quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Lei da Animação Turística: um quadro consensual


Enquanto a lei das agências de viagens ficou ensombrada pela fracturante questão do Provedor do Cliente, na lei animação turística o consenso entre o Governo e a respectiva associação empresarial constitui a tónica dominante.


A actual disciplina da animação turística e dos operadores marítimo-turísticos figura no Decreto-Lei nº 108/2009, de 15 de Maio, substituindo a anterior legislação que datava de 2000, a primeira a regular de forma sistematizada esta importante actividade.

A estrutura da actual legislação, tal como a anterior, apresenta semelhanças com a das agências de viagens.

A nova lei permite que para além de pessoas colectivas, designadamente as sociedades comerciais, também possa ser exercida por pessoas singulares, através da figura do empresário em nome individual.

Opera-se uma distinção entre actividades próprias e acessórias das empresas de animação turística.

Surge-nos um tratamento mais desenvolvido para as actividades de turismo de natureza e para as marítimo-turísticas.

Quanto às actividades de turismo de natureza a sua caracterização decorre de dois factores: o local onde se desenvolvem (áreas classificadas ou outras com valores naturais) e o seu reconhecimento pelo Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB).

As actividades marítimo-turísticas caracterizam-se pela utilização de embarcações com fins lucrativos, figurando numa extensa listagem de modalidades, designadamente: passeios marítimo-turísticos, aluguer de embarcações com e sem tripulação, táxi fluvial ou marítimo, pesca turística, aluguer ou utilização de motas de água e de pequenas embarcações dispensadas de registo, serviços de reboque de equipamentos de carácter recreativo, tais como bananas, pára-quedas e esqui aquático.

Também aqui nos deparamos com um princípio de exclusividade, ou seja, um conjunto de actividades que a lei reserva para as empresas de animação, embora comportando excepções. Com efeito, permite-se que as agências de viagens possam aceder ao exercício das actividades de animação turística bem como as empresas proprietárias ou exploradoras de empreendimentos turísticos.

O exercício das actividades de animação turística por parte de associações, fundações, misericórdias, mutualidades, IPSS, institutos públicos, clubes e associações desportivas, associações ambientalistas, associações juvenis e outras entidades similares depende da verificação cumulativa de um extenso conjunto de requisitos.

Prevêem-se acentuados deveres de informação, em sede pré-contratual e na sequência da formação do contrato.

A ligação das actividades de animação turística com o ambiente pressupõe naturalmente a observância de algumas regras. Desde logo, o cumprimento das disposições legais e regulamentares em matéria de ambiente.

O dever de contribuir para a preservação ambiental decorre de duas atitudes opostas. Por um lado, maximizando a eficiência na utilização dos recursos, por outro, minimizando a produção de resíduos, ruído, emissões para a água e atmosfera, bem como os impactos no património natural.

Quando desenvolvidas em áreas protegidas as actividades devem observar dois importantes instrumentos: os planos de ordenamento e as cartas de desporto de natureza.

A inscrição no Registo Nacional dos Agentes de Animação Turística (RNAAT) constitui um requisito indispensável para o uso da denominação de empresa de animação turística ou de operador marítimo-turístico.

No caso de a empresa de animação turística pretender obter o reconhecimento das suas actividades como Turismo de Natureza, o Turismo de Portugal, I.P. envia o processo ao ICNB.

O registo dá lugar ao pagamento de uma taxa única. Em regra de 1500 €, excepto para as empresas certificadas como micro-empresas em que é reduzida para 950 €. No registo de operadores marítimo-turísticos o valor é de 245 €.

Na eventualidade de se encontrarem ultrapassados os prazos do licenciamento, à semelhança da comunicação da decisão de abrir ao público prevista para os empreendimentos turísticos e para os estabelecimentos de restauração ou de bebidas, prevê-se a entrega ao Turismo de Portugal, I.P. de uma declaração prévia de início de actividade na qual o requerido se responsabiliza pelo cumprimento dos requisitos. Complementarmente deve proceder ao pagamento da taxa.

O RNAAT baliza as actividades a desenvolver pelas empresas, ou seja, legalmente só podem prosseguir aquelas que figurarem no registo público.

O cancelamento do registo pode ocorrer mediante despacho do presidente do Turismo de Portugal, I.P., num circunstancialismo minuciosamente descrito na lei, como a falta de alguns dos requisitos legais, a não entrega do comprovativo de que os seguros se encontram em vigor, a insolvência ou extinção da empresa, a sistemática violação da Lei da Animação Turística, bastando para o efeito que no prazo de dois anos tenha praticado três ilícitos contra-ordenacionais punidos com coima.

Um dos capítulos mais importantes é o do reconhecimento das actividades como turismo de natureza que é da competência do ICNB, indispensável para que as empresas de animação possam oferecer um conjunto de serviços da Rede Nacional de Áreas Protegidas (fora dos perímetros urbanos) como é o caso dos passeios pedestres.

Relativamente às garantias das empresas de animação turística consistem num seguro de responsabilidade civil e de actividades pessoais cobrindo os riscos decorrentes das actividades que figuram no registo. Complementarmente um seguro de assistência às pessoas válido exclusivamente no estrangeiro.

De harmonia com o princípio comunitário da liberdade de estabelecimento, consagra-se a possibilidade de as pessoas singulares e colectivas estabelecidas noutro Estado-membro da União Europeia poderem exercer actividades de animação turística em Portugal, ocorrendo uma atenuação das formalidades.

Uma pequena nota neste meu último artigo antes do importante acto eleitoral de 27 de Setembro, numa conjuntura em que muito se fala de asfixia democrática e do poder económico condicionando os media. Em Março de 2006 surgiu, neste jornal, a minha primeira reflexão crítica sobre o PRACE e as suas consequências no turismo, tendo a partir de então produzido um conjunto de textos em que questionei regularmente alguns dos aspectos mais sensíveis da política de turismo do XVII Governo Constitucional. Poucos foram os aplausos como sucedeu no recuo na decisão de também extinguir o Instituto de Turismo de Portugal. O tom crítico foi, infelizmente, crescente e dominante. Com o aproximar das eleições dediquei-me a outras matérias porquanto já não era o tempo de tentar influenciar qualquer medida. Durante este longo, exigente e difícil período, o Publituris foi um espaço de total liberdade, em que os únicos limites foram aqueles que impus a mim próprio, o exercício de uma cidadania irreverente mas responsável. Bem hajam!
Outra relativa à ESHTE. Tomou recentemente posse o novo presidente, Fernando João Moreira, que num momento particularmente difícil assumiu uma atitude inclusiva, que lhe poderia ter comprometido a eleição mas que criou objectivamente condições para o relançamento de uma instituição com um extraordinário potencial mesmo no plano internacional.

In Publituris nº 1088, de 25 de Setembro de 2009, pág. 4

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Uma revolução tranquila: o fim do solo turístico-residencial


A actual conjuntura económica, em razão da menor pressão dos interesses imobiliários, poderá contribuir para a estabilização e consolidação do novo paradigma de exploração dos empreendimentos turísticos.


Uma das maiores preocupações em matéria de turismo tem sido a crescente permeabilidade desta actividade económica à imobiliária, no figurino da segunda residência ou, mais recentemente, no denominado turismo residencial.

Se numa fase inicial a imobiliária constituiu uma forma de alavancar o pesado investimento nas indispensáveis infra-estruturas de alojamento de turistas, sem as quais não é possível desenvolver uma actividade económica em que se compete à escala global – não obstante um movimento descendente, Portugal ocupa actualmente o 20º lugar do ranking mundial de turistas, vantagem competitiva ímpar no panorama das nossas actividades económicas –, tem constituído ultimamente a exclusiva motivação de investimentos alegadamente turísticos: os crescentes obstáculos criados pelos instrumentos de gestão territorial tornaram o turismo o único passaporte para a betonização de territórios com elevada sensibilidade ambiental, sobretudo nas zonas costeiras.

Com efeito, nos últimos anos surgiu um conjunto de empreendimentos, que apesar de se integrarem numa tipologia turística – aldeamentos ou conjuntos turísticos mas também apartamentos e a extinta tipologia das moradias turísticas –, o investidor prosseguiu um modelo de negócio caracteristicamente imobiliário, ou seja, a venda de lotes para a construção ou de moradias e apartamentos prontas a habitar. O funcionamento do modelo dependia apenas de encontrar quem investisse na edificação do alojamento ou equipamentos turísticos e quanto mais notória fosse a cadeia hoteleira melhor do ponto de vista da estratégia e do marketing do negócio imobiliário.

Em cerca de dois decénios, assistiu-se a uma completa inversão de valores: de uma pequena componente imobiliária destinada a suavizar o pesado investimento turístico, passou-se para uma situação diametralmente oposta, com o turismo legitimando o negócio imobiliário, acarretando elevados consumos de solo, comprometendo, assim, a sua própria sustentabilidade. Tornando-o, por essa atitude predatória, alvo da desconfiança de pequenos mas activos e crescentes grupos de influência como os ambientalistas.

O sistema que vigorava até à publicação do novo Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos (Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, abreviadamente RJET) permitia que alguns empreendimentos operassem uma distinção entre as unidades de alojamento que se encontravam afectas à exploração turística e as que se encontravam adstritas a fins residenciais.

O sistema de percentagens de afectação à exploração turística incidia em três tipos de empreendimentos turísticos, apresentando uma significativa amplitude: a obrigatória disponibilização permanente para locação diária a turistas das unidades de alojamento nos hotéis-apartamentos ou aparthotéis era de 70%, nos aldeamentos turísticos 50% e nos conjuntos turísticos 35%.

O que equivale a dizer que nos hotéis-apartamentos 30% das unidades poderiam ser vendidas e afectas pelos seus proprietários a fins residenciais, subindo para metade das unidades de alojamento nos aldeamentos turísticos. Nos conjuntos turísticos a percentagem era ainda mais generosa, ou seja, 65% das moradias ou apartamentos poderiam ser afectos a residência principal ou secundária.

No preâmbulo do RJET refere-se com destaque o novo paradigma de exploração dos empreendimentos turísticos, plasmado no art.º 45º, o qual assenta na unidade e continuidade da exploração por parte da entidade exploradora e na permanente afectação à exploração turística de todas as unidades de alojamento que compõem o empreendimento, independentemente do regime de propriedade em que assentam e da possibilidade de utilização das mesmas pelos respectivos proprietários.

Ou seja, mesmo nos hotéis-apartamentos, aldeamentos e conjuntos turísticos (resorts) não haverá, a partir da publicação do RJET, a possibilidade de afectar unidades de alojamento a fins residenciais embora se respeitem, como seria de esperar, as situações pretéritas constituídas ao abrigo do modelo dualista exploração turística / afectação residencial (art.º 75º/7).

Ainda, de harmonia com a explicação avançada pelo legislador em sede preambular, a aferição deste modelo assenta no dever da entidade exploradora assegurar que as unidades de alojamento se encontram permanentemente em condições de serem locadas para alojamento a turistas – o que pressupõe naturalmente uma decoração padrão e a interdição de objectos pessoais do proprietário no interior da unidade de alojamento - e de que nela são prestados os serviços obrigatórios da categoria atribuída ao empreendimento turístico (art.º 45º/2).

Veda-se a celebração de contratos que comprometam o uso turístico das unidades de alojamento (art.º 45º/6).

Do ponto de vista contra ordenacional, prevêem-se coimas de 2500€ a 3740,98€ no caso de pessoa singular, e de 25000€ a 44891,82 € para pessoa colectiva.

Em suma, trata-se de uma revolução porquanto o modelo vigente é agora de um elevado purismo quanto à utilização turística das unidades de alojamento, excluindo qualquer outra, operando um corte radical com o sistema de percentagens de afectação à exploração turística. Tranquila porquanto, embora certamente com diferentes motivações, os protagonistas do processo legislativo aceitaram, sem alarde na opinião pública, uma inovadora solução com profundas consequências não apenas na actividade imobiliária mas na própria sustentabilidade do turismo.

In Jornal Planeamento e Cidades nº 18, Setembro de 2009

O turismo nos programas eleitorais dos principais partidos políticos


É importante discutirem-se os conteúdos programáticos propostos pelos diferentes partidos políticos, clarificando e aprofundando os aspectos mais significativos.


Os partidos com assento parlamentar têm vindo a apresentar os seus programas eleitorais nos quais figura a actividade económica do turismo. Logo no início de Julho o BE fez a sua apresentação, seguindo-se o PS em finais de Julho, o PCP em meados de Agosto e, mais recentemente, o PSD e o CDS.

Embora a comparação se torne difícil em razão da diferente sistemática, do grau de profundidade e da extensão de cada um dos programas, ainda assim, procurarei destacar os aspectos mais significativos.

No programa do Bloco de Esquerda avulta o turismo cultural, dinamizando-o, sobretudo, nas cidades de pequena dimensão. Os grandes projectos turísticos devem cumprir uma percentagem de produção renovável para auto-consumo e preconiza a mudança da actual legislação do turismo de natureza, que autoriza hotéis, apartamentos, resorts e centros comerciais nas áreas protegidas.

Propõe processos participativos de ordenamento territorial, figurando especificamente o zonamento de áreas destinadas a turismo, elege o combate à especulação fundiária e aos mega-projectos turístico-imobiliários de forte componente residencial, operando a revogação dos PIN e PIN+. Nesta senda, propõe a limitação da componente residencial dos empreendimentos turísticos e a sua sujeição à exploração turística, impedindo a conversão de unidades de alojamento turísticas em habitação.

A escolha dos projectos turísticos a desenvolver, passando pelo crivo da sustentabilidade e compatibilidade com os instrumentos de gestão territorial, deve ter como principais critérios a criação de emprego permanente e a articulação e potenciação das actividades económicas e geradoras de emprego na região.

No programa do PS surge-nos o alargamento do sistema de formação em alternância, a articulação das políticas de transporte aéreo e objectivos do turismo e a aproximação da liderança mundial nos sectores do turismo, novas energias e fileira floresta-madeira-móvel.

Em posição de destaque figura uma parte expressamente dedicada ao turismo.

No campo da oferta, a avaliação do PENT, o acompanhamento e monitorização das medidas de simplificação administrativa implementadas, o reforço dos fundos destinados às sociedades gestoras Turismo Capital e Turismo Fundos, a criação de um novo Programa de Intervenção no sector do Turismo enfocado na requalificação de infra-estruturas designadamente em centros de congressos.

No que respeita à formação, a prossecução do trabalho de certificação internacional das escolas de hotelaria e turismo do TP em parceria com escolas internacionais de referência e colocar na próxima legislatura 1.000 jovens em formação no posto de trabalho.

Um novo acordo de promoção turística para Portugal com reforço de verbas e da parceria público privada existente, a criação de condições para o ingresso de novos parceiros e, por fim, a revisão do quadro regulatório.

Para o PCP trata-se de “Uma actividade turística, importante factor de dinamização económica (em particular do mercado interno) e componente de coesão, que deve garantir a competitividade e viabilidade económica dos destinos e empresas nacionais, exige o acesso de mais amplas camadas sociais inseparável da elevação das condições de vida, o combate à sazonabilidade e à diversificação dos mercados emissores, a salvaguarda e valorização do património natural e cultural, a afirmação das regiões de turismo enquanto entidades ligadas ao poder local e regional.”.

Na sua ligação com a actividade agrícola, refere-se o “desenvolvimento rural e a promoção do agro-turismo” e propõe-se “Outra política agrícola que tenha como eixo central, a par da racionalização fundiária pelo livre associativismo no Norte e Centro, a realização de uma profunda alteração fundiária que concretize, nas actuais condições, uma reforma agrária nos campos do Sul que liquide a propriedade latifundiária, o condicionamento legal do acesso à terra pelo capital estrangeiro, o combate à especulação imobiliária «turística» e o aproveitamento das potencialidades agrícolas de Alqueva.”

O PSD propõe incentivos para a iniciativa privada em sectores fundamentais como o turismo e a requalificação, valorização e promoção dos recursos turísticos nacionais para a criação de um produto turístico de qualidade, inovador e diferenciado.

Segue-se a actualização dos instrumentos estratégicos de planeamento e organização da actividade turística, a criação de uma rede nacional de territórios com elevado potencial de visitação turística e uma estratégia agressiva de promoção de Portugal no exterior como destino turístico seguro, qualificado, moderno, ambientalmente sustentável e apetecível.

No rebranding da imagem de Portugal, adicionar à imagem de destino turístico a de País de bens e serviços de qualidade.

Uma nova política de ambiente verdadeiramente transversal a todos os sectores designadamente ao turismo e a articulação com as políticas para a economia do Mar e para o turismo.

O turismo figura na criação de serviços e conteúdos de Nova Geração, pretende-se a requalificação de centros históricos e a preservação de património cultural e turístico, e, por fim, desenvolver o turismo cultural consolidando uma rede para todo o território nacional.

Para o CDS importa focalizar o objectivo da política de turismo no crescimento da receita por turista em detrimento do número de turistas, afirmando-se o desejo de Portugal voltar a ocupar o 15º lugar no ranking mundial, apoiando-se na rede diplomática para a divulgação do país como destino turístico de excelência.

Expressa a sua preocupação pelas pretensões imobiliárias que estão previstas para todo o litoral, designadamente pelos 31 grandes empreendimentos turísticos classificados como PIN ocupando zonas sensíveis do ponto de vista ambiental. Sustenta que é necessário procurar outro tipo de turistas, nomeadamente através do turismo residencial e do turismo cultural, de saúde e bem-estar. Confere um grande destaque ao turismo marítimo.

Aposta nos factores de diferenciação do destino turístico português: mar, património e cultura, conferências e eventos, natureza, golfe, itinerários religiosos e propõe a redução da taxa do IVA na restauração e a criação de um Código de Turismo e das Actividades Turísticas.

Uma política de candidaturas a eventos de nível mundial e o ensino público do turismo complementado com oferta de formação mais simplificada, em colaboração com os privados, são outras das vertentes do programa.

In Viajar nº 259, 1ª Quinzena de Setembro de 2009

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Sustentabilidade, planeamento e desenvolvimento turístico


Felizmente o discurso político começa a gravitar em torno da sustentabilidade do turismo e não de modelos de elevado consumo de solo como o antinómico turismo residencial.


1. Introdução

A sustentabilidade do turismo é, nos nossos dias, uma temática incontornável, encontrando-se associada à planificação do uso do solo e ao controlo do desenvolvimento turístico, dois dos principais meios de intervenção dos governos para determinar a natureza e intensidade do seu desenvolvimento.

Quanto maior for a cobertura daqueles dois meios maior será a probabilidade de alcançar uma actividade turística mais sustentável do ponto de vista económico, social e ambiental. É a questão do âmbito da planificação, isto é, no limiar máximo todas as parcelas do território são objecto de planeamento ou este restringe-se a determinadas zonas designadamente às zonas urbanas ou certas áreas protegidas.

A experiência diz-nos que quando se equacionam investimentos de diferente índole os argumentos que conduzem à preferência da actividade turística em detrimento por exemplo de uma actividade industrial ou mineira, um dos aspectos mais decisivos é o de se tratar de uma actividade que pressupõe para se desenvolver com sustentabilidade a conservação do ambiente.

O sistema planificação do uso do solo depende de um conjunto de condicionantes desde as circunstâncias políticas ao quadro legal, dos níveis de corrupção ao grau de eficiência administrativa e até da própria natureza da propriedade.

2. A evolução da planificação turística

Um dos aspectos mais importantes é o do relacionamento das estratégias de turismo com os planos do uso do espaço.

A planificação turística clássica e a actual são bem distintas.

A clássica funda-se na autoridade do Estado, que unilateralmente estabelece rígidos planos directores em que a adstrição à actividade turística decorre do binómio características físicas do solo e facilidades de acesso aos turistas. É o movimento planificatório descendente, de uma só via (top down).

A moderna planificação turística não decorre da inspiração da distante autoridade estadual mas da consulta às populações locais, preferindo aos rígidos planos directores planos estratégicos flexíveis apoiados na conhecida trilogia de factores económicos, sociais e ambientais. Temos agora vários feixes planificatórios orientadores de sentido ascendente (bottom-up).

A planificação espacial do turismo ao nível nacional, regional ou local deve ser antecedida da definição da respectiva estratégia. Três planos de administração pública do turismo correspondem precisamente a igual número de estratégias e planos.

Na base da estratégia e do planeamento turístico devem encontrar-se estruturas participativas e processos inclusivos de cidadãos e empresas.

A planificação toma em consideração os recursos naturais, as necessidades económicas e o potencial de mercado, indicando as grandes áreas para o desenvolvimento turístico. Impõe-se a sua ligação a outras planificações que também apresentem dimensão espacial, designadamente a dos transportes.

3. Etapas

Uma planificação mais sustentável do uso do solo pressupõe a observância de várias etapas.

Na sua base encontra-se o programa para o turismo sustentável que norteia as decisões estratégicas em matéria de turismo. Estas por seu turno determinam o pretendido desenvolvimento turístico seguindo-se a fase da planificação. O corolário de toda esta actividade é o investimento turístico.

A planificação não encerra apenas aspectos de controlo do desenvolvimento de actividades sabendo-se que o turismo pode acarretar a destruição de valores naturais ou uma inadmissível alteração do modo de vida das populações. Comporta também uma vertente positiva identificando os espaços para as novas iniciativas e produtos turísticos com uma matriz de sustentabilidade.

Podem utilizar-se conjuntamente outros instrumentos criando-se áreas prioritárias de desenvolvimento turístico nas quais sejam concedidos incentivos económicos para a criação de produtos enquadráveis no paradigma de sustentabilidade.

O princípio da precaução é incontornável, designadamente na planificação costeira em consequência das alterações climáticas e da subida previsível subida do nível das águas, assegurando-se o futuro e prevenindo-se nos demais casos todo um conjunto de eventos naturais adversos, designadamente os leitos de cheia.

A flexibilidade do plano a acontecimentos mundiais imprevisíveis que alterem o padrão de comportamento dos turistas e a previsão de mecanismos de revisão a partir de certos limites são outros dos aspectos a considerar.

Os indicadores são igualmente importantes destacando-se o EMAS (European Environmental Management System).

4. Metodologias do planeamento

Quanto às possíveis metodologias do planeamento perfilam-se a gestão integrada de áreas e o zonamento.

Determinas parcelas do território carecem de uma intervenção integrada de um conjunto diversificado de interesses. É o que sucede nas zonas costeiras nas quais o turismo constitui uma das mais importantes actividades económicas pelo que os seus pontos de vista devem ser tomados em consideração na gestão integrada das zonas costeiras, o denominado ICZM (Integrated Coastal Zone Management).

No zonamento identificam-se uma série de áreas para diferentes tipos e níveis de desenvolvimento turístico, devendo assentar numa cuidadosa avaliação dos recursos naturais e relacionar-se com outros assuntos espaciais estratégicos.

É importante o conceito de capacidade de carga para determinar o adequado desenvolvimento turístico.

5. Quadro legal da planificação

É criado pelas autoridades governamentais no plano nacional, regional ou local.

Existem um conjunto de normas com o escopo da sustentabilidade como o volume dos edifícios, localização, distâncias de segurança, limites verticais (construção em altura), materiais a utilizar (eficiência ecológica), obrigatoriedade de um conjunto de serviços, saneamento e recolha de lixos.

Ao nível da sustentabilidade social normas como as que prevêem o alojamento para os funcionários.

Nalguns países os edifícios não podem ocupar mais de determinada percentagem da zona terrestre (por exemplo 20‰), os limites verticais dos edifícios não podem exceder a altura das árvores, obriga-se à manutenção e preservação da vegetação costeira com o duplo objectivo de manter o aspecto natural das ilhas e evitar a erosão, impõe-se a observância de determinados detalhes na arquitectura e os novos investimentos já passam pelo crivo da avaliação do impacto ambiental.

In Publituris nº 1085, de 4 de Setembro de 2009, pág. 4

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

O Turismo no Programa Eleitoral do PSD


O Partido Social Democrata prevê o lançamento de um conjunto de programas que promovam o desenvolvimento de novas indústrias e serviços da economia do futuro, em sectores como recuperação do património histórico e cultural actuando como fonte de dinamização do turismo.


Cria incentivos para a iniciativa privada em sectores fundamentais como a energia, a agricultura, a economia do mar e o turismo.

E o turismo será uma das formas de combater a desertificação do meio rural.

Especificamente para o turismo propõe-se a requalificação, valorização e promoção dos recursos turísticos nacionais para a criação de um produto turístico de qualidade, inovador e diferenciado.

Segue-se a actualização dos instrumentos estratégicos de planeamento e organização da actividade turística bem como a criação de uma rede nacional de territórios com elevado potencial de visitação turística.

Completa-se com uma estratégia agressiva de promoção de Portugal no exterior como destino turístico seguro, qualificado, moderno, ambientalmente sustentável e apetecível.

Nos investimentos de proximidade, que consubstanciam intervenções de pequena e média dimensão, surge a preservação de património cultural e turístico.

No rebranding da imagem de Portugal, adicionar à imagem de destino turístico a de País de bens e serviços de qualidade.

Uma nova política de ambiente verdadeiramente transversal a todos os sectores designadamente ao turismo.

Na relação entre a preservação da biodiversidade e actividades económicas e produtivas surge como exemplo a relação entre a caça e o turismo e no plano da gestão integrada uma articulação com as políticas para a economia do Mar e para o turismo.

O turismo figura na criação de serviços e conteúdos de Nova Geração, acessíveis pelas Redes de Nova Geração.

Na visão integrada e transversal das políticas culturais surge a definição e promoção de novas dinâmicas do turismo cultural e nos investimentos públicos “de proximidade”, prioridade e a investimentos para requalificação de centros históricos e preservação de património cultural e turístico, designadamente do património monumental.

O desenvolvimento do turismo cultural, surge-nos centrado na reabilitação de vilas e centros históricos, de monumentos e sítios de reconhecido valor histórico-patrimonial. Pretende-se consolidar uma rede de oferta de turismo cultural para todo o território nacional.

O Turismo no Programa Eleitoral do Bloco de Esquerda


No programa do BE avulta o turismo cultural como uma das seis áreas prioritárias de abertura da sociedade de informação e da cultura, dinamizando-o sobretudo nas cidades de pequena dimensão e inflectindo a subordinação do Ministério da Cultura ao turismo em razão da escassez orçamental.


Expressa a sua apreensão face à carga dos sistemas de saúde dos países menos favorecidos pelo denominado turismo de saúde em consequência da eventual aprovação da directiva sobre cuidados de saúde transfronteiriços a qual prevê a livre circulação de doentes, com direito a reembolso pelo país de origem e sem necessidade de autorização prévia.

Os grandes projectos turísticos devem cumprir uma percentagem de produção renovável (painéis térmicos e fotovoltaicos) para auto-consumo e preconiza a mudança da actual legislação do turismo de natureza, que autoriza hotéis, apartamentos, resorts e centros comerciais nas áreas protegidas.

As iniciativas locais de emprego devem surgir prioritariamente nalgumas áreas designadamente no turismo de natureza, rural, de aventura, cultural, gastronómico e cinegético.

Surge também a definição em processos participativos da estratégia para o desenvolvimento dos serviços ambientais e das actividades territoriais, em especial do turismo e articular com os planos de gestão territorial (ao nível municipal o PDM, no regional o PROT) a definição de áreas destinadas a essas funções avançando-se especificamente o zonamento de áreas destinadas ao turismo, parques de lazer e outras actividades.

Outra das medidas é o combate à especulação fundiária e os mega-projectos turístico-imobiliários referindo-se que “a implantação de projectos turísticos de forte componente residencial obedece à lógica de construção de grandes condomínios privados em zonas privilegiadas sem as obrigações que assistem às operações urbanísticas. Isto implica uma grande carga sobre o território e ambiente e sobre a administração pública, pois representam ocupação residencial fora dos perímetros urbanos e maiores necessidades de infra-estruturas e serviços públicos (transportes, saúde, protecção civil, etc.). Além disso, este tipo de turismo de grandes condomínios tem uma criação limitada de empregos (geralmente precários), gera poucas receitas para a região onde estão implantados (a articulação com o comércio local é nula ou diminuta já que o condomínio presta todos os serviços), inviabiliza o desenvolvimento de projectos e actividades ambientais e territoriais com maior sustentabilidade e ganhos para a região”.

Para além da revogação do regime dos PIN e PIN+, surgem as seguintes medidas: limitação da componente residencial dos empreendimentos turísticos e a sua sujeição à exploração turística, impedindo a conversão de unidades de alojamento turísticas em habitação; os conjuntos turísticos com componente residencial devem obedecer ao regime das operações de loteamento e à apresentação de plano de pormenor; eliminação de benefícios fiscais (exemplificando-se com o IMI) a este tipo de empreendimentos e aumentar o contributo fiscal da componente residencial.

A escolha dos projectos turísticos a desenvolver deve ter como principais critérios a criação de emprego permanente e a articulação e potenciação das actividades económicas e geradoras de emprego na região. Devem ainda obedecer à estratégia para a sustentabilidade e aos instrumentos de gestão territorial.

O carácter fundamental da comunicação horizontal e vertical entre os departamentos culturais e turísticos dos organismos descentralizados da administração pública e das autarquias.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

A Reserva Agrícola Nacional (RAN) e o Turismo


Atente-se na excessiva amplitude do turismo de natureza que, diversamente do que a designação possa sugerir, abarca todos os tipos de empreendimentos turísticos.


O novo regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN) foi aprovado pelo Decreto-Lei nº 73/2009, de 31 de Março, definindo-se como um conjunto de áreas do território nacional que em função de três critérios – agro-climáticos, geomorfológicos e pedológicos – revelam uma maior aptidão para a actividade agrícola.

Trata-se de uma restrição de utilidade pública consubstanciada num regime territorial especial que condiciona, de forma mais ou menos acentuada, utilizações não agrícolas do solo. Não significa, porém, a exclusão ou interdição de outras actividades, designadamente o turismo que podem, em certas condições, ser desenvolvidas nestas parcelas do território.

Existem duas classificações das terras e dos solos, desdobrando-se ambas em 5 classes, mas nem todas integram a RAN, apenas as que se situam no topo. O art.º 6º alude à classificação das terras tendo por base a metodologia recomendada pela FAO – a sua introdução constitui uma inovação do diploma tal como a inclusão da actividade florestal na actividade agrícola – enquanto o art.º 7º estabelece a segunda classificação que assenta na metodologia fixada pelo CNROA.

É no art.º 22º que se estabelecem dois importantes tipos de requisitos para as utilizações não agrícolas, os quais são de aplicação cumulativa.

O primeiro respeita à não existência de alternativa viável fora das terras ou solos da RAN, aferindo-se para o efeito várias componentes: a técnica, a económica, a ambiental e a cultural.

O segundo prende-se com a localização em terras e solos classificados como de menor aptidão, ou seja, a orientação normativa é no sentido de se afectarem as terras e solos com menor aptidão ou capacidade de uso e preservarem-se os de aptidão elevada ou capacidade de uso muito elevada.

Para além disso, as actividades são enumeradas de forma taxativa, ou seja, existe uma filtragem das actividades não agrícolas que podem ser desenvolvidas na RAN.

No que respeita ao turismo são admitidos os empreendimentos de turismo no espaço rural, turismo de habitação e turismo de natureza numa perspectiva de complementaridade à actividade agrícola.

Diferentemente do que se verificou recentemente com o Plano de Ordenamento Turístico dos Açores, em sede de RAN as tipologias encontram-se harmonizadas com o novo Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos (RJET), aprovado pelo Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março que contempla oito tipos de empreendimentos turísticos: 1) Estabelecimentos hoteleiros (hotéis, aparthotéis e pousadas); 2) Aldeamentos turísticos; 3) Apartamentos turísticos; 4) Conjuntos turísticos (resorts); 5) Empreendimentos de turismo de habitação; 6) Empreendimentos de turismo no espaço rural (casas de campo, agro-turismo, hotéis rurais – já não se encontram sujeitos ao limite de 30 quartos ou suites – e turismo de aldeia); 7) Parques de campismo e de caravanismo; 8) Turismo de natureza (art.º 4º RJET).

O turismo de habitação autonomizou-se do turismo no espaço rural e a principal alteração – mantiveram-se as condições arquitectónicas dos edifícios onde se encontram instalados – é poder desenvolver-se para além dos espaços rurais nos urbanos.

O aspecto mais sensível prende-se com o turismo de natureza que no figurino anterior ao RJET compreendia tão somente o turismo no espaço rural e edificações com particulares características arquitectónicas (casas-abrigo) associados a uma baixa carga turística, mas que inclui actualmente todas as tipologias de empreendimentos turísticos designadamente estabelecimentos hoteleiros, conjuntos turísticos (resorts) e aldeamentos turísticos (art.º 20, nº 3 RJET).

Ou seja, a tipologia turismo de natureza apesar da sua designação à partida não o indiciar, engloba tipos de empreendimentos turísticos associados a elevadas capacidades de alojamento, próprias de modelos de elevada carga turística, pouco consentâneas com as limitações de interesse público ínsitas à delimitação da RAN.

Ainda no campo do turismo as instalações desportivas especializadas destinadas à prática de golfe, abrangem não apenas os campos de golfe contemplados na anterior legislação mas também driving ranges, academias de golfe ou centros de estágio com instalações de alojamento e restauração destinadas aos utentes.

Tais instalações devem ainda preencher o requisito da declaração de interesse para o turismo (Decreto-Regulamentar nº 22/98, de 21 de Setembro) e mercê das alterações que estão associadas na topografia do solo não assumam um carácter irreversível que obste à sua eventual reutilização na actividade agrícola.

in Jornal Planeamento e Cidades nº 17, Julho/Agosto 2009, pág. 24