmente em discussão na Assembleia da República. O próximo artigo analisará detalhadamente tal solução legislativa.

Jornal Planeamento e Cidades n.º 28, Março/Abril de 2013

sexta-feira, 8 de março de 2013

TJUE: o atraso superior a três horas na chegada ao destino deve ser indemnizado

1) TJUE: Apesar do atraso na partida não violar a protecção comunitária dos direitos do passageiro no transporte aéreo a chegada com atraso superior a três horas confere direito a indemnização 

Em 26 de Fevereiro último foi proferido o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no processo C-11/11 opondo a Air France SA a Heinz-Gerke Folkerts e Luz-Tereza Folkerts pronunciando-se os juízes no sentido de os passageiros de um voo com correspondências serem indemnizados quando o seu voo chegar ao destino final com um atraso de três ou mais horas. 

Luz-Tereza Folkerts tinha uma reserva para um voo de Bremen (Alemanha) para Assunção (Paraguai), via Paris (França) e São Paulo (Brasil). O voo inicial de Bremen sofreu um atraso de cerca de duas horas e meia, o que não infringe o art.º 6.º/1/b) do Regulamento (CE) n.° 261/2004 (estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos voos) que exige um atraso de três horas ou mais em voos intracomunitários. Sucede que L. Folkerts perdeu a sua correspondência de Paris para São Paulo, igualmente assegurada pela Air France que transferiu o passageiro para o voo posterior. Devido à sua chegada tardia a São Paulo perdeu a originária correspondência para Assunção pelo que chegou ao destino final com um atraso de onze horas relativamente à prevista hora inicial

O TJUE considerou que o direito a indemnização consagrado no artigo 7.° do Regulamento (CE) n.° 261/2004 deve ser interpretado no sentido de que é devida uma indemnização ao passageiro de um voo com correspondências que sofreu um atraso na partida de uma duração inferior aos limites fixados no artigo 6.° mas que chegou ao seu destino final com um atraso igual ou superior a três horas em relação à hora programada de chegada. Com efeito, de harmonia com o entendimento do tribunal europeu a indemnização não está sujeita à existência de um atraso na partida não dependendo assim da verificação dos requisitos previstos no artigo 6.°. 

2) Orizonia 

Na complexa situação vivida pelo grupo Orizonia as maiores dificuldades surgem relativamente aos casos em que a viagem organizada já se havia iniciado e o consumidor, ou a agência em seu nome, teve de pagar o alojamento ou outros serviços aos fornecedores, designadamente ao hotel. Na mesma linha de dificuldade, ou até maior, quando a viagem organizada estava programada para as próximas semanas mas já se sabe que não vai ser realizada. Há naturalmente que informar o consumidor e procurar alternativas mas como recuperar os montantes pagos ao operador se este não puder restituí-los? 

Ora, é precisamente neste ponto que importa esclarecer que não constitui uma inevitabilidade que tenha de ser a agência de viagens que comercializou o pacote turístico a suportar o prejuízo decorrente das quantias pagas ao operador turístico que este não venha a restituir. O consumidor pode accionar o fundo de garantia bastando para o efeito preencher e enviar o formulário disponível do site do Turismo de Portugal, IP – curiosamente retirado nos últimos dias - manifestando inequivocamente a sua opção de accionamento do operador turístico, uma escolha que a Directiva 90/314/CEE lhe assegura. 

Ou seja, o consumidor pode optar por accionar o fundo de garantia de forma a que o prejuízo decorrente da não restituição das verbas pagas ao operador turístico não seja suportado pela agência de viagens que comercializou a viagem organizada mas pelo fundo que é alimentado pelas PME’s que pagam proporcionalmente muito mais do que os grandes operadores que estão na origem destas situações de incumprimento. 

Publituris 8 de Março de 2013