quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Classificação: Uma das Traves Mestras de um Turismo de Qualidade


Considerações prévias


Antes de entrar na matéria deste artigo, gostaria de referir dois factos positivos ligados ao turismo que marcam o início de 2004, para além naturalmente dos incontornáveis certames profissionais que ocorrem nesta época. O primeiro relativo a uma curiosa e inovadora incursão de um governante do turismo no campo académico. O segundo ligado à produção editorial que começa a registar um incremento significativo nos últimos anos, embora ainda possa considerar-se incipiente atenta a importância do turismo para o futuro do país e até bastante desequilibrada no plano comparativo se atentarmos na cadência editorial espanhola, francesa, alemã ou italiana nas áreas económica, de gestão, sociológica e jurídica aplicadas ao turismo.

1º – Em 15 de Janeiro de 2004, o Secretário de Estado do Turismo (SET), Luís Correia da Silva, deslocou-se à Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril (ESHTE), escolhendo uma forma assaz original para a primeira visita, na qualidade de governante, àquele estabelecimento de ensino superior: ministrar uma aula aos alunos do 4º ano na disciplina de Economia do Turismo (Direcção e Gestão Hoteleira e D.G. Operadores Turísticos).


Tratando-se da cadeira leccionada por Carlos Costa, a atitude do governante é reveladora de um saudável amadurecimento democrático. Separando descomplexadamente dois planos de actuação, o académico e o político. No primeiro, Carlos Costa é um professor de referência de uma escola de topo no ensino do turismo, encontrando-se já na fase da preparação do seu doutoramento. No político, esteve, com prestígio, ligado ao período mais fecundo da governação socialista na área do turismo e fugazmente na área das finanças e administração do ICEP. Pode considerar-se uma das vozes mais críticas da actual governação do turismo, mercê dos incisivos artigos de opinião que vem regularmente produzindo, os quais surgem fortemente amplificados em razão da letargia existente na opinião pública e do preocupante défice de crítica associativa.


O SET expôs demoradamente a política de turismo vertida no PDT, num tom coloquial e despretensioso, conseguindo captar a atenção da assistência através da criação de um ambiente intimista esbatendo-se fortemente a qualidade de governante. O à vontade criado e o estímulo à crítica prolongaram significativamente a aula para além da meia noite, permitindo no final três interessantes questões dos alunos, uma das quais sobre a controversa proposta de ausência de classificação. Um acto de governação simples mas pleno de significado que importa registar. O facto
de algumas das ideias veiculadas serem, no meu entender, muito questionáveis em nada prejudica obviamente o marcado e positivo simbolismo da atitude do governante.

2º – Sérgio Palma Brito lançou em 21 de Janeiro de 2004, na BTL, perante uma vasta e representativa audiência de personalidades do turismo, designadamente o SET, uma obra de grande extensão – 2 volumes com 1096 páginas – intitulada Notas sobre a Evolução do Viajar e a Formação do Turismo. Tendo a sua génese nas comemorações dos 90 anos do turismo em Portugal, não se confina a este período, abordando em geral a sua genealogia e no que respeita ao turismo português os períodos de emergência (1850-1950), de crescimento (1950-1979) e o de transformação qualitativa (desde 1979).


Para além do prazer na sua leitura, as pistas de investigação que abre são significativas. Conhecendo a obra numa fase muito anterior à sua publicação, posso neste momento avaliá-la com um mínimo de rigor e assegurar o manifesto interesse para os profissionais do turismo e sobretudo para os estudantes e estudiosos desta área. Palma Brito, porventura em razão de uma escrita muito peculiar utilizada ao longo dos anos nos artigos de opinião publicados num dos jornais do sector (estilo que não raro afecta a substância das suas posições), nunca ascendeu à governação do turismo. Esta importante obra pode influenciar muito positivamente o seu perfil, recolocando-o numa posição interessante no ranking dos secretariáveis ou ministeriáveis do turismo quando a sua família política regressar ao poder.


1) A surpreendente proposta governamental de empreendimentos turísticos sem classificação

Entremos agora no aspecto central do presente artigo: a perspectiva governamental da dispensabilidade de um sistema de classificação dos empreendimentos turísticos. Ou seja, propõe-se que se evolua de um sistema de classificação obrigatório para um meramente facultativo, dependente tão somente da vontade dos empreendedores.

O primeiro comentário respeita ao carácter surpreendente da medida. Com efeito, a temática da possibilidade de os empreendimentos turísticos não possuírem classificação foi introduzida de forma totalmente inesperada, não decorrendo de qualquer significativa corrente de opinião que se tenha formado ao longo dos últimos anos. Na anterior Legislatura e nos primórdios da actual, que me recorde, ninguém suscitou tal intenção. Ela é coeva da apresentação do PDT na cimeira de Vilamoura e defendida, com alguma convicção, pelo actual SET.


2) Traços fundamentais do actual sistema de classificação

2.1) Órgão competente e procedimento

Em traços necessariamente muito gerais vejamos o actual sistema de classificação dos empreendimentos turísticos, designadamente quanto ao órgão competente e ao procedimento de classificação.

A competência em matéria de classificação de empreendimentos turísticos é, em regra, atribuída à DGT, excepto no caso dos parques de campismo públicos, em que é cometida à respectiva câmara municipal.


A classificação tem duas fases distintas: a provisória e a definitiva.


Quando, no âmbito do licenciamento da construção, a câmara municipal procede à consulta da DGT sobre o projecto de arquitectura, esta, conjuntamente com tal parecer vinculativo, aprova, a título provisório, a classificação que o empreendimento pode alcançar de harmonia com os elementos fornecidos pelo processo (artº 15º, nº 4 LET). A futura aprovação definitiva da classificação pretendida pelo empreendedor pode ficar dependente do cumprimento de determinados condicionamentos de natureza legal ou regulamentar (idem, nº 5).


Isto quanto à fase do licenciamento da construção. Num segundo momento, construído e equipado o edifício do empreendimento turístico, entra-se na fase do licenciamento da utilização. Nos dois meses subsequentes à emissão do alvará de licença de utilização turística ou da abertura do empreendimento o interessado deve requerer à DGT a sua classificação definitiva.


A DGT realiza uma vistoria por forma a verificar o cumprimento das normas e a observância dos requisitos inerentes à classificação pretendida pelo requerente. Não o faz, porém, apenas com os seus técnicos, reunindo para o efeito um representativo conjunto de entidades públicas e privadas numa comissão de vistoria. Integram-na, como membros de estatuto pleno, para além de dois técnicos da DGT, um representante do órgão regional ou local de turismo, um representante da Confederação do Turismo Português e um representante de outra associação patronal do sector, tomando ainda nela assento, embora sem direito de voto (estatuto limitado), o próprio requerente.


Nos quinze dias subsequentes à vistoria, ou esgotado o prazo para a sua realização, a DGT deve, agora já a título definitivo, aprovar a classificação e fixar a capacidade máxima do empreendimento. Esgotado o prazo forma-se o garantístico deferimento tácito.


A ratio da solução flui do seguinte excerto do preâmbulo da LET: «Além disso, torna-se o promotor o primeiro responsável pelo cumprimento das regras respeitantes aos empreendimentos, pois esse cumprimento só será avaliado para efeitos de classificação e não da entrada em funcionamento do empreendimento. Significa isto que o empreendimento entra em funcionamento à responsabilidade do promotor, pois, a existir modificação da classificação provisória que havia sido atribuída ao empreendimento, tal resultará apenas da falta de cumprimento das normas que o mesmo conhece.».


O juízo técnico de verificação dos requisitos não se confina ao momento da instalação do empreendimento turístico pois, a qualquer momento, a classificação pode ser revista. A iniciativa pode partir do próprio interessado, do órgão regional ou local de turismo ou, ainda, oficiosamente, pela própria DGT ou câmara municipal.


2.2) A predominância da classificação por estrelas

Os quatro tipos de empreendimentos turísticos (estabelecimentos hoteleiros, meios complementares de alojamento turístico, parques de campismo públicos e conjuntos turísticos) são obrigatoriamente sujeitos a classificação assente num conjunto de requisitos mínimos que decorrem do articulado da lei e de um conjunto de tabelas criadas com o objectivo de simplificarem a análise do empreendedor.

Nos estabelecimentos hoteleiros a classificação é predominantemente por estrelas: hotéis (cinco a uma = 5/1), hotéis-apartamentos (5/2), estalagens (5/4) e motéis (3/2). Exceptua-se o caso das pensões (albergaria e 1ª, 2ª e 3ª categorias) e das pousadas (tipo de edifício em que se encontram instaladas).

Os meios complementares de alojamento também são maioritariamente classificados por estrelas: aldeamentos turísticos (5/3) e apartamentos turísticos (5/2). Exceptuam-se as moradias turísticas (categorias de 1ª e 2ª).

São ainda classificados por estrelas (4/1) os parques de campismo públicos, enquanto os conjuntos turísticos são objecto não propriamente de uma classificação (não há por exemplo conjuntos turísticos de cinco estrelas) mas de qualificação. A classificação opera-se no seu interior, ao nível dos elementos que o compõem, maxime estabelecimentos hoteleiros e meios complementares de alojamento e eventualmente dos estabelecimentos de restauração e bebidas quando a possuam. Podem inclusivamente tais classificações serem bastante diferenciadas entre si, havendo tão somente que proceder à respectiva autonomização (preservação das características próprias e do nível de serviço).


Sendo concebíveis pelo menos quatro categorias para a respectiva simbologia – estrelas, designação, ordem e letras - o sistema actual de classificação, é, à semelhança do anterior (lei hoteleira) um sistema misto denotando algum ecletismo. Embora dominem largamente as categorias constituídas por estrelas, surge episodicamente a designação (pousadas e em diferente plano albergaria e hotel-resort) e a ordem (pensões e moradias turísticas). O legislador apenas não lançou mão da última categoria (letras).


(FIM DA PRIMEIRA PARTE)

Turisver - Ano XIX - nº 607, 5 de Fevereiro de 2004