sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

O fim de um modelo consensual da Administração do Turismo assente na especialização dos Órgãos

1) A profundidade da reforma e a não apresentação imediata do modelo substitutivo

Num ápice e sem prévia auscultação dos destinatários, o Governo deitou por terra, na passada Quinta-feira, 30 de Março de 2006, as traves mestras da administração central do turismo, erradicando um conjunto de instituições que cristalizavam uma evolução consensual iniciada na Iª República, sedimentada na fase do lançamento do turismo português dos anos sessenta e setenta, as quais foram mantidas e fortalecidas pelo Regime Democrático.

Não há memória, entre nós, dum conjunto de medidas desta dimensão, não subsistindo nenhum dos pilares da administração central do turismo maxime a DGT e o INFTUR, assim como o Instituto de Turismo de Portugal (ITP) e a Inspecção-Geral de Jogos.

Tudo ruiu em nome de algo cujos contornos ainda não se conhecem com um mínimo de detalhe, que o Ministro da Economia e Inovação (MEI) irá apresentar nos próximos dias. A força avassaladora que destruiu grandes instituições públicas do turismo português, formadas há largos decénios, é mais forte e precede o engenho criativo do novel organismo de pendor concentracionista.

Embora o Programa do Governo pressuponha a existência dos órgãos extintos, ou seja, o aprofundamento do papel do ITP, a renovação da acção da DGT e o reforço e dinamização do INFTUR e IGJ – e apesar de tal deliberação vincular todos os membros do Executivo –, a sanção para a sua inobservância é exclusivamente de natureza política, insusceptível de ser apreciada pelos tribunais.

2) Dúvidas relativamente ao novo figurino de administração do turismo e a postura do Ministro e Secretário de Estado

A tergiversação, em escassas semanas ou dias, quanto ao modelo final é também preocupante: primeiro o ITP absorvia a DGT, no documento final do PRACE surge um Instituto Português de Turismo que absorve o primeiro, mas no próprio dia da aprovação em Conselho de Ministros emerge uma Agência Nacional de Turismo.

É evidente que a apreciação final das profundas modificações introduzidas na administração do turismo português não pode assentar, exclusiva ou predominantemente, no coro de críticas que tais medidas geraram, porquanto quem governa tem de estar preparado para todo o tipo de reacções adversas da opinião pública, dos lóbis empresariais ou comentadores. Nem sempre os avanços que a sociedade portuguesa reclama se logram em clima de consenso e, não raro, o interesse público da medida se situa nos antípodas do coro de protestos que gera. Há sempre alguém com um argumento para não fazer.

Tenho, assim, particular respeito e admiração por aqueles governantes que contra ventos e marés sustentam medidas indispensáveis ao progresso, mas não é manifestamente o caso desta dupla MEI/Secretário de Estado do Turismo (SET).

Porém, qualquer medida, por mais impopular que seja, pode e deve ser explicada e convenientemente estudada para não transmitir ao cidadão uma sensação de impreparação dos governantes. Em Democracia não há outro caminho. Se não se consegue explicar uma medida ou se a posição é alterada de forma incongruente no iter decisório, a credibilidade do proponente fica naturalmente afectada. Paradoxalmente, flui do próprio relatório final do PRACE que os trabalhos se desenrolaram numa lógica de diálogo e, sempre que possível, de consenso com os responsáveis da Administração.

Como referi no artigo publicado antes da aprovação das medidas, o sector soube das más novas pelos jornais originando justificados protestos, perfeitamente evitáveis. Desta forma, mesmo que nos encontrássemos perante um acervo de boas medidas, as mesmas ficavam prejudicadas pela forma da sua apresentação.

Posteriormente à divulgação das medidas na comunicação social, o comportamento dos governantes foi claramente insatisfatório. Ainda assim, o do SET melhor que o do MEI.

O MEI pretendendo justificar as medidas, declara que as mesmas correspondem às aspirações do sector privado. Uma afirmação temerária do governante prontamente desmentida, designadamente numa entrevista do presidente da CTP. Bastaria ter lido os comunicados da AHETA, AHP, APAVT, etc. para perceber que tais medidas não correspondiam aos anseios do sector e não teria corrido o risco de ser desmentido num argumento fundamental para a sua tese.

Procurando emendar a mão, no próprio dia da aprovação das medidas em Conselho de Ministros, o Ministro já não se expõe, surgindo na comunicação social um conjunto de notícias baseadas em fonte governamental que aludiam à criação de uma Agência Nacional do Turismo, megaestrutura que absorveria o Instituto de Turismo de Portugal (ITP), INFTUR e DGT. Faltaria, assim, apenas criar o Ministério do Turismo e um Conselho Estratégico para o Turismo de molde a corresponder aos anseios da CTP e do estudo de Ernâni Lopes. Pior a emenda que o soneto: num firme e pronto comunicado, a CTP infirma a veracidade do conteúdo de tais notícias.

O SET, mais prudente, refugia-se em evasivas frases de estilo de modernização do sector e outras do género, sem nunca entrar no fundo da questão. No dia da aprovação das medidas em Conselho de Ministros, na tomada de posse dos titulares dos órgãos sociais da ARESP, anuncia genericamente o que todos já sabiam pela comunicação social e remete para a Terça-feira seguinte a apresentação do modelo pelo Ministro da Economia. Ficando-se claramente com a sensação que havia que ganhar tempo para burilar a solução final.

No entanto, aquando da conclusão deste artigo, não se sabe quando terá lugar a referida apresentação pelo MEI. O SET, por seu turno, foi de férias, não estando, assim, presente no congresso das regiões de turismo, que ganha em consequência destas medidas uma importância acrescida, mas no qual, inexplicavelmente, não vai estar ninguém do Governo para defender as medidas e fundamentar o novo figurino da administração do turismo. Recordo-me a este propósito que o SET também não estava presente (encontrava-se, salvo erro, na Turquia) aquando da inopinada comunicação aos altos dirigentes do turismo que iriam ser substituídos no dia seguinte – o que também não se percebe agora, pois, se era para extinguir os organismos, os anteriores dirigentes poderiam continuar por mais alguns escassos meses a desempenhar o cargo. Convidam-se pessoas, as quais certamente tiveram de alterar a sua vida, para depois, sem ter decorrido um ano, ficarem com o estigma de coveiros da instituição a que presidem? Não se faz!

3) A importante questão da Inspecção-Geral de Jogos

Na altura em que escrevo, no documento final do PRACE publicado no site oficial da PCM, a Inspecção-Geral de Jogos desapareceu do organograma do Ministério da Economia e Inovação – recordo que figurava na versão do PRACE a que me referi no artigo de opinião anterior – mas terá ficado de harmonia com a garantia do MEI no seu ministério. À cautela, era melhor confirmar-se este aspecto não vá somar-se ao actual desastre outro de igual ou superior dimensão atenta a importância das verbas para o sector.

4) A responsabilidade política da derrocada

Esta frágil dupla política MEI/SET não conseguiu fazer valer no interior do Executivo, como lhe competia e era expectável, um conjunto de argumentos que teria obstado à derrocada de órgãos especializados na administração do turismo sobre os quais recaía um alargado consenso quanto à sua utilidade. Não é bom para um importante sector da economia do país e afecta a imagem do Governo – no dia da aprovação das medidas uma sondagem dava-lhe uma elevada popularidade – num ambicioso programa que os cidadãos em geral aceitam e compreendem. Provavelmente o MEI deve ter ficado com a auto-estima nos píncaros ao surgir na apresentação do PRACE como o recordista da variação negativa ao nível ministerial (-29), logo a seguir à PCM, mas essa crua realidade dos números não se traduz numa vantagem para o sector, bem pelo contrário. Para além de não ser real, na medida em que inclui as regiões de turismo que se encontram fora do PRACE.

5) Considerações finais

Duas brevíssimas notas finais. É bom que na área do partido político do poder surjam vozes que, sem quebra da indispensável solidariedade política, coloquem o dedo na ferida e expressem com frontalidade as suas opiniões. Já tinha sucedido com António Carneiro, agora foi a vez de Vítor Neto, que também reunindo condições para ascender à governação do turismo, na qual aliás se notabilizou como um dos expoentes da governação socialista, optou por um clarividente artigo de opinião no Diário Económico de hoje (é, seguramente, dos que mais tem a perder pela opinião dissidente).

Fora da área do partido do poder, realçar a excelente entrevista de António Abrantes – um profundo conhecedor e apaixonado das matérias do turismo – relativamente às alterações em matéria de administração do turismo e, também nesse âmbito, a postura crítica e frontal de Atílio Forte.

Carlos Torres
Advogado
Artigo publicado em PUBLITURIS
(Nº 922 – 14 de Abril de 2006)