sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Uma saída possível para a fraca adesão ao processo de reconversão dos empreendimentos turísticos

Só faz sentido o processo de reconversão, cujo prazo termina em 31 de Dezembro de 2010, para as tipologias revogadas e para as realidades actualmente desenquadradas como as camas paralelas que devem ingressar no alojamento local. Para as tipologias que o RJET não alterou – caso dos hotéis – existe o mecanismo de revisão quadrienal da classificação que se iniciará em 2012.

Com o aproximar do final do ano tem surgido um conjunto de questões relativas ao n.º 2 do art.º 75.º do RJET que determina que os empreendimentos turísticos, os empreendimentos de turismo no espaço rural e as casas de natureza existentes – ou seja, aqueles que foram criados antes da entrada em vigor da nova legislação dos empreendimentos turísticos aprovada em 2008 – devem reconverter-se nas tipologias e categorias estabelecidas pela nova legislação.

No essencial, o RJET, embora não alcançando a abrangência de um Código do Turismo (França) ou de uma Lei Geral do Turismo (Brasil), visou a unificação legal com o objectivo de “tornar mais fácil o acesso às normas reguladoras da actividade” como é revelado no preâmbulo, aproximando-se o seu figurino da Lei Hoteleira de 1986.

Operou-se, correspondentemente, um alargamento do conceito de empreendimento turístico o qual, por essa razão, é bem mais amplo no RJET comparativamente à LET de 1997. Para além dos estabelecimentos hoteleiros, aldeamentos turísticos, apartamentos turísticos, conjuntos turísticos e parques de campismo – figuras que transitam da LET – o RJET passa a abranger os empreendimentos de turismo de habitação, de turismo no espaço rural e de turismo de natureza.

Se a isto adicionarmos a criação da nova figura do alojamento local, o diploma aproxima-se bastante do modelo de uma lei geral do alojamento turístico.

Trata-se afinal de uma tendência de refrescamento da nossa legislação como já havia referido em escrito anterior, em que esgotado o ciclo de aproximadamente dez anos de vigência, toda a legislação em matéria de empreendimentos turísticos é revogada e substituída por novos diplomas legais: em 1997 a Lei dos Empreendimentos Turísticos (LET) havia revogado a Lei Hoteleira de 1986, em 2008 o RJET revoga a LET. Ora, no RJET nem tudo é novo como seria de esperar e é compreensível. Muitas das normas remontam à Lei Hoteleira de 1986 ou mesmo à de 1969, vão passando de uma lei para outra, consistindo, na maior parte dos casos, em alterações de cunho meramente formal, pequenos acertos para as compatibilizar com as demais ou consequência da nova sistematização.

Assim sendo, do meu ponto de vista, a reconversão, cujo prazo termina em 31 de Dezembro de 2010, deverá abranger tão somente as tipologias ou sub-tipologias revogadas (no esquema surgem a vermelho) bem como as realidades a enquadrar (idem, azul claro) e não aquelas que não sofreram alterações (ibidem, tipologias vigentes). Um hotel, um conjunto turístico ou um aldeamento turístico não têm de ser reconvertidos pelo facto de o sistema de classificação assentar agora num sistema de pontos ou alguns dos requisitos terem sido alterados, designadamente a delimitação substituída pelo conceito menos exigente de continuidade territorial.



Qual é vantagem de um hotel se submeter agora ao procedimento de reconversão e em 2012 solicitar a primeira revisão quadrienal da classificação prevista no art.º 38.º do RJET justamente um dos objectivos mais destacados desta reforma legislativa? A solução mais ajustada à mens legislatoris é, assim, a da reconversão se aplicar às tipologias revogadas ou às realidades a enquadrar no alojamento local (num estudo da Universidade do Algarve, elaborado em 1998, a estimativa apontava para 312 493 camas no alojamento paralelo ou clandestino sendo que os dados oficiais registavam 85 100 camas no alojamento classificado) enquanto o mecanismo da revisão quadrienal da classificação se aplica às tipologias que transitam da LET para o RJET.

A data de 31 de Dezembro de 2010 é também o limite do prazo para a obrigação de elaboração e promoção da aprovação em assembleia geral de proprietários dos títulos constitutivos – quando não existam – dos empreendimentos turísticos em propriedade plural que se encontram em funcionamento (art.º 64.º/2 RJET).

Publituris nº 1147, de 10 de Dezembro de 2010, pág. 4

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Planeamento do turismo: notas introdutórias

Podemos afirmar que o ponto cardeal do planeamento turístico é o desenvolvimento sustentável desta actividade económica que representa actualmente cerca de 10% do PIB e 11% do emprego, tornando-se assim uma das mais promissoras para o nosso futuro colectivo.

1. Introdução

Não obstante a vocação natural do nosso país para o turismo, assente num clima ameno e numa acentuada diversidade de recursos naturais ao longo de uma pequena extensão territorial, a actividade não se desenvolve por si própria, antes carece de orientação firme e ininterrupta envolvendo, de forma participada, cidadãos e empresas, orientação o mais possível consensual e imune às flutuações político-ideológicas associadas às mudanças governamentais ou da administração pública do turismo.

2. O desenvolvimento turístico sustentável como orientação mestra

Podemos afirmar que o ponto cardeal do planeamento turístico é o desenvolvimento sustentável desta actividade económica que representa actualmente cerca de 10% do PIB e 11% do emprego, tornando-se assim uma das mais promissoras para o nosso futuro colectivo.

As despesas realizadas pelos turistas criam uma reacção em cadeia que produz benefícios económicos adicionais e têm um impacto positivo nas populações locais. No entanto, pode existir a necessidade de empregar técnicas específicas para aumentar esses benefícios.

Apesar da criação de riqueza e de emprego ao nível nacional e internacional é apontada a pouca atenção que os governos lhe têm dispensado e o excessivo enfoque no equilíbrio na balança de pagamentos.

Os objectivos do turismo sustentável são, de forma sucinta, os seguintes:
  1. Melhorar a qualidade de vida das populações;
  2. Oferecer ao visitante uma elevada qualidade de experiências;
  3. Manter a qualidade ambiental da qual dependem não apenas as populações locais mas também os fluxos turísticos.
O desenvolvimento sustentável não é um processo rígido mas sim em constante mutação em que as alterações na exploração dos recursos, na gestão dos investimentos e nas orientações ao nível institucional são geridas coerentemente atendendo não apenas às necessidades actuais mas também às futuras, isto é, numa perspectiva intergeracional identificada no relatório Brundtland.

A componente da sustentabilidade ambiental do turismo deve preceder a componente económica.

3. As vantagens do planeamento

A experiência demonstra que, por esse mundo fora, os territórios turísticos objecto de planeamento têm-se desenvolvido melhor mantendo a satisfação dos seus visitantes enquanto outros onde não teve lugar enfrentam problemas ambientais e sociais, os quais afectam os residentes e dissuadem os turistas ocasionando problemas no mercado e reduzindo as receitas.

Com efeito, existe uma diferença significativa entre o desenvolvimento incontrolado – em que se geram imprevisíveis e nefastos impactos – e o desenvolvimento planeado dos destinos turísticos. É certo que os primeiros podem ser objecto de um plano de recuperação mas as intervenções correctoras implicam significativas perdas de tempo e dinheiro.

De alguma forma, a ausência de planeamento pode explicar-se pela circunstância de nalguns países o turismo ser ainda uma actividade económica recente em que falta experiência por parte dos governos e da iniciativa privada.

4. Níveis de planeamento do turismo

O planeamento do turismo nos diferentes níveis, internacional, nacional, regional e local, é essencial para o seu adequado desenvolvimento e gestão.


Com efeito, o turismo deve ser objecto de planeamento ao nível nacional e regional fixando-se as políticas adequadas, os aspectos estruturais e os factores institucionais indispensáveis a um correcto desenvolvimento e gestão.

Com o enquadramento do planeamento nacional e regional do turismo estabelece-se a base para o desenvolvimento de outros planos com maior detalhe designadamente o urbano e o rural, resorts e outras formas de turismo.

O princípio da proximidade aponta para que os cenários do desenvolvimento do turismo concretizados através de um planeamento racional e tecnicamente elaborado devam estar o mais próximo possível das comunidades locais que dele beneficiam assegurando a partilha das suas vantagens económicas, sociais e ambientais.

5. A selecção dos territórios turísticos

Estando o turismo associado a espaços qualificados interessa alargá-lo a outras partes do território para além da tradicional trilogia Algarve, Lisboa e Madeira de molde a que outras populações possam dele desfrutar.

No entanto, o turismo não é viável ou desejável em todos os pontos do território.

A diversificação territorial do turismo não significa estendê-lo à totalidade do território. Uns locais não têm aptidão enquanto outros devem ser preservados, constituindo uma espécie de reserva natural interdita à actividade turística.

Em suma, há que apurar os territórios que possuem os indispensáveis recursos naturais e culturais bem como o capital humano e a existência de mercados que os possam procurar, se a actividade é indispensável para atingir os objectivos de desenvolvimento dessa região e se são justificados os investimentos em acessos e infra-estruturas e, por fim, quais as ofertas concorrentes, seja no plano nacional ou no internacional.

O turismo deve ser visto como um sistema em que se inter-relacionam factores da oferta e da procura.


O ambiente, a ecologia e a economia surgem progressivamente inter-relacionados seja no plano regional e nacional como até no internacional, numa complexa rede de causas e efeitos. A degradação da qualidade ambiental e a perda de identidade cultural estão associados à diminuição dos fluxos de visitantes e à quebra de receitas.

6. Proximidade e metodologias bottom-up

As tendências mais modernas apontam o carácter essencial da participação das populações residentes nas decisões de planeamento e gestão do turismo, designadamente ao nível dos stakeholders, cidadãos e grupos de interesses ligados aos diferentes sub-sectores do turismo como também aos ligados à defesa do ambiente.

Deste modo os empresários e trabalhadores do sector, cidadãos residentes e defensores do ambiente devem ser periodicamente consultados não apenas sobre a construção mas também sobre o desenvolvimento do modelo turístico.

De uma visão de separação de interesses ou mesmo de antagonismo entre estes grupos há que assumir activamente a complementaridade e convergência de pontos de vista. Com efeito, se os elementos da comunidade sentem que são ouvidos e envolvidos nas decisões que respeitam aos seus interesses, aumenta a sua motivação e grau de responsabilidade.

A segmentação do mercado significa que as diferentes categorias de potenciais visitantes são objecto de uma divisão por modelos demográficos (idade, rendimento, proveniência), interesses especiais ou preferências.

7. Componentes da oferta turística

Seria fastidioso e porventura irrealizável enumerar num artigo desta natureza as diferentes componentes da oferta turística. Para efeitos de planeamento turístico optei pelo esquema seguinte em que é dado um forte destaque às tipologias dos empreendimentos turísticos porquanto a penetração do turismo em determinados territórios pode depender da tipologia em razão dos condicionamentos decorrentes dos instrumentos de gestão territorial.


8. A multiplicidade de usos

O planeamento turístico pressupõe a resolução de conflitos entre a localização de diferentes tipos de investimento, a opção pelo mais adequado e ainda uma perspectiva multi-usos das infra-estruturas de molde a servirem a comunidade e os turistas.

Segundo Edward Inskeep, um dos princípios do planeamento turístico aponta para sempre que possível as infra-estruturas e equipamentos proporcionem múltiplos usos, servindo não apenas os turistas mas a generalidade dos cidadãos.

Um bom exemplo da aplicação deste princípio vem do município espanhol de Múrcia que acaba de aprovar a construção de um jardim público de molde a que um hotel que está a ser construído nas imediações se valorize tornando-se mais atractivo para os seus potenciais clientes.

Por seu turno, o hotel da cadeia NH suportará metade dos custos de construção da zona verde com a área aproximada de três campos de futebol, um espaço até agora utilizado pelos feirantes que chegavam à cidade, tendo para o efeito modificado o Plan General Urbano de la ciudad de Murcia.

O turismo ao serviço da revitalização das cidades permitindo a qualificação dos seus espaços públicos que ficarão adstritos à utilização dos seus cidadãos e dos turistas que as visitam.

Muito ganhariam os turistas e os cidadãos de Lisboa com uma solução similar para os terrenos da antiga Feira Popular, os quais se encontram numa degradação crescente designadamente a prostituição ostensiva no seu interior.

O planeamento em turismo deve ser encarado como um processo flexível e contínuo.

9. Etapas do planeamento do turismo

Seriam possíveis várias esquematizações do planeamento do turismo. Dada a sua experiência internacional e a ligação a vários estudos no âmbito da OMT optei pela de Inskeep.


Jornal Planeamento e Cidades nº 23, Novembro/Dezembro 2010, pp. 26-27

A proliferação da fiscalidade no turismo

A escolha dos destinos turísticos pode ser influenciada por pequenas flutuações de preços imputáveis à componente fiscal. De harmonia com a OMT é preferível uma fiscalidade baseada numa percentagem do valor de consumo (ex: IVA) e não num valor fixo de taxas turísticas específicas.

1) Correcção do mercado e obtenção de receitas

A máxima de Benjamin Franklin segundo a qual só há duas certezas na vida, a morte e os impostos, não sofre excepção no turismo.

Tal como na maioria dos casos, os impostos ou taxas de turismo são cobrados por duas razões principais: para corrigir falhas de mercado (situação de monopólio, consumo de bens públicos e externalidades) e/ou gerar receitas.

Vários estudos referem que muitos países se encontram numa situação de monopólio sobre o turismo internacional mercê da natureza diferenciada dos seus produtos. Tal diferenciação do produto turismo decorre dos tipos e qualidade dos atractivos, bens e serviços existentes no país.

Distingue-se entre o turismo wanderlust, no qual se vê ou faz algo que é exclusivo do destino, e o turismo sunlust, que se refere aos destinos sol e mar. O primeiro tende a apresentar um maior grau de diferenciação do produto e, consequentemente, um maior poder de mercado, gerando substanciais benefícios económicos que uma vez captados pela tributação são usados para corrigir a deficiente distribuição de recursos.

O forte crescimento do turismo tornou-o apetecível para os governos, sobretudo na componente do turismo internacional pois cifrando-se numa tributação das exportações não causa impactos eleitorais, uma vez que o turista cidadão estrangeiro não vota no país que o tributa e, também, pela facilidade de arrecadação do imposto (aquisição da passagem de avião, na entrada do aeroporto ou no pagamento da factura do hotel).

A tributação também pode ser usada para resolver as externalidades, que incluem o aumento do congestionamento nas estradas e a degradação ambiental. A investigação da fiscalidade no turismo mostra-nos que, nalguns casos, o impacto prejudicou a actividade e noutros as verbas arrecadadas acabaram por ser inferiores às que se registaram antes do lançamento do imposto.

2) Sensibilidade aos preços

O sector do turismo caracteriza-se por uma elevada sensibilidade aos preços, na medida em que o consumidor dispõe de uma vasta gama de produtos que pode comprar. Uma pequena variação poderá provocar alterações nos destinos.

Num estudo da British Tourist Autorithy a elasticidade dos preços em matéria de férias é de – 1,5%, o que equivale a dizer que um corte de preços de cerca de 10% provocaria um aumento de 15% na procura turística.

3) Fragilidade

Não obstante a sua dimensão mundial e forte crescimento o turismo apresenta algumas fragilidades, designadamente um elevado número de empresas de pequena dimensão, tendência para modas efémeras e carácter perecível do produto turístico, imprevisibilidade da procura e elevada sazonalidade.


4) Conclusões gerais da Organização Mundial do Turismo
  1. A fiscalidade é um importante instrumento das economias modernas, um meio necessário para disponibilizar verbas para o investimento em infra-estruturas e serviços requeridos pelo turismo.
  2. Não obstante, a indústria do turismo está sendo afectada por um número crescente de impostos sem atender à carga fiscal já existente e aos seus efeitos na distorção da concorrência.
  3. A imposição de encargos discriminatórios ou não equitativos pode afectar a competitividade do sector, não apenas relativamente a outras indústrias mas também a destinos concorrentes.
  4. Os impostos lançados sobre o turismo são, nalguns casos, de difícil justificação. Apesar do quantum tributário em termos absolutos ser pequeno ele é importante no contexto da viagem no seu conjunto. A aplicação destes impostos tem demonstrado um efeito sobre a procura (e, assim, um impacto ulterior indirecto sobre as actividades económicas do apoio ao turismo).
  5. É necessária uma cuidadosa observação dos governos relativamente a todos os impostos (v.g. IVA) que afectam o turismo evitando que se produza um efeito cumulativo negativo na procura turística (União Europeia e as diferentes taxas de IVA para o alojamento e restauração e a questão do regime especial da margem para os agentes de viagens).
  6. O importante é apurar onde reside o ponto de equilíbrio entre a potenciação da procura e dos ingressos fiscais e a arrecadação de impostos para financiar o investimento.
  7. Evitar a aprovação de impostos sem a antecedência necessária para que os operadores turísticos e o canal de distribuição os possam reflectir nos preços.
  8. São necessários estudos mais detalhados para medir e quantificar o impacto que as modificações da fiscalidade do turismo tem sobre o sector e a economia no seu conjunto.
  9. O senso comum é uma preciosa ajuda pois a proliferação de impostos numa indústria em expansão dificulta o seu desenvolvimento e funcionamento.
  10. 10) Procurar um imposto razoável, facilmente aceite pelos destinatários e de fácil arrecadação. Actualmente, se os impostos não forem neutros e eficientes poderão distorcer a concorrência e prejudicar a competitividade relativa do país ou região.
  11. Tomar em consideração as diferentes situações do turismo internacional e fiscalidade, bem como as condições locais.
  12. Analisar a equidade, neutralidade e custo de arrecadação do imposto e o seu impacto económico no emprego e na distorção da concorrência.
5) Nota final: a distinção entre taxa e imposto e a constituição de um fundo de garantia

No âmbito da discussão das alterações à lei das agências de viagens motivadas pela implementação da Directiva Bolkestein, cujo texto foi recentemente apresentado à APAVT, sobressai a proposta da constituição de um fundo de garantia em substituição do actual sistema de caução.

A ideia já tinha sido aflorada pelo Dr. Luís Patrão quando foi ouvido na AR a propósito do caso Marsans, apresentando-se agora com contornos muito preocupantes. Embora o texto não esteja disponível no site do TP ou da SET – na linha do secretismo legiferante que infelizmente vem caracterizando esta governação do turismo –, aparentemente propõe-se que todos os agentes de viagens e operadores turísticos deverão contribuir com 1% da sua facturação do ano anterior, sem um limite máximo mas com um limite mínimo de 12 500€. O sistema não é restrito ao campo das viagens organizadas (vulgo pacotes turísticos) abrangendo indiscriminadamente todos os serviços prestados pelas agências e, pasme-se, a contribuição das empresas seria sempre em dinheiro excluindo-se, assim, instrumentos mais flexíveis como as garantias bancárias.

Sabendo-se que, a uma das maiores crises económicas de que há memória, estas empresas ainda têm de somar as profundas alterações do acesso ao mercado ditadas por Bolkestein, a proposta é de uma insensibilidade gritante e de uma total desadequação.

Existindo actualmente um sistema de garantias – caução e seguro de responsabilidade civil – que observa a Directiva 90/314/ CEE porquê alterá-lo? Se não existem garantias quando um consumidor adquire directamente um bilhete numa transportadora aérea que entra numa situação de insolvência ou quando obtém serviços pela via crescente do dynamic packaging porquê agravar a situação de muitos agentes de viagens em que a renovação anual da caução tem vindo a depender, nalguns casos, de hipotecarem a sua casa ou outros imóveis pessoais?

A inexistência de um limite máximo tem como consequência a penalização dos operadores turísticos nacionais relativamente aos seus concorrentes, sobretudo os espanhóis, os quais de harmonia com a Directiva dos Serviços podem livremente estabelecer-se e exercer a sua actividade em Portugal apenas com as garantias decorrentes da sua legislação que cumpre os parâmetros da Directiva 90/314/CEE. Também as PME são afectadas, bastando atentar que o montante mínimo (12 500€) significa voltar a pagar a taxa do alvará: ainda para mais com a ironia de tal acontecer justamente quando o mercado é indiscriminadamente aberto a todos os prestadores de serviços.

Retomo agora a proposta que tal fundo, a formar-se, assente fundamentalmente numa parte substancial das taxas que o TP vem cobrando pela constituição de agências de viagens e sucursais de operadores europeus ao abrigo da Portaria n.º 784/93, de 6 de Setembro, em que o Estado se terá apropriado ilegitimamente de milhões de euros. Com efeito, na taxa, diferentemente do imposto, existe um nexo de reciprocidade, constituindo o pagamento de um serviço prestado pelo Estado tratando-se, por essa circunstância, de uma remuneração manifestamente desproporcionada dado o baixo custo administrativo da verificação formal dos requisitos de que depende a emissão de um alvará para o exercício da actividade das agências de viagens e turismo. A desproporção da verba auferida pelo TP é acentuada pelo incumprimento da obrigação que impende sobre a autoridade turística nacional, desde 2007, da disponibilização no seu sítio da internet, do registo das agências de viagens licenciadas e do substancial atraso com que são proferidas as decisões da comissão arbitral.

A ponderação desta questão do custo desproporcionado, na primitiva versão da lei das agências de viagens terá levado, em 1997, à previsão de que uma parte da taxa fosse aplicada em instituições de apoio ao agente de viagens, intenção legislativa que inexplicavelmente nunca foi levada à prática. A ser constituído o fundo de garantia é uma boa ocasião para o Estado, como pessoa de bem, devolver ao sector das agências de viagens uma verba muito significativa que ilegitimamente lhe cobrou, beneficiando igualmente os consumidores portugueses. A quantificação é muito simples, bastando verificar o número de alvarás que foram emitidos quer de agências de viagens nacionais quer de sucursais europeias.

Doutro modo, aos devastadores efeitos no sector da Directiva Bolkestein seguir-se-ia um sugante e letal fundo de garantia Frankestein.

Viajar, 27 de Novembro de 2010

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A transposição da Directiva Bolkestein

Na sequência da liberdade de circulação de pessoas, mercadorias e capitais consagra-se agora outro dos pilares da União Europeia, a livre prestação de serviços.

O Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, vem estabelecer os princípios e as regras necessárias para simplificar o livre acesso e exercício das actividades de serviços e transpõe a Directiva n.º 2006/123/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro, vulgarmente conhecida por Directiva Bolkestein ou Directiva dos Serviços.

O diploma tem como objectivo fundamental a fixação dos princípios e das regras necessárias para simplificar, no território nacional, o livre acesso e exercício à actividade de serviços (art.º 1.º/1) excluindo-se do seu âmbito as que sejam desenvolvidas com gratuitidade, ou seja, apenas relevam as que tenham contrapartida económica (art.º 3.º/1).

1) Âmbito objectivo e subjectivo

O âmbito subjectivo inclui prestadores de serviços estabelecidos em Portugal ou noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, sejam pessoas singulares ou colectivas.

No âmbito objectivo enquadram-se as actividades de serviços desenvolvidas com carácter remunerado e que sejam oferecidas ou desenvolvidas em Portugal. São abrangidos os serviços aos consumidores, como os desenvolvidos no domínio do turismo, incluindo os guias turísticos, os serviços de lazer, os centros desportivos e os parques de atracções. Com carácter exemplificativo (o legislador limita-se a enumerar alguns exemplos) surge-nos no final do diploma um anexo com uma listagem de actividades. Algumas delas respeitam ao turismo, a saber:


Estão abrangidos vários tipos de serviços:

1) Os que pressupõem proximidade entre prestador e destinatário;
2) Serviços que impliquem uma deslocação do destinatário ou do prestador;
3) Serviços que possam ser fornecidos à distância.

Existem, porém, serviços aos quais não é aplicável o diploma, que se encontram excluídos do seu âmbito de aplicação (art.º 3.º/3), como sucede nos serviços financeiros e de seguros, transporte aéreo e aeroportuários.

2) O livre acesso e exercício das actividades de serviços

O princípio fundamental fixado no art.º 49.º do Tratado de Roma no qual se determina que as restrições à livre prestação de serviços na Comunidade serão proibidas relativamente aos nacionais dos Estados-membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação surge-nos agora no art.º 4.º, que consagra igualmente a liberdade de estabelecimento.

De harmonia com estes dois estruturantes princípios os prestadores de serviços – quer as pessoas singulares ou colectivas nacionais quer as sedeadas noutro Estado-membro – podem livremente estabelecer-se e exercer a sua actividade em território português, designadamente através da criação de sociedades, sucursais, filiais, agências ou escritórios fazendo-o em regra sem necessidade de qualquer permissão administrativa ou até de uma mera comunicação prévia. No entanto, apesar da regra ser a desnecessidade de permissão administrativa ou comunicação prévia consagram-se algumas excepções no capítulo III (artigos 8.º a 18.º) que se traduzem num duplo condicionalismo: situações em que a lei preveja tal permissão administrativa e a mesma possa ser estabelecida (art.º 4.º/1).

3) Situações de excepção em que se mantêm as licenças, autorizações, validações e outras permissões administrativas no acesso ou exercício da actividade de serviços

O capítulo III (artigos 8.º a 18.º) disciplina a matéria das permissões administrativas para acesso ou exercício das actividades de serviços – licenças, autorizações, validações, autenticações, certificações, actos emitidos na sequência de comunicações prévias com prazo e registos – ou seja, situações em que uma actividade de serviços não pode ser prestada livremente ou através de uma mera comunicação prévia as quais ficam, no entanto, sujeitas de harmonia com o n.º 3 do art.º 8.º a um exigente conjunto de princípios.

4) Exclusão de alguns estabelecimentos da actividade termal

No capítulo VII alteram-se normas de alguns regimes sectoriais – outros como o das agências de viagens e empresas de animação turística serão desenvolvidos em diploma autónomo. Em primeiro lugar os estabelecimentos que não tenham fins de prevenção da doença, terapêutica, reabilitação e manutenção da saúde, os quais se dedicam exclusivamente a finalidades estéticas, à beleza e ao relaxamento. Opera-se a exclusão da disciplina da actividade termal (Decreto-Lei n.º 142/2004, de 11 de Junho) passando a ser considerados equipamentos de animação turística sendo-lhes aplicável o regime previsto no Decreto-Lei n.º 108/2009, de 15 de Maio.

§ Em termos gerais:

A) Para além das agências de viagens, a Directiva Bolkestein, agora transposta pelo Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, abrange outras actividades de relevo para o turismo como o rent-a-car, a animação turística/operadores marítimo-turísticos e os estabelecimentos de restauração e bebidas.

B) Os estabelecimentos que não tenham fins de prevenção da doença, terapêutica, reabilitação e manutenção da saúde, os quais se dedicam exclusivamente a finalidades estéticas, à beleza e ao relaxamento são excluídos da disciplina da actividade termal passando a ser considerados equipamentos de animação turística.

§§ Consequências previsíveis:

A) Perturbação do mercado: Uma fase inicial em que o mercado das empresas de turismo será invadido por múltiplos agentes económicos sem a preparação adequada e acentuando-se a guerra de preços.

B) Empresas de outros países: Empresas de outros Estados-membros designadamente os operadores turísticos instalando-se livremente em Portugal – não terão de pagar a elevada taxa do alvará – e escoando os seus produtos através de outras empresas arrivistas.

C) Franchise: Emancipação de muitas das empresas que actualmente recorrem ao franchise em razão do desaparecimento de barreiras como os elevados capital social e taxa do alvará.

D) Resiliência: Não obstante constituir uma alteração substancial, uma das maiores de sempre, o historial das empresas do turismo revela uma elevada capacidade de resistência às adversidades e superação dos obstáculos.

In Publituris nº 1143, de 12 de Novembro de 2010, pág. 4

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

A comunicação da Comissão: Europa, primeiro destino turístico do mundo – novo quadro político para o turismo europeu

O documento da Comissão está na linha do Tratado de Lisboa que reforçou a importância do turismo.

No proémio da Comunicação da Comissão intitulada Europa, primeiro destino turístico do mundo: novo quadro político para o turismo europeu, surge-nos a afirmação que o turismo ilustra de forma exemplar a necessidade de conciliar o crescimento económico e o desenvolvimento sustentável.

As repercussões no turismo da crise económica e financeira que afecta o conjunto das economias desde 2008 e a forte perturbação do tráfego aéreo em razão das nuvens de cinzas vulcânicas durante Abril e Maio de 2010 reforçam a necessidade de os Estados-membros trabalharem num quadro político consolidado que tenha em consideração as novas prioridades da UE expressas na sua estratégia para a «Europa 2020», impondo-se para continuar a ser o primeiro destino turístico mundial que a Europa valorize a riqueza e a diversidade dos territórios que a integram.

Não obstante continuarem a viajar, os europeus reajustaram os seus comportamentos preferindo destinos de proximidade, reduzindo a duração da estada e das despesas. De harmonia com o Barómetro do turismo mundial da OMT (volume 8, Janeiro de 2010) as chegadas de turistas internacionais diminuíram cerca de 5,6% em 2009. No entanto, certas regiões, sobretudo da Europa oriental ou setentrional, as reduções atingiram 8%.

A União Europeia lançou, ao longo dos anos, os alicerces de uma política europeia de turismo sempre norteada pelos imperativos do desenvolvimento sustentável sendo que com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa esta importante actividade económica para o emprego e afirmação da cultura e valores europeus vê a sua importância reconhecida.

Face ao aumento da concorrência mundial, a Europa deve propor uma oferta turística sustentável e de qualidade, apostando nalgumas das suas vantagens comparativas designadamente a diversidade de paisagens e a extraordinária riqueza cultural.

Outros desafios importantes devem ser enfrentados, escassez de água e energia ou os impactos do turismo de massas no património cultural. Aponta-se expressamente o dever que impende sobre as empresas de turismo de em situações de risco de seca reduzirem a utilização de água potável, as suas emissões de gases com efeito de estufa e a sua pegada ambiental.

A política europeia de turismo, com o enfoque Tratado de Lisboa, tem por objectivo principal estimular a competitividade do sector não olvidando que a longo prazo ela está estreitamente ligada à forma sustentável como a actividade é desenvolvida.

Eixos que formam a estrutura do novo quadro de acção para o turismo:
  1. Estimular a competitividade do sector turístico na Europa;
  2. Promover o desenvolvimento de um turismo sustentável, responsável e de qualidade;
  3. Consolidar a imagem e a visibilidade da Europa como um conjunto de destinos sustentáveis e de qualidade;
  4. Maximizar o potencial das políticas e dos instrumentos financeiros da UE para o desenvolvimento do turismo.





No âmbito do 2º eixo surge-nos um alargado conjunto de acções:
  • Desenvolvimento, com base na NECSTouR e no EDEN, um sistema de indicadores para a gestão sustentável dos destinos. Tais indicadores, por seu turno, permitirão a elaboração de um rótulo para a promoção dos destinos turísticos;
  • Organizar campanhas de sensibilização para os turistas europeus relativas à escolha dos destinos e aos meios de transporte. Despertar também a atenção da população local do fenómeno da exploração das crianças e das mulheres;
  • Desenvolver uma marca europeia «Turismo de Qualidade»;
  • Facilitar a identificação pelos investidores europeus dos riscos associados às alterações climáticas;
  • Propor uma carta do turismo sustentável e responsável instituindo um prémio europeu para as empresas turísticas e para os destinos que a observem;
  • Propor uma estratégia para um turismo costeiro e marítimo sustentável;
  • Estabelecer acordos ou reforçar a cooperação entre a União Europeia, BRIC e os países mediterrânicos para a promoção de modelos de desenvolvimento turístico sustentável e responsável bem como do intercâmbio das melhores práticas nesse domínio.

São propostas quatro acções relativamente ao 3º eixo:
  • A criação de uma verdadeira «marca Europa»;
  • A promoção do portal «visiteurope.com»;
  • Favorecimento de acções comuns de promoção relativamente a grandes acontecimentos internacionais ou de grandes feiras e mostras turísticas;
  • Reforço à participação da União Europeia nas instâncias internacionais designadamente na OMT, OCDE, T20 e EuroMed.

Finalmente, no âmbito do 4º eixo propõe-se a coordenação entre as diferentes políticas com impactos no turismo (transportes, concorrência, mercado interno, política fiscal, defesa dos consumidores, ambiente, do emprego e da formação, da cultura e desenvolvimento regional e rural) para assegurar que os interesses e as necessidades da indústria sejam atendidos aquando da formulação e da aplicação das suas políticas.

Para além da implementação da Directiva Bolkestein por forma a remover os entraves à livre prestação de serviços, acções no âmbito da política marítima integrada da UE para favorecer desenvolvimento do turismo marítimo e costeiro.

Será o caso do Fundo Europeu para a Pesca (FEP) no âmbito de estratégias de desenvolvimento local. O Fundo Europeu Agrícola para o Desenvolvimento Rural (FEADER), permitirá apoiar a criação de empresas de turismo rural, o desenvolvimento e a promoção do agro-turismo e a valorização do património cultural e natural das regiões rurais, incluindo nas zonas de montanha.

Os diferentes fundos estruturais europeus (FEDER e FSE), o Fundo Europeu Agrícola para o Desenvolvimento Rural (FEADER), o Fundo Europeu para a Pesca (FEP) bem como o programa-quadro de investigação e de desenvolvimento poderão continuar a financiar a implementação de projectos no domínio do turismo. O programa-quadro para a inovação e a competitividade (PIC) assume particular importância para o turismo porquanto desde 2008 vem apoiando a criação de redes europeias a favor de um turismo competitivo e sustentável.

In Publituris, nº 1139, de 15 Outubro 2010, pág. 4

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A segmentação da população sénior activa na hotelaria & residências sénior

Com o aumento da esperança de vida saudável, criam-se objectivamente condições para um mix de alojamento turístico e residencial sénior, em que Portugal pode oferecer qualidade e diferenciação.

Actualmente, conhecer com um mínimo de profundidade a multifacetada actividade económica do turismo constitui uma tarefa ciclópica – seria interessante que o Turismo de Portugal colocasse no seu moderno centro de documentação a NetLibrary por forma a que um conjunto de representativos e incontornáveis eBooks ficassem disponíveis para serem considerados nos estudos sobre turismo desenvolvidos em Portugal, tal como sucede no Reino Unido, Espanha ou França. Já não basta atender à qualidade da oferta e/ou prever o seu crescimento sustentado, há que antecipar as tendências, forçar as oportunidades, inovar e gerir numa perspectiva sistémica.

Na economia e marketing do turismo, segmentação significa dividir o mercado em grupos com características e interesses semelhantes.

Mercê do fenómeno do progressivo envelhecimento de população europeia as residências sénior despertam a atenção e a oportunidade de investimento de grandes grupos económicos como é o caso, entre nós, dos grupos Mello e Espírito Santo e também do Montepio.

Constata-se, no entanto, que o hardware (características das edificações) e o software (serviços disponibilizados) do alojamento turístico e das residências seniores são muito idênticos e em regra compatíveis.




Em primeiro lugar, confluem a dignidade arquitectónica dos edifícios (materiais utilizados, traça, volumetria) e a sua localização, em regra, em locais aprazíveis no litoral ou nas partes mais nobres das cidades.

Se não diferem no exterior dos edifícios, também no seu interior as unidades de alojamento (quartos, suites ou apartamentos), corredores e áreas de utilização comum designadamente restaurantes, piscinas, ginásios, spas apresentam características idênticas.

Ao nível do investimento nos edifícios – preferencialmente recuperação/reconversão dos existentes nas nossas cidades contribuindo, assim para a recuperação urbanística das cidades – a prestação de entrada (entry fee), que tem um carácter meramente obrigacional (ou seja, não opera a transferência da propriedade da unidade de alojamento mas o direito de utilizá-la por um período, em regra, enquanto o utente viver), a despender pelos residentes seniores pode constituir uma forte alavancagem bem como os custos de exploração serem atenuados pelas prestações mensais (monthly fee). Clima, segurança e hospitalidade podem gerar interessantes fluxos de cidadãos europeus e nacionais com vista à aquisição deste produto híbrido do nosso turismo que poderá apresentar assinalável qualidade e diferenciação.

É sobretudo com o aumento da esperança de vida saudável que estas sinergias entre a hotelaria e as residências seniores apresentam maior interesse. Com efeito, os denominados seniores independentes, autónomos ou activos (é cada vez mais frequente encontrarmos pessoas com 75 ou 80 anos praticando golfe ou mesmo BTT com notável desenvoltura física e na plena posse das suas faculdades mentais) constituem, pelo seu nível de rendimento e capacidade aquisitiva, um importante conjunto de consumidores.


Ora, os seniores autónomos encaram com alguma resistência o ingresso em residências exclusivamente adstritas ao seu alojamento e à prestação de um conjunto de serviços, em que predomina a sua faixa etária, como uma espécie de antecâmara da morte ou depósito geriátrico. Este desconforto pode ser atenuado pela acentuada diluição ou integração da vertente residencial sénior no estabelecimento hoteleiro, no qual se cruzam todas as faixas etárias, mantendo, assim, a transversalidade geracional que caracteriza o nosso quotidiano.

Ao nível da legislação turística e do ordenamento do território deverá partir-se da compatibilidade dos usos turístico e residencial sénior. A figura do paradigma da exploração turística consagrada no art.º 45º do RJET carecerá, assim, de alguma adaptação.

Atenuar a sazonalidade tem sido um dos principais óbices ao desenvolvimento do turismo, com impactes significativos ao nível da criação de emprego estável e remunerado ao longo de todo o ano. Este mix entre o alojamento turístico e o residencial sénior permite rentabilizar o investimento e aumentar a empregabilidade do turismo.

Acordos entre empresas permitirão uma mobilidade que sirva simultaneamente os interesses dos utentes seniores – gostam de viajar, de gozar a vida, não estando sempre confinados ao mesmo local – e liberte as unidades de alojamento nos picos de utilização turística.

Naturalmente que esta compatibilidade de usos se vai esbatendo à medida que os utentes seniores vão perdendo qualidade de vida, passando a necessitar de permanentes e especializados cuidados de saúde. Há, no entanto, o período da esperança de vida saudável em que podem desfrutar deste híbrido produto turístico de que já vão despontando discretamente algumas soluções no terreno.

Há que estudar esta confluência de interesses, verificar a sua adequação ao interesse público e eventualmente apoiar iniciativas no âmbito das políticas de turismo, criando as melhores condições para o seu desenvolvimento, designadamente ao nível da utilidade turística ou na vertente de marketing.

Nota final: Luís Patrão contratou como assessor Jorge Pedreira, secretário de Estado do anterior executivo na área da educação, para coordenar um trabalho que pretende estudar em profundidade as profissões no turismo, auferindo 5 000€ mensais. Francamente, não há nenhum centro de estudos em Portugal melhor capacitado para o efeito? Porque não se aproveita a prata da casa, ou seja, os técnicos e dirigentes ligados ao antigo Inftur? Depois do mais que previsível naufrágio do HMI – tardam a ser apuradas responsabilidades neste domínio – mais uns milhares de euros dos contribuintes (70 000€ por ano). Até quando?

In Publituris nº 1136, de 24 de Setembro de 2010, pág. 4

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A Conferência do Rio


O desenvolvimento sustentável assenta em três pilares: o económico, o ambiental e o social.

Uma etapa decisiva para a implementação do desenvolvimento sustentável foi a realização no Rio de Janeiro, em Junho de 1992, da Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (CNUAD), também conhecida por Cimeira da Terra ou Eco-92, passando, a partir de então, a figurar com um novo vigor na agenda política mundial e os países a integrá-lo progressivamente na sua estratégia política.


A circunstância do Brasil ter sido o país anfitrião evidencia uma mudança radical: de uma atitude de reserva, encarando a sustentabilidade como uma discussão que interessava fundamentalmente aos países ricos, uma forma de trava
rem os países em desenvolvimento, passou para uma defesa activa dos inúmeros aspectos em que se desdobra. Ao invés, os Estados Unidos, que em Estocolmo, vinte anos antes, haviam assumido um posição de liderança, tiveram agora uma postura de retracção.

No final da guerra fria, num clima de esperança, a Conferência do Rio, reuniu cerca de cento e vinte chefes de Estado ou de governo e também entida
des particulares, designadamente empresários e líderes de opinião, apresentando um substancial reforço da componente não governamental.


Duas convenções (mudanças climáticas e diversidade biológica) foram abertas à assinatura logo seguidas da convenção para a desertificação.

Um passo significativo consistiu na demonstração da necessidade urgente de recursos financeiros adicionais
para implementar a Agenda 21, em que a parte mais importante teria de provir dos sectores público e privado nacionais.

Numa tentativa para financiar a implementação das medidas recomendadas, maxime da Agenda 21, e como parte do acordo político global entre países industrializados e em desenvolvimento reafirmou-se o compromisso de afectar 0,7% do rendimento nacional ao fundo de desenvolvimento oficial (official development assistance – ODA).

Criou-se ainda um mecanismo financeiro especial – o Global Environment Facility (GEF) – para fazer face aos problemas ambientais, em que os países industrializados assumiram uma responsabilidade especial.

O desenvolvimento sustentável assentou inicialmente em dois pilares: o económico e o ambiental. O terceiro pilar – a coesão social – foi introduzido na Cimeira Social de Copenhaga, realizada em 1995.


A Conferência do Rio operou o alargamento do conceito de desenvolvimento sustentável.

As convenções relativas à diversidade biológica e à desertificação foram deficientemente implementadas mercê da falta de recursos e adequada capacidade institucional nos países em desenvolvimento.


O Protocolo de Quioto relativo à Convenção sobre Mudança do Clima, foi aprovado em 1997, consubstanciando um modesto conjunto de medidas para obviar à mudança climática que afectava o coração da civilização industrial.
O protocolo que deveria entrar em vigor aquando da Cimeira de Joanesburgo não contou, uma vez mais, com o apoio dos Estados Unidos.

Para supervisionar a aplicação da Agenda 21 foi criada a Comissão de Desenvolvimento Sustentável (CSD) no âmbito do Conselho Económico e Social das Nações Unidas que revelou uma actuação positiva designadamente na promoção do diálogo entre diferentes grupos de interesses e governos.


O processo de revisão quinquenal que ocorreu em 1997 foi decepcionante. Volvidos três anos, os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, aprovados em Assembleia do Milénio em 2000, inspiraram uma nova esperança relativamente ao alcance das metas fixadas no Rio por parte da comunidade internacional.


In
Jornal Planeamento e Cidades nº 22, Setembro de 2010, pág. 29



segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Agenda para um Turismo Europeu Sustentável e Competitivo: Comunicação da Comissão, de 19 de Outubro de 2007


A Comunicação da Comissão, de 19 de Outubro de 2007, intitulada «Agenda para um Turismo Europeu Sustentável e Competitivo»(1) volta a acentuar a umbilical ligação da competitividade do turismo à sua sustentabilidade porquanto a qualidade dos destinos turísticos depende fortemente do ambiente natural e das populações locais. Daí que se imponha uma abordagem global que vise simultaneamente a prosperidade económica do turismo, a coesão social, a protecção do ambiente e a promoção da cultura.

Os objectivos da Agenda são, assim, a prosperidade económica, equidade e coesão social, a protecção do ambiente e da cultura.

Destes objectivos decorrem vários desafios para o sector, designadamente:
  1. Garantir a segurança(2) dos turistas e das populações locais.
  2. Conservação sustentável e gestão dos recursos naturais e culturais dos destinos turísticos.
  3. Redução do nível de utilização dos recursos e da poluição nos lugares turísticos, incluindo-se a produção de resíduos.
  4. Gerir as mudanças ocorridas no interesse do bem-estar das comunidades.
  5. Diminuição do carácter sazonal da procura.
  6. Tomar em consideração o impacto ambiental dos transportes associados à actividade turística.
  7. Tornar o turismo acessível a todos, sem discriminação.
  8. Melhorar a qualidade dos empregos do turismo.
A realização dos objectivos da agenda far-se-á com base num quadro de acção coerente apoiado em adequadas políticas públicas, designadamente a gestão sustentável dos destinos - em que avulta o planeamento da utilização do espaço e do solo ou as decisões de investimentos em matéria de infra-estruturas e de serviços - a interiorização das questões de sustentabilidade pelas empresas e a sensibilização dos turistas para a necessidade de passarem a escolher destinos sustentáveis.

A Comissão avança um conjunto de princípios em ordem a um turismo simultaneamente competitivo e sustentável, a saber:
  1. Adoptar uma abordagem global e integrada, atendendo aos impactos económicos sociais e ambientais a fim de se chegar a um turismo equilibrado e que respeite a sociedade e o ambiente.
  2. Planificação a longo prazo, atendendo não apenas às necessidades das actuais gerações mas também das futuras.
  3. Participação alargada nas decisões fazendo intervir todas as partes interessadas.
  4. Utilizar os melhores conhecimentos disponíveis na definição das políticas e ao nível das decisões e partilhando-os ao nível europeu.
  5. Princípio de precaução, actuando de forma preventiva em ordem a evitar qualquer efeito nefasto sobre o ambiente ou a sociedade.
  6. Fixação e observância da capacidade de carga dos destinos turísticos estabelecendo limites ao desenvolvimento turístico e aos fluxos turísticos.
  7. Proceder a um controlo permanente dos impactos.
O enfoque em acções conjuntas e continuadas, iniciativas como destinos europeus de excelência, a promoção da Europa enquanto destino de qualidade e sustentável são outros importantes aspectos referidos no documento que também alude aos vários fundos comunitários de que podem beneficiar os projectos turísticos.

Como várias políticas comunitárias(3) podem influenciar o turismo e a sua sustentabilidade há que integrar esta última e a competitividade nas políticas da Comissão, a qual deverá atender às necessidades específicas dos territórios, independentemente de serem zonas costeiras e marítimas, de zonas de montanha, de zonas rurais ou ainda de zonas urbanas.


(1) COM(2007) 621 final - não publicada no Jornal Oficial.
(2) Para além de desafio é também uma condição indispensável para o sucesso da actividade turística. As boas práticas em matéria de protecção de locais relevantes e grandes eventos através do Programa Europeu para a Protecção das Infra-estruturas Críticas fornecem ao Estados-membros um bom instrumento.
(3) O ambiente, os transportes, o emprego ou a investigação.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Carta Europeia de Turismo Sustentável em Áreas Protegidas



A importância das áreas protegidas da Europa como locais de grande interesse para o turismo reforçou a necessidade de uma adequada gestão desses territórios. O objectivo da sustentabilidade nestes sensíveis espaços turísticos pode alcançar-se por várias formas, designadamente através da criação de um modelo de boas práticas e a identificação das áreas que lhe ficam submetidas.

A Carta Europeia de Turismo Sustentável em Áreas Protegidas foi desenvolvida com o apoio da Comissão da União Europeia e da Federação Europarc[1] assentando no relatório “Loving Them to Death”publicado em 1993[2], no qual se advoga uma menor intensidade da actividade económica do turismo nesses espaços e a necessidade de uma harmonização e integração dos aspectos ambientais, culturais e sociais com o desenvolvimento económico.

Visando a implementação do relatório, a Federação dos Parques Regionais de França constituiu um grupo com representantes europeus das áreas protegidas, empresas turísticas e ONGs.

Uma iniciativa paralela, que remonta a 1997, do Fundo Mundial para a Natureza[3], o programa PAN (Protected Areas Network) Parks[4] visa introduzir uma ligação entre a conservação da natureza e o turismo à escala europeia, colocando o valor económico gerado pela actividade ao serviço da protecção da natureza. Até 2001 tinham sido reconhecidos 17 parques obedecendo a um rígido conjunto de princípios e standards. Os visitantes sabem que nestes espaços são observados os padrões mais exigentes de conservação da natureza designadamente a dimensão mínima de um parque é de 25.000 ha, dos quais 10.000 ha, constituirão uma zona interdita.

Estes dois programas são reconhecidos pela Comissão Europeia porquanto fornecem uma base para a aplicação de boas práticas no conjunto da sua rede de área protegidas Natura 2000.

A Carta Europeia de Turismo Sustentável em Áreas Protegidas foi desenvolvida ao longo de cinco anos a partir da informação associada a 10 parques-piloto e objecto da reflexão de um grupo consultivo de 25 especialistas em turismo sustentável e representantes dos operadores de turismo.

Um dos objectivos da Carta é o de garantir que os parques criaram as estruturas e desenvolveram os processos adequados ao turismo sustentável. Requisito fundamental é que cada parque tenha uma estratégia de turismo sustentável e um plano de acção elaborado em estreita concertação com os actores locais relacionados com o turismo, conservação e os interesses da comunidade local.

Na primeira fase, em 2001, foram reconhecidos sete parques na sequência de um procedimento em que os candidatos para além de aderirem aos princípios da Carta elaboram um relatório sobre as medidas que implementaram o qual é avaliado por um técnico nomeado pelo Europarc que in loco inspecciona e dialoga com todas as partes interessadas.

Os Princípios para o Turismo Sustentável em Áreas Protegidas:

  1. Proteger e valorizar o património natural e cultural da área protegida.
  2. Providenciar aos visitantes uma experiência de qualidade durante a sua visita.
  3. Proporcionar aos visitantes informação sobre as qualidades específicas da área protegida.
  4. Estimular a oferta de produtos turísticos específicos que permitam a descoberta e a compreensão do meio natural e cultural da área protegida.
  5. Assegurar que o turismo suporta e não reduz a qualidade de vida dos habitantes locais.
  6. Aumentar o conhecimento sobre a área protegida e sobre os assuntos da sustentabilidade entre todos aqueles que estão envolvidos no turismo.
  7. Aumentar os benefícios do turismo na economia local.
  8. Monitorizar os fluxos de visitantes para reduzir os impactos negativos.


[1] http://www.europarc.org
[2] Em 1991 havia sido criado um grupo de trabalho na área do turismo sustentável com o objectivo de estudar esta actividade económica nas áreas protegidas.
[3] Worldwide Fund for Nature: http://www.wwf.pt
[4] http:// www.panparks.org