sexta-feira, 11 de novembro de 2011

O turismo internacional em 2010 e 2011

Expansão e diversificação são duas linhas constantes do turismo, um dos sectores de maior crescimento à escala mundial no qual a China vai subindo em todos os rankings (número de turistas internacionais recebidos, receitas e turismo emissor).

Em 2010, apesar da profunda crise económica mundial e contrariando as previsões negativas dos especialistas, o turismo internacional atingiu, segundo a OMT, o impressionante número de 940 milhões de turistas, mais 23 milhões do que no excelente ano de 2008. Um aumento anual de turistas internacionais que praticamente equivale ao número registado por esta poderosa actividade económica no final da primeira metade século XX (em 1950 existiam 25 milhões de turistas).

A recuperação do turismo internacional em 2010 ocorreu, porém, em diferentes velocidades: Ásia e Pacífico (+13%); África (+7%); Médio Oriente (+14%); Américas (+6%) e Europa (+3%).

As receitas do turismo internacional são igualmente impressionantes: 919.000 milhões de dólares (693.000 milhões de euros) crescendo em tempos reais 4,7% relativamente ao ano anterior, registando-se um maior crescimento nas economias emergentes (+8%) comparativamente às avançadas (+5%).

A recuperação das receitas do turismo internacional (+4,7%) é, porém, menor comparativamente ao número de chegadas (+ 6,6%) um comportamento típico dos períodos de recuperação em que a forte concorrência induz uma contenção nos preços e simultaneamente os turistas a viajar para locais mais próximos e por períodos mais curtos.

A Europa constitui a excepção ao crescimento positivo (-0,4%) contrastando com o forte crescimento do Médio Oriente (+14%), Ásia e Pacífico (+13%) e mais moderadamente das Américas (+5%) e África (+3%).

Apesar da perturbação decorrente da crise do norte de África e do tsunami que devastou o Japão em Março último, a OMT prevê que o número de turistas internacionais aumente cerca de 4% a 5% em 2011.

Esta tendência é confirmada pela muito recente informação da OMT da qual decorre que o movimento de recuperação da Europa iniciado em Janeiro de 2010 - deixando para trás 19 meses de crescimento negativo - se consolidou nos primeiros oito meses de 2011 sendo a região do mundo onde o turismo mais cresceu, com as chegadas de turistas internacionais a registarem uma subida homóloga de +6% num quadro de crescimento global de 4,5%.


A China constitui a mais significativa alteração em 2010 ascendendo ao 3.º lugar do ranking mundial de chegadas (55,7 milhões de turistas estrangeiros) destronando a Espanha (nos últimos anos havia ultrapassado o Reino Unido e a Itália). No outro indicador chave dos destinos turísticos – o das receitas geradas pelo turismo internacional – um aumento de 15%, ou seja, uma receita de 45,8 mil milhões de € permitiu que a China subisse para o 4.º lugar ultrapassando a Itália.

Verifica-se, por outro lado, uma maior taxa de crescimento nos países emergentes e em desenvolvimento (31% em 1990 e 47% em 2010).

No plano do turismo emissor é também a China, com uma despesa de 54,9 mil milhões de €, que regista uma subida no ranking mundial para o 3.º lugar ultrapassando o Reino Unido. A lista dos 10 países que mais gastaram no turismo internacional é liderada pela Alemanha (77,7), seguindo-se os Estados Unidos (75,5), China (54,9), Reino Unido (48,6), França (39,4), Canadá (29,5), Japão (27,9), Itália (27,1), Federação Russa (26,5).

Em 2010 a maioria dos turistas internacionais viajou de avião (51%) – confirmando a tendência de crescimento ao longo dos tempos deste meio de transporte – ou por estrada (41%) tendo a via marítima (6%) ou o comboio (2%) uma expressão menos significativa. A motivação da maioria das deslocações prende-se com lazer e férias (51%) seguindo-se as visitas a parentes e amigos, por razões de religião ou de saúde (27%) e por negócios ou motivos profissionais (15%).



In Publituris n.º 1191, de 11 de Novembro de 2011, pág. 4

Planificação do turismo

O improviso e a falta de estudo podem comprometer uma das actividades mais importantes para o nosso futuro. Há que planificar o turismo de forma participada e inclusiva.

1) Introdução

A planificação constitui uma técnica que uma administração pública minimamente sensível aos diferentes sectores da economia e à actividade turística não pode actualmente dispensar.

No âmbito turístico intervêm diferentes níveis de administração pública (nacional, regional e local) pelo que, na ausência de planificação, existe o risco de actuações contraditórias ou incompatíveis. Existe, por outro lado, uma multiplicidade de interesses conflituantes que cumpre ponderar e harmonizar.


Todo o espaço geográfico que tenha algum interesse para o desenvolvimento da actividade turística deverá ser objecto de uma política adequada que permita ordenar, regular, desenvolver, promover e controlar as diferentes actividades e transformações desse espaço orientando-as para o uso e exploração turística.

Deve planear-se com detalhe o desenvolvimento turístico, o qual pode abranger diferentes níveis e âmbitos sectoriais. Pode, assim, falar-se de planificação internacional, nacional, autonómica, regional e sectorial.

A planificação turística apresenta-se como um conjunto de medidas a curto, médio e longo prazo e o seu financiamento pode ser público, privado ou misto. Pode ainda traduzir-se na elaboração de um ou vários instrumentos (planos) que contemplem a actividade em conjunto com as outras que possam conduzir à melhoria de um sector ou território pressupondo o aumento dos fluxos turísticos e da qualidade dos serviços oferecidos ao mesmo tempo que proporciona um substancial melhoramento das condições de vida dos residentes.

2) Organização Mundial do Turismo: razões para planificar o turismo

As razões que conduzem à planificação em turismo são, de harmonia com a Organização Mundial do Turismo (WTO National and Regional Tourism Planning. Methodologies and Case Studies. Routledge, 1994, London), as seguintes:
  • Estabelecer os objectivos do desenvolvimento turístico e as políticas para os alcançar;
  • Garantir a conservação e a utilização presente e futura dos recursos turísticos, equilibrando essa necessidade de preservação com a optimização dos recursos implicados, a minimização de impactos negativos e a distribuição social dos benefícios gerados pela actividade turística;
  • Actuar com ferramentas de informação rigorosa e útil na tomada de decisões públicas;
  • Actuar como ferramenta de coordenação intersectorial (sector público e privado), níveis de jurisdição (nacional, regional e local) e planos vinculativos (urbanismo e ambiente);
  • Promover uma avaliação contínua da gestão pública do turismo.

3) Planificação territorial e planificação estratégica

A ideia implícita de um plano estratégico é a de tentar prever o futuro para compreender alguns dos acontecimentos que virão a ocorrer.

Trata-se de um procedimento táctico de planificação que remonta ao management do sector empresarial norte-americano com vista a melhorar a viabilidade das empresas privadas no mercado, daí irradiando para muitas instituições públicas procurando configurar as condições de competitividade que facilitem a criação de ocupação e bem estar por parte dos residentes e visitantes.

O êxito da planificação estratégica em cidades e áreas metropolitanas deve-se fundamentalmente à complexidade de problemas que enfrentam, tais como: maior competição territorial num quadro de internacionalização e liberalização da economia; exigência de participação das populações locais; e limitações dos instrumentos tradicionais de planificação.


A planificação estratégica pressupõe um diagnóstico e análise da situação, não prescinde de uma análise SWOT, não tem carácter normativo limitando-se a apontar os caminhos a seguir, não qualifica nem regula os usos do solo, consubstancia-se num plano de acção que procura consensos e a mobilização dos cidadãos e empresas.

A planificação estratégica encaminha-se para a acção enquanto a territorial marca os cenários do futuro tendo carácter normativo.

Um dos princípios da planificação estratégica respeita à necessidade de se proporem poucas medidas que se encontram intimamente relacionadas com os objectivos enquanto na territorial se formulam propostas com maior alcance e extensão.

Na planificação territorial impera um objectivo de desenvolvimento geral na estratégica objectivos bem mais específicos recolocando o território no melhor contexto de mercado.

O envolvimento e participação dos cidadãos é tradicionalmente mais intenso na planificação estratégica.



4) Um interessante instrumento de planificação turística: a ratio turística

A ratio turística consiste numa técnica que exige uma determinada superfície de solo edificável por cada nova cama de alojamento turístico de tal forma que se um empreendedor pretende construir um hotel de 300 camas e a ratio é de 60 m2/cama necessitará de 18.000 m2 de solo edificável. Se não dispuser dessa superfície a alternativa é reduzir o número de camas.

Esta técnica limitativa pode ser conjugada com outras restrições ao nível do planeamento urbanístico designadamente a construção em altura (máximo, por exemplo, de três andares) e/ou um determinado coeficiente de edificabilidade.

A ratio turística comporta um duplo objectivo:

1) Um requisito de qualidade dos estabelecimentos hoteleiros porquanto introduz um mecanismo que tende a reduzir o número de camas, um menor número de clientes na mesma superfície, consequente maior espaço e comodidade. A parte não edificada é destinada a zonas verdes e desportivas para utilização comum.
Grosso modo, actualmente, entram as camas que cabem no edifício existente ou a edificar, cujas características físicas são determinadas pela legislação urbanística e não pela turística que se limita a definir as áreas mínimas dos quartos consoante as diferentes classificações e outros aspectos básicos.

2) Um factor limitativo da densidade populacional numa determinada zona turística.

In Revista DirHotel Ano 30 – n.º 4/2011 – Setembro/Outubro, pág. 20

A liberdade de acesso aos empreendimentos turísticos

A liberdade de acesso é uma regra estruturante do alojamento turístico

Uma das traves mestras da legislação turística é a da liberdade de acesso aos empreendimentos turísticos. Ou seja, todos os cidadãos podem aceder livremente aos empreendimentos turísticos (art.º 48.º do RJET) pelo que restrições como “reservado o direito de admissão” são incompatíveis com esta regra estruturante do alojamento turístico.

A recusa de acesso ou de permanência só pode ter lugar quando a pessoa perturbar o funcionamento normal do empreendimento turístico.

No entanto, diversamente da Lei dos Empreendimentos Turísticos de 1997 (LET), o RJET não enumera com carácter exemplificativo algumas dessas situações mas podemos obviamente aproveitar tal enumeração por forma a concretizar o conceito.

Tal enumeração decorria das quatro alíneas do n.º 2 do art.º 50.º da LET. A primeira situação respeitava à não utilização dos serviços prestados no empreendimento turístico. Tratar-se-á da recusa de permanência, mercê do utente revelar no seu comportamento de forma concludente não pretender utilizar os serviços prestados no empreendimento turístico, o que não é aceitável, atenta a sua natureza comercial e o vultoso investimento nele realizado. Não são, porém, todos os serviços prestados no empreendimento turístico mas apenas aqueles que caracterizam o seu tipo. Assim, num estabelecimento hoteleiro apenas a não utilização dos serviços de alojamento motivará a recusa de permanência, já que não será lícito ao director de um hotel não permitir a continuação da estada de um cliente pela circunstância de este não utilizar o restaurante, a discoteca ou o bar. Quando o utente não se encontre hospedado no hotel e pretenda utilizar a discoteca, apenas o não consumo de bebidas legitimará a recusa de permanência.

A recusa do cumprimento das normas de funcionamento privativas do empreendimento constitui a segunda situação que a LET tipifica como perturbadora do funcionamento normal do empreendimento. Ponto é que as mesmas se encontrem devidamente publicitadas, isto é, por qualquer forma idónea levadas ao conhecimento dos utentes. Não basta, porém, uma falta involuntária do cliente, é necessária uma atitude de obstinação, de recusa, segundo a terminologia legal, da observância da conduta imposta pela normação de natureza privada do estabelecimento.

O alojamento indevido de terceiros constitui a terceira causa tipificada na lei como integradora do conceito de perturbação do funcionamento normal do empreendimento. No contrato de hotelaria, a utilização das unidades de alojamento é restrita às pessoas que figuram no registo de entrada, ou, quando este não seja exaustivo em termos de identificação dos ocupantes, ao tipo de aposento, v.g. quarto individual, duplo, suite, apartamento. Assim, constituirá violação do preceito em análise a utilização de um single por um casal ou uma família de oito pessoas numa villa, cujo limite de utentes é de seis.

A penetração nas áreas de serviços constitui uma situação manifestamente perturbadora do funcionamento do empreendimento. O comando tem, porém, de ser entendido com sensatez. A entrada inadvertida de um casal de turistas numa zona de serviço, v.g. lavandaria que se encontra mal sinalizada, não pode gerar automaticamente a recusa de permanência. Já o mesmo não se pode defender perante uma situação de penetração num dispensário ou sala de bagagens ostensivamente sinalizados.

A regra da liberdade de acesso aos empreendimentos é ainda compatível com a sua afectação total ou parcial à utilização exclusiva dos associados ou beneficiários do proprietário ou da entidade exploradora, desde que tal limitação seja objecto de adequada publicitação.

De igual modo, é compatível com a regra da liberdade de acesso aos empreendimentos que estes, v.g. em razão de um congresso ou de uma visita oficial, se encontrem temporariamente reservados, parcialmente, ou até abrangendo a sua capacidade máxima, desde que, uma vez mais, exista adequada publicitação.

Aliás, todas as normas de funcionamento e acesso aos empreendimentos turísticos carecem de devida publicitação por parte da entidade exploradora.

Finalmente, a entidade exploradora pode determinar que o acesso e a utilização dos equipamentos, instalações e serviços do empreendimento v.g. restaurantes, discotecas, campo de golfe, seja restrita aos utentes e respectivos acompanhantes, sendo consequentemente vedada ao público em geral.



Publituris n.º 1187, de 14 de Outubro de 2011, pág. 4

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Um debate alargado sobre as questões do turismo

Um conjunto de instrumentos permitem um melhor desenvolvimento do sector. É importante debatê-los aprofundadamente por forma a que o maior número possível de destinatários se identifique com as políticas de turismo.

1) Envolvimento e participação dos cidadãos

Parece-me importante que esta Legislatura se inicie sob a égide da participação dos cidadãos na política do turismo, que ao longo destes exigentes e difíceis anos sejam efectivamente ouvidos e ponderados os seus pontos de vista. Instituindo-se uma nova cultura democrática de proximidade no dia-a-dia do nosso turismo, passando das autoritárias metodologias top-down para as modernas tendências bottom-up, envolvendo e motivando os destinatários das políticas.

Não temos hoje um órgão consultivo de representação alargada, um Conselho Nacional do Turismo. Na anterior governação, o PSD pretendeu reinstitui-lo, mas a meritória iniciativa parlamentar foi chumbada com o formal e preclusivo argumento de que se tratava de matéria da exclusiva competência do Governo e como tal vedada à iniciativa parlamentar.

O défice de auscultação e participação dos cidadãos é, pois, um dos primeiros aspectos que importa corrigir, ao nível orgânico e no quotidiano das políticas de turismo.

2) Instrumentos de travagem e aceleração do desenvolvimento turístico. A evolução do PENT para um Plano Nacional de Turismo Sustentável

Não existindo entre nós a figura da zona turística saturada, a qual corresponde a um movimento de travagem de uma política de turismo, ouvi recentemente a possibilidade de eliminação dos pólos de desenvolvimento turístico, figura que em abstracto pode corresponder a um poderoso e selectivo movimento de aceleração.

Como tenho referido, os actuais pólos assentaram mais em razões de oportunidade e conveniência política do que num estudo da sua implementação apoiado em critérios turísticos, revelando ainda um percurso errático e sem a adequada fundamentação. Se no PENT surgiram inicialmente apenas o Alqueva e o Oeste, a figura multiplicou-se e acabou por ser inesperadamente transposta para a administração regional do turismo, com a particularidade de após a sua aprovação em Conselho de Ministros ter nascido o pólo de Fátima (o qual teria ainda de sofrer mais uma vicissitude consubstanciada na amputação de municípios).

Esta poderá constituir a primeira discussão alargada com a sociedade civil numa nova política de turismo inclusiva e participativa. Tenho sérias dúvidas que o critério económico seja de per si suficiente para justificar a extinção dos pólos porquanto até a nossa mais poderosa região turística, o Algarve, reclama do estrangulamento financeiro.

Podem existir pólos e zonas saturadas como instrumentos de grande utilidade para além e independentemente do actual modelo das entidades regionais do turismo, uma solução em que efectivamente poucos se revêem e que carece de modificações. Importa, pois, separar as águas, perceber que pelo facto de existir um mau modelo de governação regional do turismo, que pode e deve ser melhorado de forma participada, isso não deve conduzir automaticamente à eliminação de bons instrumentos de planificação e gestão da actividade reconhecidos ao mais alto nível, designadamente pela OMT.

Apesar da miopia e isolacionismo político dos seus fautores, de ter sido transformado frequentemente em fastidiosa autopromoção política, o PENT tem certamente aspectos positivos que devem ser preservados. Pode evoluir-se para um Plano Nacional de Turismo Sustentável e ponderar a sua inclusão num destacado capítulo do Código do Turismo (uma excelente iniciativa que não se confina à mera compilação e sistematização da legislação existente).

3) Congelamento de novas camas, expropriação de edificações e outras medidas indutoras do desenvolvimento turístico

Travar o aumento da oferta de alojamento turístico que degrada progressivamente as receitas constitui outra discussão prioritária.

Dessa discussão poderá decorrer o congelamento durante um período alargado – porventura 10 anos – de novas edificações para alojamento turístico de molde a corrigir o excesso de oferta de alojamento que degrada progressivamente os preços, evitando um maior consumo de solo de harmonia com um princípio de sustentabilidade.


Como é natural, terão de existir excepções, designadamente empreendimentos no topo da classificação em zonas carenciadas de alojamento turístico, mediante uma efectiva auscultação das populações afectadas e dos pareceres favoráveis das associações empresariais do alojamento, restauração e distribuição bem como da CTP.

Há também que estabelecer uma clara regra de preferência na utilização das edificações existentes quando se impuserem novas camas, surgindo a construção nova apenas em situações de manifesta impossibilidade ou inadequação de aproveitamento dos imóveis existentes.

4) Estabelecimentos novos em lugar de oferta obsoleta e capacidade de carga

Por outro lado, a oferta obsoleta de alojamento turístico afecta o preço e a imagem do destino. Aliado ao congelamento de camas novas e à fixação regional da capacidade de carga pode intervir um mecanismo em que as novas camas só podem ser autorizadas em substituição das obsoletas que são abatidas.

Pode assim discutir-se, por exemplo, a solução do abate de camas próprias ou adquiridas a terceiro na proporção de uma cama nova por 1,5 camas abatidas a funcionar legalmente durante um certo período por exemplo há mais de 15 anos. Ou o abate de um certo número de camas do alojamento paralelo conferir um número inferior de camas novas classificadas.

Importa também reflectir sobre a fixação da capacidade de carga em cada área regional de turismo. Como mecanismo dissuasor a nulidade dos negócios jurídicos que a desrespeitem, a demolição judicialmente ordenada a expensas do empreendedor e responsabilidades civil e criminal pessoal dos titulares das autarquias que viabilizaram o licenciamento.

Parece-me interessante alargar as potencialidades da expropriação por utilidade particular de edifícios devolutos e/ou degradados, sobretudo nos centros urbanos, permitindo a instalação de estabelecimentos hoteleiros no topo da classificação (4 ou 5 estrelas) ampliando-se, assim, um instrumento há muito previsto em sede de utilidade turística, que se tem confinado quase exclusivamente à Madeira.

Muitas outras possibilidades podem debater-se numa actividade cada vez mais importante para o futuro do nosso país.

Publituris n.º 1183, de 16 de Setembro de 2011, pág. 4

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Modalidades emergentes de alojamento turístico não enquadráveis na tipologia de empreendimentos turísticos

Em sede de planeamento turístico podemos encontrar algumas modalidades com expressão que suscitam interesse por parte dos turistas estrangeiros que nos visitam e nas quais existe uma oferta mais ou menos significativa nos territórios turísticos.

Como já referi em artigos anteriores, as oito tipologias de alojamento turístico fixadas no art.º 4.º do Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos (RJET) balizam a vertente do alojamento turístico em sede de planeamento, havendo, assim, que encontrar resposta para significativas modalidades de alojamento que despontam em Lisboa, como os hostels, e de outras que suscitam um forte interesse num dos nossos maiores mercados emissores, como é o caso dos holiday parks e das residências secundárias de elevada qualidade. Estas últimas multiplicam-se na linha Sintra-Cascais ombreando com o alojamento hoteleiro de topo, um segmento de elevado poder de compra.



1) Hostels


Os hostels, têm registado um considerável desenvolvimento em termos internacionais e são alvo de uma crescente atenção por parte dos responsáveis políticos. É o caso de Lisboa onde foram eleitos os 1.º, 2.º e 8.º melhores hostels do mundo em 2008.

Constituindo um alojamento barato (cheap logement), todos os espaços são partilhados, ou seja, para além da cozinha e sala de estar para os hóspedes, inclusivamente o próprio quarto de dormir é partilhado, estando instaladas várias camas ou camaratas.

Não podem ser considerados empreendimentos turísticos por não preencherem um dos seus estruturantes requisitos.

Com efeito da definição de unidade de alojamento constante do n.º 1 do art.º 7.º do RJET flui que se trata do espaço delimitado destinado ao uso exclusivo e privativo do utente do empreendimento turístico.

Trata-se de uma definição nova que o RJET introduziu, aditando-se à anterior trilogia quartos, suites e apartamentos as moradias as quais foram eliminadas como grupo ou sub-tipo de empreendimento turístico.

Manteve-se a necessária identificação da unidade de alojamento no seu exterior,
um sistema de segurança nas portas que apenas franqueie o acesso ao utente e ao pessoal de serviço, a sua insonorização, e, finalmente portas ou janelas comunicando directamente com o exterior.


Numa fase inicial, muito próximos dos albergues da juventude, nota-se uma crescente utilização indiferenciada em termos de faixas etárias e uma aproximação ao segmento gls.

O art.º 43.º do RJET consubstancia uma situação de monopólio do alojamento turístico nos empreendimentos turísticos, com a excepção do alojamento local.

A oferta de alojamento turístico – dormida, serviços de limpeza e recepção por períodos inferiores a 30 dias – apenas pode ocorrer em qualquer das tipologias de empreendimentos turísticos constante da facti species do art.º 4.º.

O n.º 2 contém uma presunção legal da prestação de serviços de alojamento turístico quando se verificarem cumulativamente as seguintes situações: o imóvel estar mobilado e equipado, ser oferecido ao público em geral surgindo a dormida não isoladamente mas acompanhada de serviços de limpeza e recepção cuja periodicidade seja inferior a trinta dias.

Não reunindo os requisitos para poderem ser qualificados como empreendimentos turísticos, os hostels só podem ser comercializados sob as vestes da abrangente figura do alojamento local.

O art.º 3.º disciplina o alojamento local, uma figura nova que poderá constituir um poderoso instrumento para fazer face à denominada oferta clandestina, paralela ou não classificada de alojamento para turistas.

Trata-se de estabelecimentos que desenvolvem a sua actividade no dia-a-dia mas que, por razões de diversa índole, não conseguem obter a licença de utilização turística para poderem despoletar o subsequente processo de classificação.

Um fenómeno de dimensão muito significativa, estimando-se que no nosso principal destino turístico, as denominadas camas paralelas ultrapassem largamente as classificadas. No Estudo Sobre o Alojamento Não Classificado no Algarve (1991-1997) da Universidade do Algarve (1998), a estimativa apontava para 312 493 camas no alojamento paralelo enquanto os dados oficiais registavam 85 100 camas no alojamento classificado.

A circunstância desta categoria ser engrossada pelo movimento de desqualificação como empreendimento turístico decorrente da supressão de tipologias levado a cabo pelo RJET, designadamente ao nível das pensões, parece-me negativo contribuindo não só para o aumento do número de estabelecimentos como também para a sua heterogeneidade.

2) Holiday parks


Os parques de férias constituem uma significativa forma de alojamento turístico em alguns países – como é o caso do Reino Unido, um dos nossos principais mercados emissores – que aliam um forte poder de compra dos seus cidadãos a políticas de respeito pelo ambiente e que são norteados por princípios e práticas quotidianas de desenvolvimento sustentável.

Nos parques de férias encontramos um terreno delimitado por meios naturais ou artificiais, no qual são introduzidas instalações de alojamento uniformes do ponto de vista arquitectónico, volumetria, número, área e disposição interna das suas divisões.

O RJET faculta a existência nos parques de campismo e de caravanismo de áreas destinadas a instalações de alojamento fixando, porém, o limite máximo de 25% da área total do parque destinada aos campistas (art.º 19.º, n.º 4) o que inviabiliza a figura dos holiday parks.

Os materiais utilizados nestas instalações de alojamento, o seu carácter amovível, bem como o muito moderado consumo de solo comparativamente ao turismo residencial, aldeamentos e conjuntos turísticos (resorts), recomendam a introdução de uma nova tipologia de empreendimentos turísticos.

O enorme crescimento previsto para o turismo de natureza reforça tal necessidade.

3) Aproveitamento turístico das residências secundárias


Várias têm sido as tentativas no plano internacional, designadamente em França, o maior destino turístico mundial, de trazer para o campo da utilização por turistas, residências secundárias que não são objecto de locação por parte dos seus proprietários, maxime do parque imobiliário de qualidade situado no litoral.

Sites como Homelidays, VRBO ou HomeAway evidenciam a pujança de um mercado de comercialização turística de residências secundárias, que têm registado um forte crescimento.

Com efeito, a utilização pelos seus donos confina-se a um período muito limitado do ano, sendo que a sua utilização por turistas, sobretudo pelos estrangeiros, permite efeitos muito interessantes nas economias locais, designadamente ao nível dos serviços de limpeza e manutenção das instalações como também nos restaurantes, lojas e consumo dos produtos da região.

Um crescente número de turistas de elevado rendimento preferem alojamento de pendor mais intimista tal como o turismo no espaço rural ou residências particulares com instalações de elevado nível, embora, naturalmente, sem os correspondentes requisitos de serviço.

A fiscalidade tem sido um dos instrumentos, estimulando ou penalizando os proprietários de imóveis em municípios ou pólos turísticos que não os disponibilizem para locação a turistas através de agências de viagens ou de mediadores imobiliários.

Vários obstáculos jurídicos, designadamente o art.º 43.º do RJET, ombreiam com a tendência dos proprietários se mostrarem relutantes a rentabilizarem os seus imóveis (o equivalente ao buy to use to let do turismo residencial). A sustentabilidade económica (aumento do rendimento ligado a um imóvel que permanece desabitado boa parte do ano), social (as populações locais prestam os seus serviços e comercializam os seus produtos aos turistas) e ambiental (não se consome mais solo em edificações para turistas aproveitando-se as construções existentes) da solução conduz à necessidade de superar tais obstáculos.

Jornal Planeamento e Cidades n.º 25, Julho/Agosto de 2011, págs. 36-37

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Companhias aéreas, GDS e agências de viagens: um triângulo virtuoso

A revisão alargada do Código de Conduta dos CRS surge precisamente num período em que se reacende a disputa, adormecida durante anos, entre as companhias aéreas e os GDS. A entrada da Google no mercado da distribuição de viagens, as agências on-line,  os GDS low cost e as tecnologias direct-connect oferecidas pelas companhias aéreas tornam a revisão mais complexa.

Originariamente concebidos e operados por companhias aéreas, o uso dos CRS (computer reservation system ou central reservation system) foi posteriormente alargado aos seus então representativos parceiros de negócios, as agências de viagens e operadores turísticos. Quando operam para múltiplas transportadoras aéreas são designados como sistemas de distribuição global (GDS) abrangendo, para além do transporte aéreo, o ferroviário, a reserva de hotéis e o rent-a-car.

A política de concorrência da União Europeia no sector dos transportes visa garantir um funcionamento eficaz dos mercados recém-liberalizados ou em fase de liberalização.  Nesse sentido, tem vindo progressivamente a modernizar o seu enquadramento legal por forma a aplicar ao sector dos transportes o quadro geral das regras de concorrência, pontificando no domínio da aviação o Regulamento nº 80/2009, relativo a um código de conduta para os sistemas informatizados de reserva (SIR) que entrou em vigor em 29 de Março de 2009, cerca de um mês após uma nova directiva relativa às taxas aeroportuárias.

Dado que  uma parte importante das reservas de voos continua a processar-se através de SIR, existe  a necessidade de manter uma concorrência efectiva entre as transportadoras participantes e a transportadora-mãe (aquela que directa ou indirectamente, individual ou conjuntamente, controla ou participa no capital com direitos ou representação no órgão dirigente de um vendedor de sistemas) sujeitando esta última a regras específicas.

Impondo-se uma clara separação entre o SIR e os sistemas de reserva internos e impedindo-se que as transportadoras-mãe tenham acesso privilegiado é, no interesse dos consumidores  determinada a obrigatoriedade de um ecrã inicial imparcial de molde a garantir que as informações sobre todas as transportadoras participantes sejam acessíveis nas mesmas condições, não privilegiando, assim, nenhuma delas, reforçando a confiança do consumidor e aumentando a transparência dos produtos e serviços.

Relativamente aos dados comerciais dos SIR prescreve-se  a sua disponibilização, de forma não discriminatória, a todas as transportadoras participantes,  sendo que os prestadores de serviços de transportes não podem utilizá-los para influenciar indevidamente a escolha dos consumidores ou da agência de viagens.

O código de conduta representa um forte passo em direcção à liberalização do mercado dos CRS, alcançando-se nalguns aspectos uma total desregulamentação. Várias restrições foram removidas, outras modificadas e nalguns casos introduziram-se novas.

Não obstante a percepção de que se trata de uma matéria com alguma dificuldade de regulação é relativamente consensual a necessidade de manutenção  do código.

As companhias aéreas que primeiro cortaram os custos com os agentes de viagens, reduzindo ou mesmo suprimindo as comissões, insurgem-se numa segunda fase contra a alegada elevada remuneração dos GDS.  Algumas companhias áreas como a poderosa Lufthansa passaram há 3 anos atrás das palavras aos actos, apoiando os GNE também designados GDS low cost um fenómeno que despontou em 2005 nos EUA e que granjeou a simpatia das companhias aéreas americanas. Frustrada a iniciativa ainda se envolveu numa disputa com o GDS líder mundial.  Encerrada esta mediante um acordo, a companhia aérea anuncia que vai brevemente cobrar aos seus clientes que adquiram os bilhetes através de cartão de crédito uma taxa até 18€, sendo que ATM e transferência directa continuarão gratuitos. Dos GDS / agências de viagens a questão transferiu-se aparentemente para a banca e consumidores.

A solução direct-connect foi protagonizada nos Estados Unidos pela America Airlines criando um sistema para as agências de viagens reservarem directamente no seu sistema web em detrimento dos GDS – os que insistirem nas vantagens de uma oferta concentrada pagam entre 12 e 26€ tendo mais recentemente a Delta Airlines enveredado por uma solução semelhante.

Os GDS contrapõem com o pesado investimento e a elevada especialização traduzida em soluções tecnológicas de ponta, concentrando a oferta numa plataforma totalmente integradas, inalcançáveis ou pelo menos inacessíveis ao comum das empresas e um elevado número de pontos de venda. Aparentemente será mais vantajosa para as agências de viagens efectuarem as suas reservas a solução integrada de um só canal consubstanciada no GDS em vez de múltiplos canais correspondentes às diferentes companhias.

No início de Agosto,  foi dado o pontapé de saída para uma revisão alargada do Regulamento nº 80/2009, porventura uma das maiores de sempre, através de um questionário.  São cerca de meia dezena de questões sobre o Código de Conduta dos CRS, formuladas pela Comissão, as quais foram restritamente disponibilizadas à indústria do turismo, apontando-se para que o processo se encontre concluído no início de 2012.  

Esta revisão alargada do Código de Conduta dos CRS surge precisamente num período em que se reacende a disputa, adormecida durante anos, entre as companhias aéreas e os GDS. A entrada da Google no mercado da distribuição de viagens, as agências on-line, os GDS low cost e as tecnologias direct-connect desenvolvidas pelas companhias aéreas tornam compreensivelmente a revisão mais complexa.

 Publituris, n.º 1179, de 19 de Agosto de 2011, pág. 4


segunda-feira, 25 de julho de 2011

Turismo: dos Programas Eleitorais ao Programa do Governo

Em quase quarenta anos de regime democrático é a primeira vez que uma mulher ascende ao cargo de Secretária de Estado do Turismo.

Entre os programas eleitorais dos partidos políticos que formam a coligação governamental e o resultado final inscrito no Programa do XIX Governo existem como é natural algumas diferenças.

Do extenso Programa Eleitoral do PSD, algumas das propostas mais significativas não passaram para o Programa do Governo.

É o caso da desconcentração a favor da associação de municípios das competências de planeamento em matéria de turismo actualmente detidas pela administração central ao nível dos PROT.

O Programa Turismo Sénior Estrangeiro visando atrair a residência temporária ou permanente de reformados europeus com bons rendimentos médios em ordem a promover um maior financiamento da economia nacional e a promoção de “mega projectos” empresariais de escala internacional em áreas de desenvolvimento prioritário (ex: Turismo Residencial).

Preconiza-se também actuar no domínio da Náutica de Recreio e Turismo Náutico.

Do Programa do CDS o turismo marítimo como aposta (n.º 23), o turismo como sector absolutamente estratégico (n.º 25) e a oportunidade de recuperação económica que representa.

Após as eleições, no acordo político PSD-CDS, foi patente alguma secundarização do turismo, como se infere do seguinte excerto:

“O Governo valorizará os novos sectores estratégicos, designadamente os que têm maior impacto nos bens transaccionáveis, dando a devida prioridade à agricultura e florestas, à economia do mar e das pescas, ao turismo e à cultura, promovendo uma política de protecção ambiental e um desenvolvimento sustentado do território, sem descurar todos os restantes sectores que contribuam para o aumento da capacidade exportadora, que será crítica no curto e médio prazo para a criação de postos de trabalho e para o aumento do rendimento”.

Ora, a capacidade exportadora da agricultura e do turismo não são comparáveis nem o seu peso no PIB. O turismo tem uma capacidade de gerar emprego que nenhuma das outras actividades possui. A agricultura já a perdeu há muito, embora conservando vantagens assinaláveis no vinho, tal como as pescas que irresponsavelmente destruímos a frota em troca de subsídios. A economia do mar é uma moda, uma viragem legítima de que o jovem Pitta e Cunha é um defensor incansável, visionário e mobilizador e à qual o Presidente da República bem aderiu. Poderá a médio prazo ser importante para Portugal mas não o é actualmente. Podemos ter futuro em muita coisa, mas no turismo é já uma certeza, na qual podemos continuar a crescer, um percurso notável desde a década de sessenta.

A orgânica governamental acentuou esta menorização. O CDS que politicamente se interessa pelo sector da agricultura dá-lhe grande visibilidade com um ministério. Por seu turno, o turismo não tem, como era altamente expectável, ministério atenta a promessa expressa durante a campanha eleitoral da redução de ministérios e secretarias de Estado.

Diga-se, em abono da verdade, que não existiu um lobbying que evidenciasse a sua importância, quais as suas vantagens ao nível da exportação – se crescesse como outrora – poderia gerar receitas que atenuassem o pesado esforço colectivo que teremos de desenvolver nos próximos anos.

O argumento da redução dos ministérios levaria a que agricultura passasse a Secretaria de Estado, o da importância económica e social, que o turismo ascendesse a ministério.

Ainda se receou que a pasta do turismo ficasse com Almeida Henriques, se perdesse nas suas múltiplas atribuições, desaparecendo a Secretaria de Estado do Turismo. Felizmente, à última hora, acabou por se manter a SET para a qual foi pela primeira vez nomeada uma mulher em quase quatro décadas de regime democrático.

Passemos então ao Programa do XIX Governo em matéria de turismo.


Também as medidas corporizadas no Programa do Governo têm origem maioritariamente no Programa Eleitoral do PSD, apenas duas no seu parceiro de coligação.


Publituris n.º 1176, de 15 de Julho de 2011, pág. 4

quarta-feira, 29 de junho de 2011

A questão dos limites à criação de oferta de alojamento turístico

As limitações à oferta de alojamento turístico são há muito utilizadas em planeamento do turismo e em nada afectam, antes beneficiam, a iniciativa privada e a liberdade empresarial.

1) Liberdade empresarial e planeamento turístico

O desenvolvimento turístico ibérico tem-se baseado num modelo de crescimento extensivo, assente no aumento continuado do número de visitantes sem atender à capacidade de carga do território, entre nós raramente fixada, com as notáveis excepções dos planos de ordenamento turístico da Madeira e dos Açores.

Conferiu-se prioridade aos benefícios de curto prazo, à criação de uma oferta homogénea e estandardizada e à escassa presença da cultura e das tradições locais na configuração dessa oferta assim como uma forte pressão ambiental que provoca impactos na qualidade ambiental e paisagística do território. Trata-se de um modelo pouco sustentável que perdurou ao longo de cinco décadas.

Em Portugal assistimos nos últimos dez anos a um significativo crescimento da oferta hoteleira apesar de uma estagnação dos fluxos de turistas estrangeiros.

Nesta matéria tem sido avançado com alguma frequência o argumento de que não cabe ao Estado limitar o investimento, condicionar a liberdade empresarial de investir em mais camas turísticas, designadamente na cidade de Lisboa, de que ninguém vai fazer um investimento de milhões sem analisar cuidadosamente a sua viabilidade.

Trata-se, porém, de um argumento que ignora a compatibilidade, para não dizer indispensabilidade de um sistema de planeamento turístico com a liberdade de empresa.

Sem intuito exaustivo refiro de seguida algumas limitações possíveis.

2) Zona turística saturada

A declaração de zona turística saturada, que se traduz em limitações de novas actividades turísticas maxime o alojamento, poderá afectar os municípios ou localidades em que ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
  1. Ultrapassar a capacidade de carga estabelecida, tendo em conta o número de camas turísticas por habitante ou a densidade populacional;
  2. Existir uma procura que crie situações de incompatibilidade com a legislação ambiental.

Trata-se de uma figura crescentemente utilizada nos planos de ordenamento turístico da vizinha Espanha.

3) Requisitos progressivamente mais exigentes em ordem a uma maior qualidade da oferta

Outro dos princípios do planeamento é a procura de um turismo de maior qualidade através do aumento dos parâmetros exigíveis, induzindo a melhoria e modernização dos estabelecimentos. Uma das ideias chave é a de exigir mais e melhores requisitos aos estabelecimentos turísticos procurando que tenham a dimensão e estejam dotados de instalações que permitam um turismo de maior qualidade.

Uma das medidas para melhorar a qualidade dos estabelecimentos é a fixação de densidade mínima, por exemplo de 30 m2 de solo por cada cama turística (ratio turístico, Baleares, 1984), a necessidade da criação de zonas verdes de uso privado, instalações desportivas e recreativas para os clientes e uma piscina com determinadas dimensões e características.

Em 1987, também nas Baleares, aumentou-se o ratio turístico para 60 m2 por cama impondo-se outras restrições à construção e abertura de estabelecimentos de alojamento:

  • autorização prévia para os estabelecimentos de alojamento turístico antes de lhes ser concedida a licença municipal de obras;
  • 60 m2 por cama, devendo uma parte destinar-se a jardins e instalações desportivas ou recreativas de uso comum para os clientes;
  • piscina com determinadas dimensões;
  • apenas permitir a instalação de estabelecimentos no topo da classificação (quatro e cinco estrelas);
  • mecanismos para fomentar a reconversão de hotéis obsoletos, permitindo em certas circunstâncias a sua substituição por outros com melhor categoria.



4) Alojamento local e utilização de edifícios existentes em empreendimentos turísticos novos

Uma das maiores inovações do RJET consistiu na introdução da figura do alojamento local, um instrumento com grandes potencialidades para enquadrar o denominado alojamento paralelo, clandestino ou não classificado (art.º 3º).

No entanto, as dificuldades burocráticas sentidas pelos empresários ao nível do licenciamento de empreendimentos turísticos, tem motivado que algum investimento em novas unidades tenha vindo a ser canalizado para esta figura, pois, tratando-se de um processo de simples registo nas câmaras municipais, é bastante mais rápido e menos oneroso.

Trata-se, no entanto, de um desvirtuamento da figura que importa inflectir. As intenções que presidiram à sua criação – recuperar para a legalidade uma oferta significativa há muito existente no terreno – e o perigo de um abaixamento da qualidade da nossa oferta de alojamento turístico são razões mais que suficientes.

No novo sistema de classificação introduzido em 2008 a utilização de edifícios existentes para novos empreendimentos turísticos é premiada com 15 pontos. Apesar de a medida ser muito positiva, importa reforçá-la indo até ao máximo (30 pontos). A poupança de solo e a recuperação / reconversão dos nossos centros urbanos justificam plenamente o reforço da medida.

Publituris n.º 1172, de 17 de Junho de 2011, pág. 4

terça-feira, 14 de junho de 2011

A regulamentação do Fundo de Garantia de Viagens e Turismo

A Portaria n.º 224/2011, de 3 de Junho, aprovou o Regulamento do Fundo de Garantia de Viagens e Turismo (FGVT), um dos aspectos mais controvertidos da nova lei das agências de viagens (Decreto-Lei n.º 61/2011, de 6 de Maio).

Trata-se de um fundo que goza de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, patrimonial e financeira, que tem sede em Lisboa nas instalações do Turismo de Portugal, IP que lhe disponibiliza, em ordem ao respectivo funcionamento, os serviços técnicos e administrativos (art.º 2.º).

Os objectivos do fundo (art.º 3.º) estão em sintonia, como se impõe em sede regulamentar, com o n.º 2 do art.º 31.º da nova LAVT, assegurando o pagamento dos créditos dos consumidores decorrentes do incumprimento de serviços contratados a agências de viagens abrangendo:
  1. O reembolso dos montantes entregues pelos clientes em todo o tipo de viagens e não apenas nas viagens organizadas como sucedia na lei anterior.
  2. O reembolso das despesas suplementares suportadas pelos clientes em consequência da não prestação dos serviços (o hotel não aceita a reserva do operador e o cliente teve de pagar do seu bolso a estada) ou da sua prestação defeituosa (o campo de golfe não se encontrava em condições tendo o cliente de jogar noutro campo a suas expensas – a piscina do hotel entrou em obras e o cliente teve de frequentar uma nas proximidades tendo de suportar as entradas). Abrangendo, tal como na situação anterior, todo o tipo de viagens e não apenas os pacotes turísticos.

Já se encontrava prevista na nova LAVT e a portaria reitera a exclusão do FGVT dos créditos dos consumidores relativos à compra isolada de bilhetes de avião na condição de a não concretização da viagem não ser imputável às agências de viagens o que sucederá manifestamente no caso de insolvência da companhia aérea.


A polémica responsabilidade solidária do FGVT pelo pagamento dos créditos dos consumidores na condição de a agência de viagens incumpridora se encontrar inscrita no Registo Nacional das Agências de Viagens e Turismo (RNAVT) e tenha efectuado a respectiva contribuição encontra-se prevista no art.º 4º.

Tirando a possibilidade de as agências de viagens pagarem logo no acto de inscrição no RNAVT a totalidade da contribuição – 6.000 € para as agências vendedoras e 10.000 € para as agências organizadoras e as que sejam simultaneamente vendedoras e organizadoras – o art.º 5.º reproduz o art.º 32.º da nova LAVT.

Assim, o pagamento desta nova garantia apresenta-se em regra de uma forma faseada: aquando da inscrição no RNAVT as agências vendedoras pagam uma contribuição inicial de 2.500 € e as organizadoras (e/ou também vendedoras) de 5.000 €. Farão subsequentemente contribuições anuais até 31 de Agosto no valor de 0,1% do volume de negócios do ano anterior – o apuramento é realizado através da IES – até completarem os 6.000 € e 10.000 € respectivamente.

Existem três possibilidades para o accionamento do FGVT (art.º 6.º):
  1. Sentença judicial ou decisão arbitral;
  2. Decisão do Provedor do Cliente da APAVT;
  3. Requerimento solicitando a intervenção da comissão arbitral prevista no art.º 34.º da nova LAVT apresentado nos 30 dias subsequentes ao termo da viagem.

Nos dois primeiros casos o montante já está apurado pelo tribunal judicial, centro de arbitragem ou provedor do cliente enquanto que no terceiro depende da decisão da comissão arbitral que dê provimento, no todo ou em parte, ao peticionado pelo consumidor.

O accionamento do fundo de garantia em consequência do dano moral judicialmente reconhecido decorrente da frustração de férias que se vai afirmando por essa Europa fora, como sucede nos tribunais alemães e italianos, poderá apresentar-se como uma questão complexa entre nós designadamente se integra a facti species “créditos dos consumidores decorrentes do incumprimento dos serviços contratados a qualquer agência de viagens inscrita no RNAVT”.

Uma vez efectuado o pagamento ao consumidor, prevê-se, inovadoramente, em sede regulamentar, que se não existir reposição por parte da agência incumpridora possa ocorrer uma situação de sub-rogação legal (art.º 7.º).

Para além da contribuição inicial e anual das agências de viagens prevê-se que o FGVT disponha de outras receitas como rendimentos decorrentes de aplicações financeiras, reembolsos decorrentes da sub-rogação nos direitos do consumidor referida no art.º 7.º, liberalidades e, por fim, quaisquer outros meios financeiros que sejam atribuídos ou consignados por lei, acto ou contrato (art.º 8.º).

Como referi anteriormente, a contribuição inicial e as subsequentes não libertam as agências de viagens deste encargo. A qualquer momento podem ser chamadas a contribuírem novamente para o FGVT quando este ultrapassar o limiar mínimo de 1.000.000 € mantendo-se a contribuição anual até que perfaça 4.000.000 € (art.º 9.º e n.º 5 do art.º 32.º da LAVT), o valor que o legislador aponta para esta nova garantia. De forma eufemística determina-se que a reposição se fará preferencialmente através das receitas próprias e só em caso de insuficiência através das contribuições anuais das agências de viagens.

Limita-se, porém, a contribuição anual a 2.500 € para as agências vendedoras e 5.000€ para as agências organizadoras ou vendedoras e organizadora.

Prevê-se um conselho geral não remunerado presidido por um representante do Turismo de Portugal, IP, Direcção-Geral do Consumidor, APAVT e DECO (art.º 11.º) e a instituição de um fiscal único (art.º 13.º).


Encerra-se a regulamentação com a possibilidade de a gestão do FGVT ser cometida a uma sociedade financeira (art.º 15.º).

A Portaria hoje publicada regulamenta um dos aspectos mais questionáveis da nova Lei das Agências de Viagens, como é natural não trás matéria nova, apenas pormenoriza e desenvolve uma lei anterior.

Há pois que aguardar pela intervenção da Assembleia da República através do mecanismo de apreciação parlamentar.

Publituris on-line, 6 de Junho de 2011