As regiões de turismo, com a resistência própria das grandes instituições sobreviveram aos poderosos golpes que lhes foram desferidos durante a primeira metade da actual Legislatura, esperando-se do novo responsável político um tratamento mais de harmonia com o importante papel que desempenham em prol do desenvolvimento do nosso turismo. Poderão, inclusivamente, permitir uma solução audaz para alguns dos problemas (transferência de competências para as DRE em matéria de empreendimentos turísticos, turismo no espaço rural e agências de viagens) que inevitavelmente estão associados à criação do Ministério do Turismo. As câmaras municipais, para além de despoletarem o seu processo de criação, têm uma fortíssima representação nas regiões de turismo, pelo que se deve trabalhar uma solução intermédia que se traduza nalguma recuperação de atribuições e competências em matéria de licenciamento de empreendimentos turísticos, área na qual se vem constatando uma perda de influência do turismo.
A imagem da ave mítica, que vive prolongadamente e renasce das próprias cinzas imortalizando-se, ocorre-me a propósito da capacidade de sobrevivência das regiões de turismo face aos ataques de que foram alvo na actual Legislatura e que, no essencial, são atribuíveis ao Ministro da Economia do XV Governo Constitucional.
Pude observar à distância, mas com o indispensável conhecimento, o negativo fluir dos acontecimentos. Embora as legislaturas imediatamente anteriores não tenham sido propriamente um mar de rosas – pense-se, por exemplo, na proposta do ministro Alberto Martins de as transformar em institutos públicos –, a primeira metade da actual terá equivalido, seguramente, a algumas tempestades de alto mar.
Logo em Setembro de 2002, por ocasião do jantar comemorativo dos vinte anos do diploma legal que as instituiu, o Ministro da Economia, evidenciando um estado de espírito adverso, apontava como um dado negativo o número excessivo de regiões de turismo e o esgotamento do modelo em razão da sua antiguidade. Impunham-se soluções inovadoras, pelo que se iria trabalhar numa nova lei-quadro.
O novo modelo de promoção externa é revelador dessa extraordinária adversidade. A par de uma considerável sangria de competências públicas decorrente do estado febril de tudo privatizar, o Ministro da Economia elegia a CTP como o exclusivo parceiro do Governo para a contratualização da promoção turística. A lei, mais propriamente o preâmbulo do Decreto-Lei nº 287/91, de 9 de Agosto, que reconhece às regiões de turismo o papel de «interlocutores privilegiados da administração central na promoção turística externa, que passam a integrar não apenas elementos do sector público, mas também obrigatoriamente do sector privado, com interesses na região» foi grosseiramente ignorada, ultrapassada por critérios de mera conveniência política. Só na fase terminal do longo processo, o Ministro da Economia lhes franqueou o ingresso face ao argumento de que estas pessoas colectivas públicas incorporam a representação de interesses privados. Sem qualquer equilíbrio entre os recursos que as regiões de turismo afectam e o poder de decisão de que dispõem, existem hoje, nalgumas parcelas do território nacional, situações de flagrante violação do princípio constitucional de liberdade de associação.
Por seu turno, os modelos avançados para substituição do existente foram de mau a pior. O primeiro Secretário de Estado do Turismo apresentou um modelo que convertia as dezanove regiões de turismo em meros centros regionais, destituídos de personalidade jurídica, surgindo em seu lugar cinco macro-regiões de turismo que coincidiam globalmente com as circunscrições territoriais das NUTS II. Uma engenharia jurídica complexa com que Pedro de Almeida pretendia defender estes órgãos de proximidade. Não tendo dúvidas quanto ao carácter bem intencionado da solução, a sua saída – seguida, pouco tempo depois, da do presidente da associação das regiões de turismo, Paulo Neves - inviabilizou a negociação que estava em curso e que, no essencial, poderia desembocar na manutenção do actual modelo com alguns melhoramentos e a criação da tão desejada estrutura macro-regional. O território continental passaria, assim, a dispor, para além naturalmente da administração central, de três planos de administração do turismo: macro-regional (5), regional (19 com ligeira diminuição por via do incentivo e não da imposição) e municipal.
No PDT a situação agrava-se, o salto é enorme: as regiões de turismo são pura e simplesmente absorvidas pelas áreas promocionais. Posteriormente, a orgânica do Ministério da Economia (Decreto Lei nº 186/2003, de 20 de Agosto), em lugar da mera previsão da tutela administrativa, alude à integração e, sintomaticamente, a nova lei dos institutos públicos (Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro) inclui as regiões de turismo no seu âmbito.
Tudo isto, aliado à estrutural questão da insuficiência do financiamento, adensou consideravelmente as dificuldades das regiões de turismo. Fiquei, por isso, impressionado com o sentimento bastante positivo e de afirmação que encontrei nos presidentes das regiões de turismo por ocasião do congresso da respectiva associação (ANRET), que se reuniu no Centro de Congressos de Lisboa, nos passados dias 6 e 7 de Maio, ao qual farei de seguida uma breve referência.
Essa referência passa, sem desprimor para os restantes oradores, pelos aspectos dominantes das intervenções de Atílio Forte, Licínio Cunha e Jaime Andréz. Complementarmente, uma alusão à postura do então Secretário de Estado do Turismo.
Quanto ao primeiro, o inédito e inequívoco posicionamento da CTP, que passou a enfileirar entre os defensores das regiões de turismo. Subjacente a tal posição está certamente o facto dos órgãos destas pessoas colectivas de direito público – não só a assembleia mas o próprio órgão de governo – incluírem a representação de interesses privados: empreendimentos turísticos, agências de viagens e estabelecimentos de restauração e bebidas. Uma esclarecida e oportuna aposta em termos estratégicos, porquanto a defesa do actual modelo equivale à manutenção da participação efectiva e ao mais alto nível dos representantes dos interesses privados na administração regional do turismo. Embora exista uma preponderância dos municípios, a elevada flexibilidade do modelo permite inclusivamente que o representante de interesses privados possa ascender à presidência de uma região de turismo.
O segundo, prestigiado governante e professor de turismo, expondo com insuperável mestria a génese desta importante instituição. Compreendendo as origens e sobretudo os actuais constrangimentos, maxime os de financiamento, transmitiu ao auditório as traves mestras e o carácter muito vantajoso da instituição.
O terceiro, pugnando igualmente pelo modelo, evidenciou que a sua defesa ultrapassa a mera lógica do combate partidário, situando-se ao nível das grandes instituições do turismo. Pôde igualmente constatar no exercício das suas funções governativas o importante e insubstituível papel destes órgãos de proximidade.
Quanto ao então Secretário de Estado do Turismo, Luís Correia da Silva, a afirmação de que «não estava ali para enterrar as regiões de turismo», traduz fielmente a sua postura como governante. Penso que terá entrado no exercício de funções governativas com uma ideia negativa, tendo ulteriormente constatado que não dispunha no terreno de alternativa para as regiões de turismo. Ao não ter apresentado qualquer anteprojecto de lei-quadro preservou objectivamente o actual modelo. Certamente que o Ministro da Economia teria preferido que no Congresso fosse entregue o anteprojecto no qual sintomaticamente o seu próprio staff vinha trabalhando.
A, do meu ponto de vista, acertada criação do Ministério do Turismo tem, como era inevitável e seria de esperar, algumas dificuldades. Uma delas, consiste nas importantes atribuições e competências que em matéria de empreendimentos turísticos, turismo no espaço rural e agências de viagens foram sendo sucessivamente transferidas da DGT para as direcções regionais do Ministério da Economia (DRE), de harmonia com o denominado movimento de esvaziamento de competências daquela importante instituição do turismo. Afigura-se inaceitável que, criado o Ministério do Turismo, tais atribuições e competências não integrem o seu núcleo fundamental e que, ao invés, fiquem na esfera do Ministério das Actividades Económicas e do Trabalho. Não se trata obviamente de um handicap da solução do Ministério do Turismo, mas uma consequência mais do que evidente de se transferirem competências de órgãos de pendor marcadamente turístico para outros que não têm em primeira linha tal vocação. Os primeiros ficam sob a alçada do Ministério do Turismo, os segundos não. Assim sendo, para além do seu retorno à DGT, poderá configurar-se a possibilidade de serem atribuídas total ou parcialmente às dezanove regiões de turismo existentes. Estão no terreno, conhecem melhor a realidade, pelo que estou convencido que se podem tornar um eficiente interlocutor do Governo na execução das políticas de turismo. Bastando, para o efeito, ampliar as competências que, em matéria de fiscalização dos empreendimentos turísticos, já se encontram previstas no artº 58º, nº 3 da LET.
Uma das áreas onde se constata uma perda de influência do turismo é a dos licenciamentos. Com efeito, o processo de licenciamento de um empreendimento turístico que, no domínio da Lei Hoteleira, era apresentado na DGT, embora carecesse de parecer da respectiva câmara municipal, está agora numa situação diametralmente oposta. O processo de licenciamento de um hotel tal como o de um edifício para habitação é apresentado na câmara municipal competente observando-se, no entanto, as especificidades da legislação turística (LET e seus regulamentos). Analisando pragmaticamente a questão é extremamente difícil, para não dizer impossível o seu retorno à DGT. Ora, tendo as câmaras uma fortíssima representação nas regiões de turismo, a única saída parece ser trabalhar-se numa solução intermédia que se traduza nalguma recuperação de atribuições e competências em matéria de licenciamento de empreendimentos turísticos.
Viajar - nº 150 - 2ª Quinzena de Setembro de 2004