Estando perante uma boa proposta de solução há que afastar o carácter solidário do fundo – o processo legislativo ainda não terminou - e para que este seja sustentável introduzir, para além de um limite anual global, um limite de responsabilidade de cada agência proporcional à sua facturação.
À hora de almoço da passada terça-feira, 31 de Janeiro, APAVT e SET emitiam comunicados separados, intervalados por escassos minutos, sobre a revisão da LAVT. O primeiro bastante desenvolvido, o segundo lacónico.
A data corresponde ao compromisso que a SET havia assumido na Assembleia da República aquando da apreciação parlamentar em 2 de Dezembro de 2011. É politicamente salutar que tenha sido respeitado, tanto mais que a data limite havia sido da sua iniciativa. Assim como é salutar que a SET, não obstante a crescente contestação que enfrenta decorrente da alteração do estatuto do Turismo de Portugal, IP e da anunciada modificação das entidades regionais de turismo, tenha resistido à intenção de o fundo de garantia – solidário – ser gerido pela associação.
Parece-me mais adequado que dinheiros afectos a uma finalidade pública fiquem em mãos públicas até porque a APAVT não congrega a totalidade das empresas e, embora não seja expectável a curto prazo, existe sempre a possibilidade de no futuro se constituírem outras associações empresariais.
1) Dificuldades de compatibilização do fundo de garantia com a Directiva Bolkestein
A imposição de um sistema de contribuição obrigatória para o fundo de garantia – ainda para mais com a característica da solidariedade – relativamente aos operadores turísticos de outros Estados-membros não é aparentemente compatível com a Directiva Bolkestein os quais podem invocar a criação de entraves por parte da legislação portuguesa à liberdade de estabelecimento ou da prestação de serviços.
A Directiva n.º 90/314/CEE que disciplina as viagens organizadas, comummente designadas por pacotes turísticos, apenas impõe que estejam assegurados, em caso de insolvência do operador e/ou agência, partes no contrato de viagem, meios de garantia suficientes em ordem ao reembolso dos fundos depositados e repatriamento do consumidor (aspecto relativo ao seguro de responsabilidade civil).
Ou seja, demonstrando a existência de uma caução (banco ou seguradora) e de um seguro de responsabilidade civil por parte de um operador turístico doutro Estado-membro está cumprida a obrigação decorrente da Directiva n.º 90/314/CEE de existirem garantias em caso de insolvência ou de falência.
Fica o alerta.
2) A renovação das cauções pela banca ou pelas seguradoras tem decorrido com normalidade pelo que o sistema largamente dominante na União Europeia poderia perfeitamente ter sido mantido até à revisão da Directiva dos pacotes turísticos
A experiência mostra que as empresas têm conseguido renovar as cauções, seja através dos bancos ou por intermédio das seguradoras. Não é pois verdade que as PME’s com um mínimo de saúde financeira estejam a sentir dificuldades neste âmbito e realçar este aspecto é importante porque o fundo de garantia é apresentado como uma inevitabilidade em razão da impossibilidade quase absoluta de as empresas renovarem as suas cauções junto da banca ou das seguradoras quando ocorreram nos últimos meses largas dezenas de renovações.
O encargo que as PME’s suportam por esta garantia aos consumidores ronda em média 400 € anuais pagos aos bancos ou às seguradoras. Há quem pague menos – ou até nem suporte nenhum custo quando esta garantia está associada a um conjunto de serviços bancários – mas há quem pague bastante mais, 700 € ou mesmo 1.000 €.
Para as agências de viagens licenciadas aquando da entrada em vigor da nova LAVT, a contribuição inicial de 2.500 € ou 5.000 € (esta seria a situação regra) deveria ser efectuada até 5 de Junho de 2012. Se o actual Governo encontra uma solução em que as PME’s paguem tão somente 350 € no escalão mais baixo, isso é positivo. A preocupação expressa no parlamento pela Secretária de Estado do Turismo relativamente à tesouraria das PME’s traduziu-se efectivamente numa boa solução.
As PME’s não têm de suportar em Junho próximo a contribuição inicial de 5.000 € e o que pagariam anualmente à seguradora ou ao banco – o seguro de responsabilidade civil é naturalmente um aspecto independente – é pago ao fundo de garantia. A maioria não fica prejudicada e uma parte significativa sai até beneficiada em termos de custos anuais.
Uma vantagem adicional: os agentes de viagens ficam libertos no futuro das crescentes exigências por parte da banca ou das seguradoras relativamente à renovação anual das cauções, que nalguns casos tem vindo a passar pela prestação de garantias pessoais.
3) Um sector que já evidencia uma forte protecção do consumidor contrastando com as companhias aéreas como se demonstra no recente caso Spanair
Impõe-se uma tomada de consciência de que existe uma significativa desproporção das garantias prestadas pelas agências de viagens aos consumidores comparativamente a outros prestadores de serviços na área do turismo, designadamente empreendimentos turísticos, companhias de aviação e empresas de animação.
Com efeito, numa situação de insolvência, apenas as agências de viagens - na sua maioria PME’s – garantem o reembolso das quantias entregues pelos consumidores.
Numa cadeia de hotéis, numa companhia de aviação ou numa empresa de animação todas as quantias entregues pelos consumidores não se encontram asseguradas por nenhum mecanismo de protecção dos consumidores como a caução (designadamente através de uma entidade bancária ou seguradora) mas pela massa falida.
Em Espanha as associações reclamam na sequência do caso Spanair a criação de um fundo de garantia para proteger os consumidores no caso de insolvência de companhias aéreas em Portugal o assunto não é abordado e exigem-se garantias verdadeiramente desproporcionadas às agências de viagens.
4) A solidariedade compromete uma boa solução
Apesar de me parecer preferível o sistema da caução – um historial de protecção do consumidor muito satisfatório com quase 20 anos – reconheço, como referi, que a proposta governamental é benéfica para um elevado número de PME’s: o que pagam anualmente às seguradoras ou aos bancos é transferido para o fundo de garantia. Menos uma preocupação numa época de crescentes dificuldades.
No entanto, a manutenção da solução da solidariedade – agora com o expresso apoio da APAVT – acaba por comprometer todo o bom trabalho anterior. Transforma uma boa solução numa má solução. Incompreensível até em razão das fortíssimas críticas de Mendes Bota na Assembleia da República rotulando o fundo de solução colectivista mercê da solidariedade e do incentivo à fraude que comporta.
Como se compreende que um agência de viagens gere reembolsos aos consumidores através do fundo de garantia de um milhão de euros, quando pagou uma quantia insignificante e sejam as demais empresas concorrentes a suportar o prejuízo?
O consumidor goza nalgum sector de uma protecção praticamente ilimitada? Na banca, nos seguros ou em qualquer actividade económica os concorrentes suportam os prejuízos decorrentes de fraudes de congéneres que encerram portas? Um consumidor que tenha depositado um milhão de euros, em caso de falência de um banco, recebe um milhão de euros ou é assegurada tão somente uma protecção mínima?
Faz sentido um sistema que é objectivamente um incentivo a mega fraudes?
Do ponto de vista das PME’s do sector – um significativo número não ultrapassa um milhão de euros de facturação – julgo que é assaz positivo uma contribuição anual de 350 €. Ponto é que se trate de uma contribuição anual única impondo-se para o efeito afastar o carácter solidário do fundo e para que este seja sustentável há que introduzir, para além de um limite anual global, um limite de responsabilidade de cada agência proporcional à sua contribuição, tal como sucede no sistema de caução em que existe um limite mínimo (25.000 €) e máximo (250.000 €) de responsabilidade.
(continua)
In Publituris n.º 1201, de 3 de Fevereiro de 2012, pág. 4