quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Fundo de Garantia é risco, ausência do Provedor é hipocrisia

Liliana Cunha
lcunha@publituris.workmedia.pt

Ao fim de mais de um ano de atraso, eis que o Conselho de Ministros aprova o novo decreto-lei das agências de viagem, numa acção que começa a gerar alguma polémica

Apesar da APAVT preferir ainda não se pronunciar, dado que o documento final (à data de fecho desta edição) não ser conhecido, a verdade é que o Conselho de Ministros aprovou na semana passada o novo decreto-lei das agências de viagem que transpõe a Directiva Europeia de Bolkestein, que na verdade deveria ter entrado em vigor a 31 Dezembro de 2009. Como base central, o decreto-lei pretende favorecer um novo ambiente à realização de negócios, desburocratizando algumas situações e oferecendo mais garantias aos consumidores finais, através do Fundo de Garantia de Viagens e Turismo. Esta é de resto uma situação que já esperava, tendo como objectivo “responder solidariamente pelo pagamento da totalidade dos créditos dos consumidores resultantes do incumprimento, total ou parcial, dos contratos celebrados com as agências e operadores turísticos”, como se lê no documento.

Todavia, na perspectiva de, Carlos Torres, esta é uma solução “de risco elevado”. Segundo o advogado especializado no sector, cabia ao Governo atender “à meritória proposta da APAVT que apontava para um sistema sucedâneo da actual caução através de uma seguradora, acautelando suficientemente os interesses dos consumidores e evitando a mais que questionável responsabilidade solidária ex lege em que as empresas cumpridoras são chamadas a pagar os erros da gestão irresponsável ou fraudulenta de outras que entraram em insolvência”.

Com isto, o advogado acredita que, na prática, a pretensão do Estado é querer “a todo o custo, dinheiro vivo sem atender à actual realidade das empresas”, apesar desse mesmo Estado “não prestar contas dos milhões de euros que arrecadou ao longo de anos com as elevadas taxas dos alvarás assobiando para o lado quando lhe referem que só podia cobrar o preço do serviço que não atingiria sequer 500 euros, mas pelo qual auferia 12 500 euros, afastando uma solução em que a gestão do risco ficaria a cargo de uma seguradora”.

Mas esta não é a única crítica que Carlos Torres deixa, mencionando que o decreto-lei apresentado “não consagra, uma vez mais, da figura do Provedor do Cliente, apesar de se tratar de uma consensual solução bottom-up entre a APAVT e a DECO, caracterizada por decisões céleres, proferidas em poucos meses, insistindo-se numa solução top-down a da Comissão Arbitral que contrasta pela lentidão das suas decisões, ultimamente dois, três, quatro anos”. Assim, fica na sua opinião demonstrada a “hipocrisia da recorrente argumentação governamental, afirmando atender aos pontos de vista e anseios associativos mas numa questão fundamental para a APAVT, (...) o mesmo SET afasta nas revisões legislativas de 2007 e 2011 a figura do Provedor do Cliente”.

Na medida que o novo decreto-lei opta pela manutenção da Comissão Arbitral, para os casos de litígios, Carlos Torres espera então que se conservem os aspectos positivos, designadamente o presidente que exerce a função de forma competente e fundamentada e que lhe sejam disponibilizados mais meios para alcançar a indispensável celeridade, tomando-se como exemplo as dezenas de casos relacionados com a Marsans resolvidos em poucos meses”.

Desburocratizar para simplificar

No documento publicado quinta-feira, dia 17, fica igualmente clara a tentativa de simplificação de processos, eliminando-se vários requisitos, entre os quais se inclui o facto da actividade das agências passar a estar disponível a “pessoas singulares ou entidades com forma jurídica reconhecida noutros Estados-Membros da União Europeia, ainda que inexistente na ordem jurídica interna”. Este é para Carlos Torres um dos aspectos mais importantes da transposição das regras comunitárias, tal como a supressão do capital mínimo social exigido e fixado nos 100 mil euros, pois com isso elimina-se a “obrigatoriedade das agências de viagens disporem de pelo menos um estabelecimento físico para atendimento a clientes”, bem como a necessidade de licença para operar, passando a ser substituída por uma “mera comunicação prévia (através do preenchimento do formulário electrónico disponível no Registo Nacional das Agências de Viagens e Turismo (RNAVT)”, conforme comunicado pelo Conselho de Ministros.

Este mesmo decreto-lei fala ainda na desmaterialização de procedimentos por via informática e a ligação ao balcão único electrónico (portais da empresa e cidadão), alterações que no seu conjunto “não merecem quaisquer reparo e decorre da transposição do texto comunitário”, segundo Carlos Torres.

Publituris n.º 1155, de 18 de Fevereiro de 2011, pág. 24