segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A transposição da Directiva Bolkestein

Na sequência da liberdade de circulação de pessoas, mercadorias e capitais consagra-se agora outro dos pilares da União Europeia, a livre prestação de serviços.

O Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, vem estabelecer os princípios e as regras necessárias para simplificar o livre acesso e exercício das actividades de serviços e transpõe a Directiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro, vulgarmente conhecida por Directiva Bolkestein ou Directiva dos Serviços.

O diploma tem como objectivo fundamental a fixação dos princípios e das regras necessárias para simplificar, no território nacional, o livre acesso e exercício à actividade de serviços (art.º 1.º/1) excluindo-se do seu âmbito as que sejam desenvolvidas com gratuitidade, ou seja, apenas relevam as que tenham contrapartida económica (art.º 3.º/1).

1) Âmbito objectivo e subjectivo

O âmbito subjectivo inclui prestadores de serviços estabelecidos em Portugal ou noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, sejam pessoas singulares ou colectivas.

No âmbito objectivo enquadram-se as actividades de serviços desenvolvidas com carácter remunerado e que sejam oferecidas ou desenvolvidas em Portugal. São abrangidos os serviços aos consumidores, como os desenvolvidos no domínio do turismo, incluindo os guias turísticos, os serviços de lazer, os centros desportivos e os parques de atracções. Com carácter exemplificativo (o legislador limita-se a enumerar alguns exemplos) surge-nos no final do diploma um anexo com uma listagem de actividades. Algumas delas respeitam ao turismo, a saber:


Estão abrangidos vários tipos de serviços:

1) Os que pressupõem proximidade entre prestador e destinatário;
2) Serviços que impliquem uma deslocação do destinatário ou do prestador;
3) Serviços que possam ser fornecidos à distância.

Existem, porém, serviços aos quais não é aplicável o diploma, que se encontram excluídos do seu âmbito de aplicação (art.º 3.º/3), como sucede nos serviços financeiros e de seguros, transporte aéreo e aeroportuários.

2) O livre acesso e exercício das actividades de serviços

O princípio fundamental fixado no art.º 49.º do Tratado de Roma no qual se determina que as restrições à livre prestação de serviços na Comunidade serão proibidas relativamente aos nacionais dos Estados-membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação surge-nos agora no art.º 4.º, que consagra igualmente a liberdade de estabelecimento.

De harmonia com estes dois estruturantes princípios os prestadores de serviços – quer as pessoas singulares ou colectivas nacionais quer as sedeadas noutro Estado-membro – podem livremente estabelecer-se e exercer a sua actividade em território português, designadamente através da criação de sociedades, sucursais, filiais, agências ou escritórios fazendo-o em regra sem necessidade de qualquer permissão administrativa ou até de uma mera comunicação prévia. No entanto, apesar da regra ser a desnecessidade de permissão administrativa ou comunicação prévia consagram-se algumas excepções no capítulo III (artigos 8.º a 18.º) que se traduzem num duplo condicionalismo: situações em que a lei preveja tal permissão administrativa e a mesma possa ser estabelecida (art.º 4.º/1).

3) Situações de excepção em que se mantêm as licenças, autorizações, validações e outras permissões administrativas no acesso ou exercício da actividade de serviços

O capítulo III (artigos 8.º a 18.º) disciplina a matéria das permissões administrativas para acesso ou exercício das actividades de serviços – licenças, autorizações, validações, autenticações, certificações, actos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo e registos – ou seja, situações em que uma actividade de serviços não pode ser prestada livremente ou através de uma mera comunicação prévia as quais ficam, no entanto, sujeitas de harmonia com o n.º 3 do art.º 8.º a um exigente conjunto de princípios.

4) Exclusão de alguns estabelecimentos da actividade termal

No capítulo VII alteram-se normas de alguns regimes sectoriais – outros como o das agências de viagens e empresas de animação turística serão desenvolvidos em diploma autónomo. Em primeiro lugar os estabelecimentos que não tenham fins de prevenção da doença, terapêutica, reabilitação e manutenção da saúde, os quais se dedicam exclusivamente a finalidades estéticas, à beleza e ao relaxamento. Opera-se a exclusão da disciplina da actividade termal (Decreto-Lei n.º 142/2004, de 11 de Junho) passando a ser considerados equipamentos de animação turística sendo-lhes aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 108/2009, de 15 de Maio.

§ Em termos gerais:

A) Para além das agências de viagens, a Directiva Bolkestein, agora transposta pelo Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, abrange outras actividades de relevo para o turismo como o rent-a-car, a animação turística/operadores marítimo-turísticos e os estabelecimentos de restauração e bebidas.

B) Os estabelecimentos que não tenham fins de prevenção da doença, terapêutica, reabilitação e manutenção da saúde, os quais se dedicam exclusivamente a finalidades estéticas, à beleza e ao relaxamento são excluídos da disciplina da actividade termal passando a ser considerados equipamentos de animação turística.

§§ Consequências previsíveis:

A) Perturbação do mercado: Uma fase inicial em que o mercado das empresas de turismo será invadido por múltiplos agentes económicos sem a preparação adequada e acentuando-se a guerra de preços.

B) Empresas de outros países: Empresas de outros Estados-membros designadamente os operadores turísticos instalando-se livremente em Portugal – não terão de pagar a elevada taxa do alvará – e escoando os seus produtos através de outras empresas arrivistas.

C) Franchise: Emancipação de muitas das empresas que actualmente recorrem ao franchise em razão do desaparecimento de barreiras como os elevados capital social e taxa do alvará.

D) Resiliência: Não obstante constituir uma alteração substancial, uma das maiores de sempre, o historial das empresas do turismo revela uma elevada capacidade de resistência às adversidades e superação dos obstáculos.

In Publituris nº 1143, de 12 de Novembro de 2010, pág. 4