No turismo coexistem três elementos: o dinâmico (deslocação), o estático (a estada num local diferente da residência habitual) e o finalístico (compreendendo um alargado leque de motivações).
Introdução: conceito e definições de turismo
O presente artigo visa uma aproximação, tão precisa possível, ao conceito de turismo, expressão que deriva do inglês «tourism» e que terá sido utilizado pela primeira vez por Alexander Slidell Mackenzie no livro Spain Revisited, publicado em 1826. No que respeita à origem, a palavra inglesa «tour» surge documentalmente referenciada pela primeira vez em 1760, remontando a 1746 a frase «to take a turn».
Empiricamente sabemos que se trata de uma relevante actividade económica para a economia portuguesa e mundial, a qual se relaciona com a deslocação e alojamento de turistas e que tem na sua origem um alargado leque de motivações designadamente lúdicas, culturais, desportivas, saúde ou de negócios.
A definição de uma realidade precede naturalmente a sua medição ou quantificação.
Desde logo para efeitos de estudo, é necessário saber quais as realidades que cobre, os temas que abrange. Interessa sobremaneira para a definição dos conteúdos programáticos dos cursos médios e superiores de turismo, para a selecção das disciplinas a incluir no plano de estudos de cada curso.
Mas também para efeitos estatísticos – do grosso das viagens saber qual é a parte imputável ao turismo – de molde a permitir delimitar uma realidade económica que cresce de ano para ano e que dada a sua enorme importância para o futuro dos diferentes países carece de ser medida com rigor. Aprofundam-se as técnicas de medição do seu impacte económico, com especial destaque para a denominada conta satélite, mas importa naturalmente delimitar com rigor a realidade que vai ser medida.
Acrescem razões de natureza jurídica, saber com precisão o que é a legislação do turismo, quais são os aspectos regulados pelo Direito do Turismo e aqueles que dele se encontram excluídos.
E também razões de administração pública do turismo, saber quais são os aspectos que abrange e aqueles que dele se encontram excluídos. Se existem aspectos incontroversos que nenhuma dúvida suscitam quanto à necessidade de se encontrarem sujeitos à administração pública do turismo, v.g. os relacionados com o alojamento de turistas, outros podem dela ser arredados como sucede, por iniciativa do próprio sector, com os estabelecimentos de restauração e bebidas que só em casos muito especiais – estabelecimentos classificados ou declarados de interesse para o turismo – se encontram a ela sujeitos.
Ou, como sucede presentemente, quando activamente debatemos um Plano Estratégico Nacional do Turismo (PENT).
Como notam BURKART e MEDLIK importa distinguir entre o conceito de turismo e as suas definições técnicas. O primeiro fornece-nos uma noção que identifica as suas características principais distinguindo-o de outros fenómenos afins mas dele distintos, enquanto as definições técnicas são concebidas para atenderem a necessidades específicas designadamente na área estatística, legislativa ou industrial, variando consoante os objectivos que lhe subjazem.
Tratando-se duma realidade nova (é apenas no período entre as duas guerras mundiais que o turismo começa a ser investigado por um conjunto de economistas na Alemanha, Suiça, França e Grã-Bretanha, destacando-se a denominada Escola de Berlim), multidisciplinar (entre outras ciências a antropologia, ciência política, direito, economia, geografia, gestão, marketing, psicologia e sociologia) e transversal (prende-se com diferentes sectores da economia e com vastos sectores da população) é compreensível que essas características influam na delimitação do conceito, que dificultem o seu apuramento.
1. A definição de turismo dos Professores Hunziker e Krapf (1942)
A primeira definição mais elaborada de turismo foi avançada na obra conjunta Allgemeine Fremdenverkehrslehre pelos professores suíços da Universidade de Berna WALTER HUNZIKER e KURT KRAPF (um dos mais reputados especialistas mundiais, elaborou conjuntamente com OSCAR MICHEL um dos estudos que precedeu a fase do lançamento do turismo português intitulado «Développement du Tourisme au Portugal, rapport d´expertise»).
De harmonia com a definição que posteriormente foi adoptada pela Association Internationale d´Experts Scientifiques du Tourisme (AEIST), turismo cifra-se num conjunto de fenómenos e relações decorrentes das deslocações e estadas de indivíduos não residentes, na medida em que não têm por finalidade uma residência permanente e também não se encontram ligadas a actividades remuneradas.
2. Congresso sobre Viagens Internacionais e Turismo (Roma, 1963)
Uma organização conjunta da UIOOT (antecessora da OMT, a qual foi presidida pelo português FELNER DA COSTA) e da ONU, teve como objectivo encontrar definições que tornassem mais fácil o trabalho estatístico dos diferentes países.
Recomendou-se a adopção do termo visitante e definiu-se do seguinte modo turista: qualquer pessoa que visita um país que não o da sua residência habitual, por qualquer motivo com excepção de uma ocupação remunerada.
Estabeleceram-se duas categorias de visitantes: os turistas e os excursionistas.
Turistas são os visitantes temporários que permanecem pelo menos 24 horas no local visitado tendo como objectivo lazer, negócios, família, missão ou reunião.
Os excursionistas são os visitantes que permanecem menos de 24 horas no local visitado não pernoitando, incluindo os que viajam em navios de cruzeiro.
Estas definições foram sendo progressivamente aceites pelo conjunto dos países.
Não contempla, no entanto, os turistas internos ou domésticos, que viajam no interior do seu país e permanecem mais de 24 horas em determinado local que não o da sua residência habitual.
3. O conceito de visitante elaborado pela comissão de estatísticas das Nações Unidas
Em 1968, as Nações Unidas, na sequência da primeira Conferência Intergovernamental de Turismo realizada em 1953 na cidade de Roma aprovaram a seguinte definição de visitante: qualquer pessoa que se encontre a visitar um país que não seja o local da sua residência, na condição de aí não auferir qualquer remuneração.
Trata-se de uma definição criada para efeitos estatísticos que se projecta exclusivamente no domínio do turismo internacional, excluindo, assim, o turismo interno.
Será, ao longo dos tempos, alvo de sucessivos contributos por parte de outras organizações.
4. Rob Davidson (1993)
Trata-se de uma definição simples mas tendencialmente exaustiva e esclarecedora.
Turista é aquele que se encontra fora da sua residência habitual, realizando uma visita curta e temporária por motivos de lazer, negócios ou outros.
5. O conceito mais lato de turismo elaborado pela OMT em 1994
Em Junho de 1991 realizou-se me Otava, sob a égide da OMT a International Conference of Travel and Tourism Statistcs, que reuniu representantes das administrações nacionais de turismo, organizações e empresas do sector . Foram aprovadas um conjunto significativo de resoluções definindo as necessidades estatísticas do sector designadamente o estudo de mercados, comportamento e previsões.
Face ao carácter restrito do conceito de turista decorrente da definição da ONU motivada essencialmente por razões de natureza estatística, a revisão do conceito levada a cabo em 1994 pela OMT o turismo compreende «as actividades das pessoas que viajam e permanecem fora do seu ambiente habitual, por não mais de um ano consecutivo, por motivos de lazer, negócios e outros não relacionados com um actividade remunerada no local visitado».
A inquestionável amplitude do conceito permite agora abranger não só turismo internacional mas também o turismo interno.
Estabelecendo um limite máximo para a duração da estada mas não fixando um limite mínimo o conceito abrange os turistas, que pernoitam no local e os «visitantes de um dia».
6. Conta Satélite do Turismo
À generalidade das definições de turismo encontra-se subjacente uma perspectiva da procura. Uma das mais significativas definições de turismo do ângulo da oferta é a da conta satélite do turismo desenvolvida sobre a égide da OMT a qual se opera através da medição de um conjunto de produtos e serviços adquiridos pelos visitantes por forma a apurar a dimensão desta importante actividade económica.
7. Traços essenciais da actividade económica do turismo. Os elementos dinâmico, estático e finalístico
Um conjunto alargado de contributos, sejam eles de organizações ou de reputados especialistas, permitem-nos encontrar um conjunto de traços essenciais do turismo.
A essência da actividade turística prende-se com o movimento de pessoas – o elemento dinâmico – e a sua estada – o elemento estático – em diferentes destinos.
A estes acresce um terceiro elemento: o teleológico, a finalidade da deslocação, que nos introduz no complexo campo das motivações.
A estada não se confina ao mero repouso, ao pernoitamento, estando-lhe associada um conjunto de actividades v.g. a visita a museus, espectáculos, aquisição de produtos, restauração e bebidas.
Para além da viagem o turismo compreende todas as actividades anteriormente desenvolvidas com vista à sua realização, bem como aquelas que são levadas a cabo no destino.
O turismo engloba, assim, todos os produtos e serviços destinados a satisfazer as necessidades dos turistas.
Quer a deslocação quer a estada são realizadas fora do local habitual de residência e trabalho e têm um carácter temporário, ou seja, a deslocação ocorre durante um período de dias semanas ou meses, findo o qual se regressa ao respectivo domicílio, ao local onde habitualmente reside (efeito de boomerang).
Está, assim, excluída da actividade turística qualquer viagem através da qual a pessoa se desloca para determinado local aí passando a residir habitualmente ou até desenvolvendo a sua actividade profissional como caracteristicamente sucede no antinómico denominado turismo residencial.
Temporalidade da deslocação e da estada fora do domicílio, isto é, do lugar onde a pessoa tem a sua residência habitual e que não tenha por finalidade o desenvolvimento de uma actividade profissional são pois atributos verdadeiramente essenciais do turismo.
Mercê da sua deslocação temporária, o turista distingue-se da população residente e não integra a denominada população activa, diferenciando-se também da imigração.
O turismo é essencialmente uma actividade de prazer, de recreação, em que os rendimentos ganhos no local da residência habitual são ulteriormente gastos nos locais visitados. Uma actividade económica que pressupõe naturalmente a disponibilidade de tempo e dinheiro.
O turista não aufere rendimentos no local ou locais visitados comportando-se unicamente como um consumidor de bens económicos e culturais.
Carlos Torres
Advogado
Artigo publicado em TURISVER
(Ano XXII – nº 676 – 20 de Março de 2007)