1) Introdução
O actual enquadramento das entidades regionais de
turismo traduz-se numa regressão perante a paulatina evolução, ao longo de
várias décadas, das figuras que o antecederam, ou seja, das comissões de
iniciativas (1921), das zonas de turismo (1945) e das regiões de turismo (1982
e 1993).
No
plano municipal, as comissões de
iniciativas instituídas na I República, visando o desenvolvimento das estâncias, executando obras de interesse
geral ou iniciativas para aumentar a sua frequência e o fomento do
turismo, eram constituídas por impulso dos stakeholders, tendo os
representantes do sector privado uma posição de paridade ou até excedendo o
número de representantes das entidades públicas. A solução de proximidade,
auscultação das populações e participação dos hoteleiros, proprietários e
comerciantes bem como o princípio da gratuidade dos cargos são traços
distintivos desta figura.
Em
1940, o Código Administrativo, uma das traves mestras do Estado Novo, não é
indiferente ao sector e cria a figura das zonas
de turismo que atingiu notável longevidade – sobreviveram até 2008 – em que
a distinção entre comissões municipais
e juntas de turismo provinha do
critério da sede do organismo coincidir ou não (caso de praias e termas) com a
sede do concelho, beneficiando, em qualquer dos casos, de uma gestão própria e
distinta da administração municipal comum. O impulso tanto poderia provir da
câmara municipal ou dos serviços centrais e embora consagrando a representação
do sector privado fá-lo em menor proporção comparativamente às comissões de
iniciativas.
Entre
o plano dos interesses turísticos locais
e o plano nacional interpunha-se,
como salientou a Câmara Corporativa, um outro, o dos interesses turísticos regionais, que conduziu à criação de
organismos de nível territorial supramunicipal: as regiões de turismo cuja iniciativa poderia partir do próprio
Governo ou de proposta conjunta de
todas ou de algumas câmaras municipais ou juntas de turismo interessadas. Actuando no plano supramunicipal,
as comissões regionais de turismo, que constituíam o órgão de
administração das regiões de turismo, incorporavam uma menor representação
dos interesses privados não constituindo ainda verdadeiros órgãos autárquicos
em matéria de turismo mas de órgãos da administração estadual do turismo.
É também nesta ocasião que o Estado Novo consagra o
funcionamento junto da Presidência do Conselho de um órgão consultivo – o Conselho Nacional de Turismo – cujos
vogais eram, na sua esmagadora maioria, representantes de entidades privadas.
Meio século depois, o PRACE extinguiria um órgão consultivo semelhante: o
Conselho para a Dinamização do Turismo. O vazio de um órgão consultivo de
representação alargada – associações empresariais, sindicatos e universidades –
perdura desde então.
2) A experiência-piloto da regionalização turística
Enquanto nas I e II Repúblicas assistimos a um claro
predomínio dos órgãos locais de turismo sobre os regionais, tal tendência
inverte-se no dealbar da III República mercê da profunda reformulação do regime
jurídico das regiões de turismo – o Decreto-Lei n.º 327/82, de 16 de Agosto –
na sequência natural da profunda mutação registada no quadro normativo das
autarquias locais decorrente do 25 de Abril. Configurando-se como uma lei da
regionalização turística, as grandes inovações consistem na atribuição de personalidade
jurídica às regiões de turismo, agora consideradas pessoas colectivas de
direito público, e no princípio da exclusiva
iniciativa municipal no despoletamento do seu processo de criação embora
não se prescinda da vontade governamental para a criação do ente jurídico
regional. Outros dos princípios estruturantes desta experiência-piloto do
regionalismo, para além daquela confluência
das vontades municipal e governamental, são os da supremacia municipal no controlo dos órgãos das regiões de turismo
e o da representação minoritária do
Estado.
A promoção turística no estrangeiro, que é
invariavelmente uma causa expressa ou implícita da destruição dos modelos de
organização pública do turismo, encontrou nas regiões de turismo uma
equilibrada solução dualista. No que respeita ao mercado interno, as
regiões de turismo desfrutavam de inteira liberdade. Na promoção externa, o
estatuto era assaz diferente, ou seja, de proibição de execução directa de
planos de promoção turística no estrangeiro, impondo-se ainda nesta sede um dever
de colaboração com a administração central.
A área das regiões de turismo era objecto de um
conjunto de requisitos, nomeadamente
a existência de condições e potencialidades de interesse para o
turismo e a homogeneidade ou pelo menos complementaridade entre
as áreas dos municípios, avançando-se indicadores como os aspectos geográficos,
ecológicos, etnográficos, históricos e culturais. Exigia-se também a capacidade
do ente regional gerar receitas para prover às suas despesas.
O princípio da supremacia
municipal significa que na assembleia do ente regional de turismo, o
conjunto dos representantes dos departamentos do Estado, entidades públicas e
entidades privadas dispunham de um número igual ou inferior ao dos
representantes dos municípios que integravam a região de turismo.
Com a Lei das Finanças Locais (Lei n.º 1/79, de 2 de
Janeiro) ocorreu a municipalização in totum
do imposto de turismo, uma modificação assaz importante no financiamento
dos órgãos regionais e locais de turismo retirando-lhes a sua independência
financeira.
Adeptos da regionalização e seus adversários
conviveram pacificamente com o regime de regionalização turística que, no
essencial, vigorou por um quarto de século e que indubitavelmente
descentralizava e permitiu aproximar a administração do turismo dos cidadãos e
empresas, mais eficazmente em certos domínios, comparativamente à administração
central ou autárquica.
As regiões de turismo brotam da
exclusiva iniciativa dos municípios mas nascem de um acto normativo do Governo e estão sujeitas a
tutela administrativa. A sua arquitectura jurídica, sedimentada
numa evolução normativa quase secular de participação local dos cidadãos na
administração do turismo, permite uma intersecção assaz profícua dos interesses
governamentais e municipais.
Além do mais, a circunstância de se tratar de pessoas
colectivas de direito público não afasta a representação dos interesses
privados. Ao invés, postula, numa razoável proporção, a representação de
entidades privadas, maxime dos empreendimentos turísticos,
estabelecimentos de restauração e de bebidas e agências de viagens. A
representação de interesses privados não se confina, porém, à assembleia das
regiões de turismo, permitindo inclusivamente que intervenham no seu órgão de
governo, isto é, que possam integrar a comissão executiva.
Confluem, assim, nas regiões de turismo, os
interesses dos municípios, que despoletaram o seu processo de criação e
constituem a sua força dominante, do Governo, que, entre outros aspectos, lhes
conferiu existência jurídica e exerce relativamente a elas tutela
administrativa, e dos representantes dos interesses privados, na esteira da
longa tradição de participarem activamente na formação das decisões em matéria
turística.
3) O modelo top-down instituído em 2008
Num anacrónico movimento top-down o actual modelo das entidades regionais de turismo de base estatística – temperada por critérios de natureza turística no
caso dos pólos de desenvolvimento turístico – e de imposição governamental substitui o vigente até 2008, no qual as
dezanove regiões decorriam da vontade concordante dos municípios interessados e
do Governo e tinham na sua génese critérios de natureza turística, ou seja, de
os respectivos territórios apresentarem condições e potencialidades para o
turismo bem como de afinidades geográficas, ecológicas, históricas e culturais.
Já numa fase muito avançada do processo legislativo –
entre a aprovação em Conselho de Ministros e a promulgação pelo Presidente da
República – foi inserido o pólo de
desenvolvimento turístico Leiria-Fátima, não previsto no PENT, pelo que foram suprimidas todas as referências a este último em
vez de o rever aditando o turismo
religioso que inexplicavelmente o omite. Sem tal harmonização, o diploma
fica sem qualquer fundamentação relativamente ao critério da inserção dos pólos
de desenvolvimento turístico – que não haviam sido equacionados no anteprojecto
– e o PENT continua a evidenciar uma falha inexplicável no que respeita aos produtos estratégicos não sendo
exaustivo em matéria de pólos.
Em matéria de atribuições
da nova figura destaca-se valorização
turística das respectivas áreas ou regiões e o aproveitamento sustentável dos recursos turísticos da região, sendo
tal valorização enquadrada no plano central da política de turismo pelas
directrizes e orientações governamentais bem como dos planos plurianuais.
Foram, no entanto, suprimidos os planos de acção
turística da região e a definição dos
produtos. A incipiente introdução de novas atribuições como a da monitorização da oferta turística regional
– em bom rigor, poderá considerar-se implícita na disciplina de 1991 – e a
dinamização e potencialização dos valores turísticos regionais, não
contrabalançam, de nenhuma forma, a perda daquelas significativas e
estruturantes atribuições. No domínio do turismo
no espaço rural, do turismo de habitação e dos parques de campismo e
caravanismo, onde não existe intervenção do Turismo de Portugal, IP, o
equivalente ao parecer vinculativo desta entidade poderia, com grande
utilidade, ser atribuído às entidades regionais de turismo.
Tal como em 2006 no plano central em 2008 ocorreu a derrocada do regionalismo turístico até
então vigente, surgindo as novas entidades regionais do turismo com um núcleo
de atribuições inferior comparativamente às regiões de turismo e numa lógica de dependência
do Turismo de Portugal, IP, aspecto que é agravado pelo garrote financeiro.
Os municípios só podem aderir à respectiva área ou
pólo em que se encontram territorialmente integrados ainda que consigam
demonstrar um interesse turístico manifesto em integrar outra. Como
consequência desta rigidez normativa
verificam-se algumas resistências ao nível dos municípios que determinaram a
alteração da LERT, como sucedeu no caso dos municípios da Nazaré e Alcobaça que
se recusavam a integrar o pólo Leiria-Fátima e almejavam a sua participação no
pólo Oeste. Coimbra e Figueira da Foz não integram a Entidade Regional de
Turismo do Centro nem o município da Covilhã, o pólo da Serra da Estrela, o que
evidencia o carácter forçado da solução top-down.
No programa do XIX Governo não se prevê qualquer
modificação do modelo organizacional vigente, seja no plano nacional, regional
ou local. Foi, assim, com surpresa despoletada pelo Ministro Miguel Relvas a
extinção do modelo das entidades regionais de turismo e dos pólos de desenvolvimento turístico. Com um âmbito mais
limitado, confinada sobretudo à extinção dos pólos, foi mais tarde secundada
pela anterior Secretária de Estado do Turismo. Sucessivas propostas, algumas
contraditórias entre si, desembocaram no modelo actualmente em discussão na
Assembleia da República. O próximo artigo analisará detalhadamente tal solução
legislativa.
Jornal
Planeamento e Cidades n.º 28, Março/Abril de 2013