quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

O Plano de Desenvolvimento do Turismo e o Futuro das Regiões de Turismo. Um Primeiro Contributo


Encontra-se há muito estabilizado o número de regiões de turismo num país que pretende vocacionar-se, cada vez mais, para o turismo. Será excessivo 19 regiões de turismo, existindo 310 municípios e 4251 freguesias, sendo que o primeiro número se mantém estável, enquanto o segundo e o terceiro não param de aumentar?
Resolvida recentemente a questão das Áreas Promocionais e atenta a proximidade do Euro 2004, parece-me de todo inconveniente insistir, sem uma explicação minimamente consistente, em modificações que vão certamente suscitar fortes reacções negativas por parte das regiões de turismo. Portugal precisa que nos concentremos no essencial.

Foi recentemente divulgado pelo Governo, ao mais alto nível e com grande projecção mediática, o Plano de Desenvolvimento do Turismo (PDT), que prevê um vasto conjunto de medidas destinadas ao desenvolvimento de um sector que assume uma assinalável e crescente importância para o desenvolvimento do nosso país.

Decorreram seis anos sobre um plano semelhante, no qual se exalta a importância do turismo e enuncia um alargado conjunto de medidas. Refiro-me ao Programa de Acções de Intervenção Estruturante no Turismo (PAIET), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 60/97, de 10 de Abril.

Sendo meu propósito comentar globalmente o PDT num próximo artigo de opinião, as linhas que se seguem, abordam um aspecto parcelar deste importante documento governamental: a revisão da Lei Quadro das Regiões de Turismo, uma das quatro medidas anunciadas em sede de reforma da organização institucional do turismo. Nesse quarteto de medidas, figuram, para além da modificação da disciplina das regiões de turismo, a já anteriormente anunciada criação do Instituto de Turismo de Portugal (ITP), o alegado reforço da progressivamente esvaziada DGT (que se acentua com o Centro de Avaliação, Classificação e Qualificação do Alojamento Turístico, uma das principais medidas do PDT) alcançado por via da sua intervenção em sede das áreas de protecção turística e, por fim, o desenvolvimento de competências da DGT e do ITP na formulação de produtos turísticos integrados de base regional na dupla vertente do alojamento e da animação.

A eleição deste aspecto muito particular do PDT justifica-se por uma questão de oportunidade, porquanto o Governo se propõe levar a cabo a alteração do regime jurídico das regiões de turismo num prazo muito curto: 90 dias (medida prioritária nº 30) a contar da data da publicação do diploma. O modelo agora proposto, ou seja, a pura e simples diluição das regiões de turismo nas áreas promocionais, é bem mais gravoso que o apresentado pelo anterior Secretário de Estado do Turismo, Pedro de Almeida.

Este último modelo preconizava, no essencial, a extinção das actuais dezanove pessoas colectivas de direito público, criando em seu lugar – surpreendentemente com o mesmo nomen juris "regiões de turismo" - cinco macro-regiões de turismo, convertendo as primeiras em meros órgãos destas últimas, aos quais se atribuía a designação de centros regionais de turismo. Os novos organismos macro-regionais de turismo, cuja área geográfica se fazia coincidir "globalmente" com as circunscrições territoriais das NUTS II, eram os seguintes:

1º) Porto e Norte;
2º) Beiras;
3º) Lisboa e Vale do Tejo;
4º) Alentejo;
5º) Algarve.

No PDT, surpreendentemente, aponta-se para uma solução de absorção das regiões de turismo pelas áreas promocionais. Como se tivessem a mesma natureza e fins. Sustentando-se que realidades não têm qualquer existência normativa possam vir a incorporar pessoas colectivas de direito público. Não atentando que as regiões de turismo brotam da vontade dos municípios e a sua associação também deve decorrer da vontade municipal e não de imposição governamental. O impulso associativo deverá pertencer sempre aos municípios interessados. Tenho, assim, uma grande expectativa quanto ao articulado e à respectiva fundamentação a apresentar pelo Governo.

No número 575 (5 de Agosto de 2002) desta publicação, escrevi sobre o quadro normativo das regiões de turismo, pelo que para ele remeto quanto aos grandes princípios que enformam uma das mais antigas e prestigiadas instituições do turismo português, evitando, assim, uma fastidiosa duplicação.

No entanto, gostaria de dar ênfase a alguns aspectos. Em primeiro lugar, que se trata de um modelo consensual e politicamente neutro: adversários e partidários da regionalização estão unidos em torno de um modelo de regionalização turística com dois decénios culminando uma longa tradição de participação das populações locais na administração do turismo que remonta às comissões de iniciativas. As duas denominadas leis-quadro foram aprovadas por dois primeiros-ministros do PSD, Pinto Balsemão (Decreto-Lei nº 327/82, de 16 de Agosto) e Cavaco Silva (Decreto-Lei nº 287/91, de 9 de Agosto), mas as demais forças partidárias com representação parlamentar, designadamente o PS e o PCP, interiorizaram e defendem tal modelo.

Em segundo lugar, encontramo-nos perante um modelo de proximidade das populações e interesses regionais. A competitividade do turismo passa, cada vez mais, pela diversidade da oferta. Porém, quem está em melhor posição para poder intervir nesse domínio, induzindo activamente a qualidade no domínio da gastronomia, alojamento e animação são as pessoas que conhecem bem a respectiva região. Como facilmente se intui, quem está no terreno conhece melhor as potencialidades e os aspectos a corrigir, interessa-se mais e pode ser responsabilizado pelas respectivas populações.

A afirmação do número excessivo de regiões de turismo – que carece de demonstração face ao estado de desenvolvimento do país – esquece que a responsabilidade da sua criação é partilhada pelos respectivos municípios e pelo Governo, resultando a pessoa colectiva da simbiose dessas vontades. Apesar de o processo de criação de uma região de turismo ser despoletado exclusivamente pelas câmaras municipais interessadas que reunam determinados requisitos v.g. condições e potencial para o turismo, constituam um todo homogéneo e complementar entre si do ponto vista geográfico, ecológico, etnográfico, histórico e cultural, revelem capacidade para gerar receitas próprias para o bom desempenho das suas atribuições e disponham de equipamento turístico relevante, a sua existência jurídica depende de um acto normativo governamental (decreto-lei). Ou seja, o Governo pode não concordar com a criação de uma região de turismo e nada o obriga a fazê-lo.

Os Estatutos das dezanove regiões de turismo datam de 1993, tendo sido aprovados pelo então Primeiro Ministro, Aníbal Cavaco Silva. Deparamo-nos, assim, com uma estabilização perfeitamente consolidada do número de regiões de turismo num país que pretende vocacionar-se, cada vez mais, para o turismo.

Será excessivo 19 regiões de turismo, existindo 310 municípios e 4251 freguesias, sendo que o primeiro número se mantém estável, enquanto o segundo e o terceiro não param de aumentar?

Por outro lado, a absorção das regiões de turismo pelas áreas promocionais não resolveria o que ao nível governamental se considera um inconveniente, a coexistência dos órgãos regionais e locais de turismo. Subsistiriam as zonas de turismo (juntas de turismo e comissões municipais de turismo) instituídas pelo Código Administrativo de 1940 e outras realidades posteriores de cariz associativo designadamente a Associação de Turismo de Lisboa e, mais recentemente, as comunidades urbanas. O Governo pretende, assim, espartilhar uma realidade que deverá ser, em primeira linha, conformada ao nível municipal.

A questão da extinção do actual modelo das regiões de turismo não foi levantada durante a campanha eleitoral. Tão pouco o Programa do XV Governo Constitucional contempla qualquer alteração neste importante domínio da administração do turismo. Não sendo uma questão menor, impõe-se uma profunda reflexão, tanto mais que a anterior apreciação do anteprojecto mostrou que a substituição do modelo das regiões de turismo de iniciativa municipal pelo modelo macro-regional suscitou uma reprovação unânime das regiões de turismo.

Por maioria de razão, a pura e simples absorção das regiões de turismo pelas áreas promocionais, com a inerente perda do relevante papel na promoção interna que actualmente a lei lhes reconhece, suscitará maior discordância.

Importa, pois, um aprofundado estudo da matéria e a criação de condições para que as modificações legislativas sejam consideradas necessárias e aceites pelos seus destinatários. O potencial das regiões de turismo é enorme. Reforce-se a componente privada de gestão através de um maior número de representantes de interesses privados na comissão executiva, enfrente-se a questão do financiamento que condiciona fortemente o seu desempenho e permita-se, tal como no regime de 1982 que se possam associar sob as vestes do direito público. Não se conhece, no entanto, qualquer estudo em que se apontem, com um mínimo de consistência as razões conducentes à extinção do actual modelo.

Ocorre-me, a este propósito, o recente e bom exemplo da reforma da tributação sobre o património, em boa parte congeminada pelo Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Vasco Valdez, solidamente apoiado em vários estudos de diferentes tendências científicas e políticas, criou, com mestria, as condições indispensáveis para uma das maiores reformas na área fiscal desde a introdução do IVA e a implementação do imposto único sobre o rendimento.

Resolvida recentemente a questão das Áreas Promocionais e atenta a proximidade do Euro 2004, parece-me de todo inconveniente insistir, sem uma explicação minimamente consistente, em modificações que vão certamente suscitar fortes reacções negativas por parte das regiões de turismo e até, eventualmente, questões de constitucionalidade. Portugal precisa que nos concentremos no essencial e que saibamos preservar o que de melhor existe nas nossas instituições.

Carlos Torres
Advogado
Turisver, Ano XVIII – nº 596 – 20 de Julho de 2003