sábado, 29 de junho de 2013

Caso Sturgeon: atrasos superiores a três horas devem ser indemnizados



Uma das importantes fontes dos direitos dos passageiros do transporte aéreo encontra-se no Regulamento (CE) nº 261/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Fevereiro de 2004 que estabelece regras comuns para a indemnização e a assistência aos passageiros dos transportes aéreos em caso de recusa de embarque e de cancelamento ou atraso considerável dos  voos.

O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem assumido  um  papel  determinante na interpretação de um texto que não prima pela clareza (grey areas), transformando um acervo normativo de difícil apreensão num poderoso instrumento de protecção dos direitos dos passageiros do transporte aéreo. Em finais de Abril de 2013, a UK Civil Aviation Authority afirma que em consequência da última decisão do TJUE proferida seis meses antes atribuiu compensações no montante de € 95 700 a passageiros com atrasos superiores a três horas.

São várias as decisões do TJUE interpretando as normas do Regulamento nº 261/2004, destacando-se o pioneiro e célebre caso Sturgeon proferido quando decorriam apenas quatro anos da sua entrada em vigor na sequência dum conjunto de questões prejudiciais suscitadas por um tribunal de recurso alemão (Bundesgerichtshof).

Corresponde ao processo C-402/07, cuja acção havia sido intentada na Alemanha pela família Sturgeon contra a companhia aérea Condor pedindo uma indemnização de 600€ por pessoa pela chegada ao destino com 25 horas de atraso [art.º 7º/1/c)]. O voo de regresso (Toronto-Frankfurt) que deveria partir às 16,20h foi cancelado de harmonia com a informação do painel do aeroporto pelo que a família Sturgeon  recolheu a bagagem e foram levados para um hotel onde pernoitaram. No dia seguinte efectuaram o check-in no balcão de outra companhia cujo voo tinha o  mesmo número da sua reserva, sendo-lhes atribuídos lugares diferentes dos da véspera e chegando a Frankfurt com 25 horas de atraso relativamente à hora prevista.

Os passageiros consideraram que não houve um atraso mas sim um cancelamento do voo de regresso. A Condor opôs-se sustentando a tese do atraso invocando sucessivamente a passagem de um furacão sobre o mar das Caraíbas e posteriormente problemas técnicos do avião e doença da tripulação.

A letra da lei favorecia claramente a tese da companhia aérea pois ao contrário das situações de cancelamento (art.º 5º) nas de atraso (art.º 6º) não se faz qualquer remissão para o art.º 7º que prevê o direito à indemnização.

O grande contributo do TJUE foi o seguinte: há que comparar a situação dos passageiros com voos atrasados com a de voos cancelados. Um dos aspectos fundamentais é o do tempo perdido pelos passageiros que pelo seu carácter irreversível só pode ser compensado através de uma indemnização. Nas duas situações o que conta verdadeiramente para os passageiros é o tempo a mais que levaram até chegar ao seu destino. Se sofrem um prejuízo análogo traduzido numa perda de tempo encontram-se de harmonia com a visão do TJUE em situações comparáveis para efeitos da aplicação do direito à indemnização previsto no art.º 7º.

Havia ainda que decidir se um problema técnico numa aeronave pode enquadrar-se no conceito de circunstâncias extraordinárias (art.º 5º/3)   excluindo, assim, a indemnização aos passageiros. O TJUE deu uma resposta negativa situando o problema técnico na área de responsabilidade da companhia não podendo, assim,  afastar a indemnização aos seus passageiros prejudicados pelo atraso de um voo.

O TJUE fez claramente prevalecer o espírito sobre a letra da lei, atribuindo indemnização aos passageiros de voos atrasados quando de harmonia com o texto do art.º 6º do Regulamento 261/2004 não se podia efectivamente retirar tal entendimento. 


Publituris de 28 de Junho de 2013, pág. 6