A actual conjuntura económica, em razão da menor pressão dos interesses imobiliários, poderá contribuir para a estabilização e consolidação do novo paradigma de exploração dos empreendimentos turísticos.
Uma das maiores preocupações em matéria de turismo tem sido a crescente permeabilidade desta actividade económica à imobiliária, no figurino da segunda residência ou, mais recentemente, no denominado turismo residencial.
Se numa fase inicial a imobiliária constituiu uma forma de alavancar o pesado investimento nas indispensáveis infra-estruturas de alojamento de turistas, sem as quais não é possível desenvolver uma actividade económica em que se compete à escala global – não obstante um movimento descendente, Portugal ocupa actualmente o 20º lugar do ranking mundial de turistas, vantagem competitiva ímpar no panorama das nossas actividades económicas –, tem constituído ultimamente a exclusiva motivação de investimentos alegadamente turísticos: os crescentes obstáculos criados pelos instrumentos de gestão territorial tornaram o turismo o único passaporte para a betonização de territórios com elevada sensibilidade ambiental, sobretudo nas zonas costeiras.
Com efeito, nos últimos anos surgiu um conjunto de empreendimentos, que apesar de se integrarem numa tipologia turística – aldeamentos ou conjuntos turísticos mas também apartamentos e a extinta tipologia das moradias turísticas –, o investidor prosseguiu um modelo de negócio caracteristicamente imobiliário, ou seja, a venda de lotes para a construção ou de moradias e apartamentos prontas a habitar. O funcionamento do modelo dependia apenas de encontrar quem investisse na edificação do alojamento ou equipamentos turísticos e quanto mais notória fosse a cadeia hoteleira melhor do ponto de vista da estratégia e do marketing do negócio imobiliário.
Em cerca de dois decénios, assistiu-se a uma completa inversão de valores: de uma pequena componente imobiliária destinada a suavizar o pesado investimento turístico, passou-se para uma situação diametralmente oposta, com o turismo legitimando o negócio imobiliário, acarretando elevados consumos de solo, comprometendo, assim, a sua própria sustentabilidade. Tornando-o, por essa atitude predatória, alvo da desconfiança de pequenos mas activos e crescentes grupos de influência como os ambientalistas.
O sistema que vigorava até à publicação do novo Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos (Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, abreviadamente RJET) permitia que alguns empreendimentos operassem uma distinção entre as unidades de alojamento que se encontravam afectas à exploração turística e as que se encontravam adstritas a fins residenciais.
O sistema de percentagens de afectação à exploração turística incidia em três tipos de empreendimentos turísticos, apresentando uma significativa amplitude: a obrigatória disponibilização permanente para locação diária a turistas das unidades de alojamento nos hotéis-apartamentos ou aparthotéis era de 70%, nos aldeamentos turísticos 50% e nos conjuntos turísticos 35%.
O que equivale a dizer que nos hotéis-apartamentos 30% das unidades poderiam ser vendidas e afectas pelos seus proprietários a fins residenciais, subindo para metade das unidades de alojamento nos aldeamentos turísticos. Nos conjuntos turísticos a percentagem era ainda mais generosa, ou seja, 65% das moradias ou apartamentos poderiam ser afectos a residência principal ou secundária.
No preâmbulo do RJET refere-se com destaque o novo paradigma de exploração dos empreendimentos turísticos, plasmado no art.º 45º, o qual assenta na unidade e continuidade da exploração por parte da entidade exploradora e na permanente afectação à exploração turística de todas as unidades de alojamento que compõem o empreendimento, independentemente do regime de propriedade em que assentam e da possibilidade de utilização das mesmas pelos respectivos proprietários.
Ou seja, mesmo nos hotéis-apartamentos, aldeamentos e conjuntos turísticos (resorts) não haverá, a partir da publicação do RJET, a possibilidade de afectar unidades de alojamento a fins residenciais embora se respeitem, como seria de esperar, as situações pretéritas constituídas ao abrigo do modelo dualista exploração turística / afectação residencial (art.º 75º/7).
Ainda, de harmonia com a explicação avançada pelo legislador em sede preambular, a aferição deste modelo assenta no dever da entidade exploradora assegurar que as unidades de alojamento se encontram permanentemente em condições de serem locadas para alojamento a turistas – o que pressupõe naturalmente uma decoração padrão e a interdição de objectos pessoais do proprietário no interior da unidade de alojamento - e de que nela são prestados os serviços obrigatórios da categoria atribuída ao empreendimento turístico (art.º 45º/2).
Veda-se a celebração de contratos que comprometam o uso turístico das unidades de alojamento (art.º 45º/6).
Do ponto de vista contra ordenacional, prevêem-se coimas de 2500€ a 3740,98€ no caso de pessoa singular, e de 25000€ a 44891,82 € para pessoa colectiva.
Em suma, trata-se de uma revolução porquanto o modelo vigente é agora de um elevado purismo quanto à utilização turística das unidades de alojamento, excluindo qualquer outra, operando um corte radical com o sistema de percentagens de afectação à exploração turística. Tranquila porquanto, embora certamente com diferentes motivações, os protagonistas do processo legislativo aceitaram, sem alarde na opinião pública, uma inovadora solução com profundas consequências não apenas na actividade imobiliária mas na própria sustentabilidade do turismo.
In Jornal Planeamento e Cidades nº 18, Setembro de 2009