segunda-feira, 2 de abril de 2012

Tribunal de Justiça (UE): accionamento da garantia numa situação de fraude do operador turístico, informação transparente, assistência devida pela transportadora aérea no caso da nuvem vulcânica

Diferentemente do tribunal alemão nenhumas dúvidas se suscitaram entre nós num caso semelhante (Marsans) que, em razão do comportamento fraudulento da agência de viagens, a sua caução não pudesse ser accionada.
A efectiva protecção dos consumidores passa pela criação de manuais de boas práticas para situações de insolvência das companhias aéreas porquanto os modelos de supervisão adoptados pelos Estados-membros não estão vocacionados para esta vertente como recentemente foi destacado pelo Parlamento Europeu.

A actividade do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) bem como dos tribunais dos Estados-membros em matéria de protecção dos consumidores no domínio das viagens tem sido particularmente intensa nos últimos meses. Abordarei, de forma sucinta, três recentes decisões do TJUE com bastante interesse.

1) TJUE: Insolvência fraudulenta de operador turístico (16 de Fevereiro de 2012; processo n.º C-134/11)

O art.º 7.º da Directiva 90/314 – que está na origem do nosso sistema de caução e ultimamente do fundo de garantia – estabelece: “O operador e/ou agência que sejam partes no contrato devem comprovar possuir meios de garantia suficientes para assegurar, em caso de insolvência ou de falência, o reembolso dos fundos depositados e o repatriamento do consumidor.”.

Em Agosto de 2009 um casal alemão (Blödel-Pawlik) reservou e pagou uma viagem organizada junto de um operador turístico (Rhein Reisen) que não se efectuou, decorrendo da análise da conta bancária deste último que nunca teve a intenção de a realizar revelando um comportamento fraudulento de desvio das verbas dos consumidores.

A seguradora (HanseMerkur) com a qual o operador turístico havia contratado um seguro de insolvência – à semelhança do nosso sistema de caução – negou o reembolso das quantias entregues pelo casal pela circunstância de a não realização da viagem se dever exclusivamente ao comportamento fraudulento do operador não estando, do seu ponto de vista, abrangida pelo artigo 7.º da Directiva 90/314.

Na mesma linha, também o Tribunal de Hamburgo duvidou que a Directiva 90/314 proteja os consumidores contra as manobras fraudulentas dos operadores turísticos pelo que submeteu ao TJUE a seguinte questão: “O artigo 7.º da (Directiva 90/314) é também aplicável aos casos em que o operador se torne insolvente por, desde o início, ter recebido o dinheiro dos clientes com intenção fraudulenta, utilizando-o na totalidade para fins estranhos à viagem, que nunca tencionou organizar?”.

O TJUE elege um conjunto de fundamentos, designadamente que o preceito não faz depender a garantia financeira de nenhuma condição específica relativamente às causas de insolvência do operador turístico e o objectivo de a referida normação comunitária garantir um elevado nível de protecção dos consumidores pelo que o mencionado art.º 7.º da Directiva 90/314 “deve ser interpretado no sentido de que é abrangida pelo seu âmbito de aplicação uma situação em que a insolvência do operador turístico se deve a um comportamento fraudulento deste.”.

2) TJUE: Comparação das tarifas (3 de Março de 2012; processo n.º C-112/11)

De harmonia com as conclusões do advogado-geral Ján Mazák, tomando em consideração o Regulamento (CE) n.º 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de Setembro de 2008 sobre normas comuns para a exploração de serviços aéreos na comunidade, o qual tem por finalidade proporcionar uma maior transparência nas tarifas para os voos com partida na União Europeia, as agências não podem incluir de forma automática os seguros de viagem na venda de bilhetes de avião.

Com efeito, um dos objectivos do Regulamento (CE) n.º 1008/2008 é o de que os clientes possam comparar de forma efectiva os preços dos serviços aéreos das diferentes companhias aéreas. Assim, o preço final a suportar pelo cliente pelos serviços aéreos prestados com partida na Comunidade deverão ser sempre indicados, incluindo todos os impostos, encargos e taxas (art.º 23.º e 16.º considerando).

Ainda, de harmonia com o preceito, os suplementos de preço opcionais, devem ser comunicados de forma clara, transparente e não dúbia no início de qualquer processo de reserva. A sua aceitação deve resultar de uma opção deliberada do passageiro.

Complementarmente, as transportadoras aéreas comunitárias são também incentivadas a indicar os preços finais dos serviços aéreos prestados de países terceiros para a Comunidade.

O ebookers.com é um portal on line de viagens que oferece bilhetes de avião, indicando na parte superior direita os custos da viagem, surgindo junto à tarifa um item referindo os impostos e taxas e outro relativo ao seguro de anulação.

Uma associação alemã de consumidores interpôs no Oberlandsgericht de Colónia uma acção contra esta prática de inclusão automática do seguro de viagem na tarifa aérea.

O tribunal alemão no âmbito de um pedido de decisão a título prejudicial (o Tribunal Nacional dirige-se ao Tribunal de Justiça para que esclareça a interpretação de um elemento do direito da UE) questionou se tais serviços prestados por terceiros – a companhia de seguros é jurídica e economicamente independente da companhia aérea – incluídos no preço global da tarifa aérea constituem suplementos opcionais do preço que deverão ser oferecidos numa perspectiva de opção do consumidor e não de inclusão automática.

Segundo as conclusões do advogado-geral as agências não podem incluir automaticamente os seguros de viagem na venda de bilhetes de avião. Em qualquer processo de reserva os serviços extras devem apresentar-se de uma forma clara. A sua aceitação por parte do cliente deve resultar de uma opção deste e não de uma inclusão automática no preço.

3) TJUE: Assistência pela transportadora no caso da nuvem vulcânica (22 de Março de 2012; processo n.º C-12/11)

O processo foi despoletado num tribunal de Dublin e prende-se com o cancelamento de voos na sequência do vulcão irlandês Eyjafjalljökull. M. McDonagh integrou o conjunto de passageiros cujo voo entre Faro e Dublin foi cancelado em 17 de Abril de 2010. Só tendo regressado à Irlanda em 24 de Abril, dois dias depois da retoma dos voos, considerou o passageiro que a Ryanair não lhe forneceu a assistência necessária.

O TJUE é, assim, levado a precisar o alcance da obrigação de prestar assistência aos passageiros dos transportes aéreos que incide sobre as transportadoras aéreas por força dos artigos 5.° e 9.° do Regulamento (CE) n.° 261/2004.

Com efeito, na alínea b) do n.º 1 do artigo 5.º prevê-se que, em caso de cancelamento de um voo, os passageiros em causa têm direito a receber da transportadora aérea operadora assistência nos termos do artigo 9.°.

A questão consiste em saber se a transportadora aérea deve ser exonerada da obrigação de prestar assistência aos passageiros quando o voo destes foi cancelado em consequência do encerramento do espaço aéreo devido à erupção de um vulcão.

Ora, segundo as conclusões do advogado-geral, Y. Bor, as transportadoras aéreas devem prestar assistência aos passageiros cujo voo foi cancelado em razão de circunstâncias extraordinárias como o encerramento do espaço aéreo decorrente da erupção de um vulcão, ou seja, tal factualidade é enquadrável no conceito de “circunstâncias extraordinárias” a que se reporta o Regulamento n.° 261/2004.

Publituris n.º 1209, de 30 de Março de 2012, pág. 4.