sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Análise do Instituto da Declaração de Interesse para o Turismo


A declaração de interesse para o turismo não se esgota na vertente do financiamento, constituindo um importante factor de distinção de um estabelecimento ou actividade.

Inicio uma série de artigos mensais no TURISVER, analisando o instituto da declaração de interesse para o turismo, aprovado pelo Decreto-Regulamentar nº 22/98, de 21 de Setembro (abreviadamente RegDIT), alterado pelo Decreto-Regulamentar nº 1/2002, de 3 de Janeiro, pela circunstância de se tratar do primeiro de vários diplomas contendo um elevado número de alterações à legislação turística, aprovados pelo anterior Governo, fundamentalmente em Dezembro do ano transacto.

O direito anterior, ou seja, a lei hoteleira, já previa a declaração de interesse para o turismo dos empreendimentos de animação, culturais e desportivos.

Na linha de fragmentação ou dispersão legislativa iniciada a partir de 1997 – até então a disciplina da actividade turística concentrava-se fundamentalmente na lei hoteleira e no seu regulamento, o Decreto-Regulamentar nº 8/89 –, a DIT é autonomizada num diploma de cariz regulamentar na sequência do artº 57º da LET (lei dos empreendimentos turísticos – Decreto-Lei nº 167/97, de 4 de Julho).

Embora o preâmbulo da LET preveja o enquadramento das actividades de alojamento pela DIT, as disposições regulamentares em análise não deram seguimento, e até inflectem, tal propósito do legislador. Designadamente, os alojamentos particulares previstos no artº 79º da LET, ao invés do que sucedia na lei hoteleira, não podem ser declarados de interesse para o turismo.

O quadro ilustra na primeira coluna, relativa à versão inicial do diploma, os estabelecimentos, iniciativas, projectos ou actividades que podem dar lugar à declaração, da competência da Direcção-Geral do Turismo, mediante prévio requerimento dos interessados.

Apesar de se tratar de um diploma recente, foi alterado decorridos pouco mais de três anos sobre o início da sua vigência. Estando hoje perfeitamente interiorizadas no sector as consequências negativas da instabilidade legislativa sem precedentes iniciada em 1999, existe a expectativa de que os novos responsáveis políticos retomem a tradição de estabilidade e qualidade dos textos legislativos que, independentemente da orientação partidária, sempre constituiu uma marca indelével das leis do turismo.

A alteração fundamental – porventura a única que se mostrava instante – respeita à subtracção dos balneários termais à regra do funcionamento anual ininterrupto. A respectiva associação há muito que vinha reclamando tal alteração, por forma a que os balneários termais pudessem beneficiar da DIT e, assim, acederem aos regimes de incentivos financeiros públicos.

As demais alterações decorrem da ausência de uma visão de conjunto das matérias a regular no processo de feitura das leis, da indispensável ponderação dos aspectos da multifacetada realidade turística com relação entre si.

Quando em 1988 se preparou a legislação em matéria de DIT estava ausente qualquer intenção de disciplinar as empresas de animação turística, que só viria a ocorrer dois anos mais tarde, de forma bastante simplificada ou mesmo rudimentar, decalcando-se o figurino legal das agências de viagens.

Este inexplicável hiato na abordagem de matérias com óbvias relações entre si, aliado à impetuosidade legiferante do anterior responsável político do turismo, tornaram inevitável e explicam em boa medida o aludido Decreto-Regulamentar nº 1/2002.

Basta atentarmos no facto de a primitiva alínea g) do nº 1 do artº 1º – «outros equipamentos e meios de animação turística, nomeadamente de índole cultural desportiva e temática» – permitir, em condições normais, e sem esforço hermenêutico incomportável, abarcar na DIT o acervo de aditamentos introduzidos no Decreto-Regulamentar nº 1/2002 (ver quadro).

Tais alterações são justificadas no preâmbulo pela necessidade de harmonizar, de compatibilizar o RegDIT com o Decreto-Regulamentar nº 204/2000, de 1 de Setembro, que regula o acesso e o exercício da actividade das empresas de animação turística. Harmonização que, algo surpreendentemente, seria posta em causa em sede de trabalhos preparatórios da lei, ao projectar-se a substituição do conceito de balneários termais pelo de estâncias termais. Se o RegDIT e o diploma das empresas de animação estavam nesse particular harmonizados, seria a própria alteração legislativa, motivada pela necessidade de compatibilização, a introduzir a desarmonia. Um significativo prenúncio da pouco cuidada actividade de preparação de leis, com consequências profundamente negativas, como veremos em artigos futuros a propósito de algumas matérias.

Eliminou-se, sem razão aparente, a declaração automática no âmbito dos projectos integrados turísticos de natureza estruturante e base regional (PITER), importando ainda referir que a matéria das rotas dos vinhos não decorre da compatibilização com a disciplina das empresas de animação turística.

Decepcionante e inexplicável foi a manutenção da regra do funcionamento anual para os estabelecimentos de restauração e bebidas.

Decepcionante porquanto as fundadas expectativas criadas pelos responsáveis políticos conduziriam a que tais estabelecimentos instalados v.g. em zonas de praia, com o seu funcionamento confinado à época estival, pudessem ser declarados de interesse para o turismo. Não obstante o funcionamento limitado a determinadas épocas do ano, a qualidade de muitos desses estabelecimentos e a sua utilização, nalguns casos predominantemente por turistas, conduziriam inevitavelmente a tal solução.

Inexplicável porque não é possível apurar com um mínimo de segurança a ratio da aludida regra do tratamento favorável conferido a determinadas actividades em detrimento de outras. Quer pelo aspecto discriminatório, quer pelo carácter insondável e tendencialmente residual da regra – a grande maioria das actividades aditadas ao elenco legal não estão sujeitas ao funcionamento anual –, deveria ter sido suprimida.

A questionável opção da sua manutenção apenas para algumas actividades, a impossibilidade de apuramento das razões de interesse público que lhe subjazem, encontram, assim, nos estabelecimentos de restauração e de bebidas uma das suas facetas mais negativas.

Maxime se tivermos em consideração que a DIT não se esgota na vertente do financiamento, constituindo um importante factor de distinção de um estabelecimento ou actividade, que por essa via se projecta além da sua normal destinação económica, denotando através do reconhecimento de um organismo público a sua relevância para o turismo.

Carlos Torres
Advogado
Turisver, Ano XVII – nº 573 – 5 de Julho de 2002