Está marcado para o início de Junho a entrada em vigor da nova Lei das Agências de Viagens, após publicação em Diário da República, no dia 6.
Liliana Cunha
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O secretismo que envolveu todo o processo e do qual apenas a APAVT tinha conhecimento começa por ser a crítica de Carlos Torres, colaborador do Publituris. O advogado considera que se o envolvimento tivesse chegado às empresas, ter-se-ia conseguido uma maior reflexão e todos os pontos teriam sido ouvidos e ponderados. Como não foi o caso, cabe ao Governo a responsabilidade do resultado final.
Numa breve análise sobre o documento publicado a 6 de Maio, em Diário da República, ressalta a aplicação do Fundo de Garantia, tido como “solidário” e já muito comentado e criticado no sector. Mas, para Carlos Torres, este não é o único aspecto negativo.
Admitindo-se que a Directiva de Bolkestein é incontornável, pelo seu carácter europeu, o advogado começa por referir que “em nenhum sector da economia portuguesa as empresas respondem pelos erros de gestão ou fraudes das suas congéneres” e recorda que a “caução e o seguro de responsabilidade civil são garantias dos consumidores impostas pela Directiva 90/314/CEE (pacotes turísticos) que foi publicada há mais de vinte anos e não pela Directiva Bolkestein”. Nesse sentido, na sua opinião, “teria sido mais sensato que se aguardasse pela revisão da Directiva 90/314/CEE que a Comissão anunciou para este ano de 2011, e se existem alterações relativamente à caução introduzi-las aquando do processo de transposição”.
Paralelamente, anunciar a criação de um novo registo das agências de viagens “é enganador. Essa obrigação existe desde 2007 e se tivesse sido cumprida pelo Turismo de Portugal, os consumidores que recorreram aos serviços da Marsans poderiam ter consultado neste registo público o montante da caução”.
E se o Fundo de Garantia é criticável pelo segmento de outgoing, na divisão da importação a interpretação não é diferente. “Até agora, a lógica da caução, que apenas respeita aos pacotes turísticos (viagens organizadas), não lhes era, em regra, aplicável porquanto as contratações dominantes são as viagens individuais ou de grupo por medida e/ou representação de agências ou operadores estrangeiros, pelo que pagavam o valor mínimo. Ao abranger todo o tipo de viagens, além de contribuírem para o Fundo nos mesmos termos que um grande operador turístico, passam a responder pelos erros de outras empresas que ocorrem mais frequentemente no capítulo da exportação. Veja-se o sempre invocado caso Marsans”. E isto acontece, ressalva, “num contexto em que o turismo se assume como um dos motores mais importantes para a recuperação da economia pela vertente das exportações”.
Por esta razão, Carlos Torres, que é também o interlocutor de várias redes de agências de viagens junto do Governo que será eleito a 5 de Junho, defende que o turismo nacional vive “numa política sem nexo”.
LAVT EM INÍCIO DE JUNHO
A entrada em vigor da nova Lei coincide com as eleições legislativas marcadas para dia 5 de Junho. Para essa altura fica também agendada uma reunião entre o representante de várias redes de agências (GEA; Best Travel, Airmet e RAVT), Carlos Torres na Assembleia da República, com vista a pedir uma revisão sobre o Fundo de Garantia. A informação partiu de Pedro Gordon que é peremptório ao afirmar que o agrupamento está em total desacordo com o mesmo. Além desta “pool” de redes, sabese que a própria APAVT pediu o mesmo, estando agora a reunir com os vários partidos políticos. Paulo Mendes, da Airmet, continua a defender que “o modelo do Fundo de Garantia apenas tem em vista garantir o cash flow no Estado” e dá, mais uma vez, o exemplo da transposição feita em Espanha onde se optou por aumentar o valor das cauções.
“Um incentivo à fraude” é como João Barbosa classifica a nova Lei. Estando a Best Travel em “consonância com a posição da APAVT”, Barbosa menciona que esta “é uma matéria sensível” e a principal crítica que deixa é a existência do Fundo de Garantia. No entanto, acredita que “se o Governo detectar que as coisas estão mal feitas, avançará para a sua correcção”. Nesse sentido, volta a citar a APAVT quando esta defende como melhor opção o seguro de caução global em favor do Turismo de Portugal, já que, assim, existe a vantagem de se repercutir o valor real dos associados”.
Menos confiante na mudança de posição do próximo Governo em relação à Lei, está Maria José Silva. A responsável da RAVT, que caracteriza o Fundo como “solidário e por isso inconcebível”, tece mais críticas. Entre elas, a diferenciação entre agências organizadoras e vendedoras, pois, seguindo este caminho “daqui por uns tempos só existirão as agências produtoras”. Outro panorama que antecipa é o facto de as agências começarem a juntar-se para deterem um único registo de actividade. “Já se sabe que hoje existem muitas agências a usarem os alvarás de outras. O que vai acontecer é que essas agências acabarão por actuar apenas com um registo”.
Admitindo ter conhecimento de agências que já ponderam fechar portas por falta de liquidez devido ao investimento que vão ter de fazer, Maria José Silva conclui que este modelo “só incita à aldrabice”. E falando em investimento, recorda um outro pormenor que se prende com o facto dos reclames, promoções, cartões, brochuras terem de ser totalmente alteradas para figurar o novo número de registo da agência. “Além dos cinco mil euros, porque somos todas produtoras, ainda temos mais este investimento, e esta é uma altura complicada para estar a aplicar todo este dinheiro”. Em jeito de conclusão, e antecipando o futuro, Maria José Silva afirma que, nestes moldes, “o mercado vai perder uma boa percentagem de agências de viagens, dandose, cada vez mais azo a franchisings, grupos, etc”.
APAVT CONFIRMA “PIORES RECEIOS”
A APAVT apresentou a sua posição face à nova Lei destacando que como elemento positivo está a consagração do Provedor do Cliente. No entanto, são vários os aspectos negativos que aponta, começando por denunciar a distinção entre agências consoante o tipo de actividade, pois “uma agência vendedora que tenha um volume de vendas de viagens organizada de 10 milhões contribui para o fundo, pelos mesmos valores que uma agência que venda apenas 10.000,00 das mesmas viagens”. Ou seja, “a agência maior satisfaz mais rapidamente o tecto da sua contribuição, enquanto a agência de menor dimensão é obrigada a ter uma avença com o estado num longo período de tempo, até perfazer esse mesmo tecto”.
Por outro lado, a APAVT coloca em questão a posição das agências de incoming “que na esmagadora maioria ou totalidade das suas transacções vendem b2b e b2c a empresas e cidadãos estrangeiros, que não podem recorrer ao FGVT? Pretende o Estado que essas empresas deixem de ser agências de viagens?”, pergunta a Associação.
Outro dos aspectos negativos apontados assenta na “permissão de concorrência directa do Estado e através de entidades por si subsidiadas às empresas privadas”. Entendendo que não cabe ao estado intervir/concorrer com operadores do mercado, a APAVT considera que a novo documento “permite a comercialização de produtos e serviços turísticos (excepto viagens organizadas) por entidades públicas, por entidades em que o Estado participe ou tenha contribuído com capitais públicos para a sua implementação”, falando-se aqui de portais web subsidiados pelo Governo ou câmaras municipais, por exemplo, que até à data serviam para a promoção de Portugal, mas que agora se tornam “fiscalmente mais competitivos”, dado que as agências estão sujeitas a uma disciplina fiscal própria em sede de IVA. “Note-se que, a errada interpretação que o Governo insiste em manter a nível das regras do IVA faz com que um serviço comercializado pelo portal seja mais barato 18% do que o mesmo serviço se contratado numa agência de viagens”, violando-se regras de concorrência.
A APAVT entende ainda, como factor negativo, o tratamento discriminatório das empresas portuguesas face às estrangeiras. Citando os princípios de Bolkstein, cuja transposição na generalidade elogia, e lembrando que “as agências de viagens que operam num determinado Estado Membro poderão, em síntese, exercer a sua actividade noutro Estado Membro sem que para tal lhe possam ser exigidas prestações diferentes daquelas que lhe são exigidas no seu Estado de origem”, a Associação diz ter a certeza de que as “agências estrangeiras começarão a operar em Portugal sem apresentarem as Garantias que são exigidas às agências portuguesas”. É por isto, uma má técnica legislativa e cria um regime de desfavor das empresas nacionais, levando os consumidores a terem dois pesos e duas medidas na apreciação de reclamações em termos de garantias.
A finalizar o leque de críticas, está a responsabilização colectiva das empresas pelas (más) práticas das outras pela criação do Fundo de Garantia, já que a “liberalização do sector constitui uma janela de oportunidade para as empresas, mas a questão das garantias a prestar merece a frontal oposição da associação”. Neste capítulo, a Associação afirma ainda que também a DECO apresenta a sua oposição “ao regime impositivo que o Governo entendeu estabelecer e que acabou por prevalecer”.
Ao concluir e depois da publicação do documento, “a APAVT confirmou os seus piores receios, ou seja, de que efectivamente o regime de Garantias estava a ser mal aplicado e mal controlado pelo Governo e pela Administração Pública”, estando assim “aberta a porta, através deste regime da solidariedade obrigatória, para que uma empresa possa ludibriar os seus clientes, recebendo verbas, que podem ser avultadas (veja-se o caso Marsans, onde chegámos a valores a rondar o meio milhão de euros) sabendo que todas as outras empresas do sector irão pagar os prejuízos causados”.
Publituris n.º 1167, de 13 de Maio de 2011, págs. 8 e 10