terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Aviação: o conflito do carbono na União Europeia

Uma medida ambiental que pode afectar significativamente os nossos principais destinos turísticos dada a forte dependência do transporte aéreo.

A Directiva n.º 2008/101/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 19 de Novembro de 2008 alterou a Directiva n.º 2003/87/CE por forma a incluir as actividades da aviação – a partir de 1 de Janeiro de 2012 – no regime de comércio de licenças de emissão de gases com efeito de estufa na Comunidade [UE Emissions Trading Scheme (ETS)], enquanto elemento central da política europeia em matéria de luta contra as alterações climáticas.

No passado dia 21 de Dezembro, o Tribunal de Justiça da União Europeia (processo C-366/10 Air Transport Association of America e o. / Secretary of State for Energy and Climate Change) decidiu que a referida directiva, que inclui actividades de aviação no regime comunitário de comércio de licenças de emissão de CO2, é válida.

Deste modo, todas as companhias aéreas – a medida não se restringe às companhias europeias abrangendo as de países terceiros – deverão comprar e devolver licenças de emissão para os seus voos com origem e destino nos aeroportos europeus.

A forte resistência das companhias aéreas e das suas associações maxime as dos EUA e Canadá levou o caso aos tribunais ingleses procurando destruir os efeitos da aplicação da Directiva n.º 2008/101/CE. Como é normal nestas situações, o tribunal nacional remete (reenvio prejudicial) a questão para o tribunal europeu, pelo que o High Court of Justice of England and Wales (Reino Unido) veio perguntar ao Tribunal de Justiça se a referida directiva é válida à luz de várias disposições de direito internacional convencional (Convenção de Chicago, Protocolo de Quioto e o denominado Acordo «Céu Aberto») e consuetudinário (v.g. soberania dos Estados sobre o seu espaço aéreo, a ilegitimidade das reivindicações de soberania e a liberdade de voo sobre o alto mar).

Entre outros aspectos, o tribunal europeu entendeu que a directiva não viola a obrigação de isentar o combustível de direitos, impostos e taxas, como é imposto pelo Acordo «Céu Aberto», porquanto não existe uma ligação directa e necessária entre a quantidade de combustível armazenada ou consumida por um avião e o custo concreto que incumbe à respectiva companhia, no âmbito do funcionamento do regime de comércio de licenças (ETS).

Com efeito, existem dois aspectos fundamentais a considerar que precludem a relação directa e necessária entre o combustível e os encargos a suportar:

1º) Número de licenças atribuídas à companhia aérea;
2º) Preço no mercado quando a aquisição de licenças suplementares é necessária para cobrir as emissões.

Ou seja, pode suceder que uma companhia, não obstante ter armazenado ou consumido consideráveis quantidades de combustível, não venha a suportar qualquer encargo decorrente da sua participação no referido regime. Pode inclusivamente realizar mais valias cedendo, a título oneroso, licenças de que não necessite.

Já em Janeiro, a Lufthansa foi a primeira companhia a reagir anunciando que o sistema vai induzir o aumento dos preços, na medida em que terá de suportar custos adicionais de 130 milhões € em 2012 e que sendo as alterações climáticas um problema global carece de uma resposta global. Defende que o sistema ETS vai gerar maiores custos para os consumidores nos voos de e para a Europa, distorcendo a concorrência e com impacto na sustentabilidade da aviação.

Em meados de Dezembro, quando já se adivinhava a decisão do tribunal europeu, o Departamento de Transportes norte americano solicitou a sete transportadoras dos EUA e a companhias aéreas da UE informações como o sistema ETS as vai afectar. Propósito meramente informativo ou a preparação do terreno para a retaliação, só o futuro o dirá.

Pouco depois Washington reiterou a sua oposição de longa data com o plano da UE, desta vez ao mais alto nível. A secretária de Estado Hillary Clinton e o secretário dos Transportes Ray LaHood escreveu para vários comissários da UE instando a UE a suspender a execução das novas regras e a negociar com outros governos sobre a forma de limitar as emissões de CO2 das companhias aéreas ao nível mundial. Ao lado dos EUA alinham as vozes da China, Rússia e Canadá (que saiu recentemente de Quioto para não pagar uma pesada contribuição decorrente do excesso de emissões).

O impacto de uma medida ambiental desta natureza num destino turístico periférico como Portugal continental, que está fortemente dependente das ligações aéreas, será certamente significativo. Quando pensamos em destinos ultra-periféricos como os Açores e a Madeira as preocupações aumentam. Impõe-se, assim, uma redobrada atenção na evolução deste conflito do carbono que opõe a União Europeia à poderosa IATA e a alguns gigantes mundiais como os EUA, China e Rússia por forma a que possamos salvaguardar as nossas especificidades.


In Publituris n.º 1197, 6 de Janeiro de 2012, pág. 4