Parece-me um dado adquirido que não se podendo falar de uma concentração in totum das atribuições relativas ao sector no Turismo de Portugal, IP, é de registar uma evolução positiva entre a Lei Orgânica do MEI e a orgânica do ITP recentemente publicada.
Foi recentemente publicado no Diário da República nº 82, I Série, o Decreto-Lei nº 141/2007, de 27 de Abril, que aprova a orgânica do Turismo de Portugal, IP.
O diploma era aguardado com elevada expectativa, mercê da importância deste novo pilar da administração pública do turismo português que cristaliza no sector do turismo, as medidas decorrentes do Programa para a Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE).
Antes de entrar na análise do diploma legal, impõem-se algumas considerações sobre os seus antecedentes.
1) A concentração como ideia mestra da reforma da administração central do turismo
Logo na fase da apresentação do PRACE surgiu, no âmbito do Ministério da Economia e Inovação (MEI), a ideia mestra de concentração no turismo, passando-se de três para uma única estrutura.
Neste sentido militaram também as declarações dos responsáveis políticos, chegando a adoptar-se formulações como a da grande casa do turismo português para, de algum modo, se veicular uma ideia de consenso ou de atenção para com as propostas da sociedade civil, maxime do sector associativo, para a criação da megaestrutura.
Não interessa, porém, entrar análise detalhada doutro tipo de antecedentes do PRACE no que ao turismo respeita, do seu carácter unilateral, ou seja, de um conjunto de medidas com profundas repercussões num sector com grande importância no futuro do país que, no entanto, não foram precedidas de uma prévia auscultação dos seus o destinatários, fossem estes do sector público ou do sector privado.
O Governo parecia ter-se fixado resolutamente num modelo de acentuada especialização e concentração, ou seja de um ITP forte e exclusivamente centrado nas matérias do turismo que absorveria na totalidade ou quase totalidade.
O que não fosse absorvido pelo ITP seria confiado à administração regional do turismo em razão da maior proximidade.
O peso político de Luís Patrão induziu alguma tranquilidade no sector, o qual deu o benefício da dúvida relativamente à preconizada solução do super instituto e desvalorizou, mais que não seja por razões de conveniência, o desaparecimento de importantes instituições do turismo português como a DGT ou o INFTUR. Comparem-se as manifestações de desagrado relativamente à campanha «Allgarve» e as que tiveram lugar relativamente à extinção de vetustas instituições como a DGT ou o Inftur e ficamos com uma ideia da desproporcionalidade das reacções da sociedade civil.
2) A Resolução do Conselho de Ministros nº 39/2006, de 21 de Abril
A Resolução do Conselho de Ministros nº 39/2006, de 21 de Abril (DR nº 79, I Série B), que aprovou o PRACE, prevê as seguintes orientações especiais para o MAI numa perspectiva tripla, a saber, a da criação, manutenção e extinção de organismos da administração central do turismo:
– Em primeiro lugar, a da criação de um novel organismo, a Direcção-Geral das Actividades Económicas (DGAE) que, entre outras, integrará as atribuições de natureza normativa da DGT [nº 18, al. b), ii)];
– Em segundo lugar, a manutenção do Instituto de Turismo de Portugal, IP (ITP) projectando integrar, «entre outras», as atribuições do Instituto de Formação Turística, IP (INFTUR) e o remanescente das atribuições da DGT [nº 18, al. c), x)];
– Ainda nesta segunda perspectiva de conservação das instituições vigentes, a manutenção das direcções regionais de economia (DREs), a integrar na acima referida DGAE, com competências no domínio do turismo [nº 18, al.c), xiii)];
– Em terceiro lugar, a extinção de organismos existentes: o Conselho para a Dinamização do Turismo, a Comissão Nacional de Gastronomia, o ICEP Portugal, IP, a DGT, o INFTUR e a Inspecção-Geral de Jogos [nº 18, al. f)]
3) A Lei Orgânica do MEI
O Decreto-Lei nº 208/2006, de 27 de Outubro, aprovou a Lei Orgânica do MEI (LogMEI).
O ITP passa a designar-se abreviadamente por Turismo de Portugal (na sua origem estarão certamente razões de mais fácil identificação no estrangeiro), sendo caracterizado logo no preâmbulo [al. b)] de harmonia com o já conhecido pendor concentracionista em substituição do modelo de especialização por grandes funções até agora existente (DGT, INFTUR, ITP, IGJ), como «uma única estrutura pública dirigida à promoção do desenvolvimento turístico».
Constata-se, porém, que ao nível deste diploma, a unicidade orgânica do turismo proclamada pelo legislador, não é alcançada em grau corresponde às expectativas criadas porquanto importantes atribuições são cometidas a outras entidades que não ao ITP, com a agravante de se tratar de entidades generalistas e, como tal, não exclusivamente adstritas ao sector do turismo como sucede predominantemente no modelo ora em extinção.
Em sede preambular o núcleo de atribuições é o seguinte:
a) disponibilização de informação aos agentes económicos;
b) qualificação dos recursos turísticos;
c) promoção (externa e interna) de Portugal como destino turístico;
d) financiamento da melhoria da oferta turística;
e) investimento qualificado dos recursos humanos;
f) regulação e fiscalização dos jogos de fortuna e azar.
Ao nível do articulado (artº 18º) o elenco das atribuições apresenta-se de forma distinta, embora parcialmente coincidente:
– apoio ao investimento;
– qualificação e desenvolvimento das infra-estruturas turísticas;
– coordenação da promoção interna e externa;
– formação de recursos humanos do sector;
– regulação e fiscalização dos jogos de fortuna e azar.
Provavelmente por não referir, à semelhança da Lei Orgânica da DGT, como atribuição do ITP, a participação na qualificação, classificação e licenciamento da oferta turística surgiu a notícia de que «o ITP não vai ter poderes para licenciar hotéis, nem ter funções regulamentadoras e de controlo das actividades turísticas. A DGT extingue-se "sendo as suas atribuições de natureza normativa integradas na Direcção-Geral das Actividades Económicas e as restantes no ITP" (Jornal de Negócios, 30 de Outubro de 2006).
No artº 12º surge-nos o referido novo organismo, a DGAE, que concebe, executa, divulga e avalia políticas dirigidas às actividades industriais, do comércio e, por fim, ao turismo.
Destacam-se das atribuições da DGAE, as que surgem respectivamente nas alíneas a) e b) do nº 2 do artº 12º:
– Promoção da articulação da política de empresa com outras políticas públicas, avançando-se exemplificativamente com as áreas do ambiente, ordenamento do território e formação e certificação profissional;
– Contribuição «para a definição e execução das políticas que enquadram o relacionamento económico externo, em articulação com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, apoiando o Governo no acompanhamento da actividade das organizações internacionais de carácter económico e no contributo para a formulação e execução da política de empresa, da política comercial comum, da política de turismo…» (itálico nosso).
Por fim, as importantes atribuições de natureza normativa da DGT – o diploma opera a sua extinção [artº 27º, nº 3, al. c)] – são integradas na DGAE.
No que respeita à ASAE, surgem como importantes atribuições a fiscalização de todos os locais onde se exerça uma actividade turística [artº 15º, nº 2, al. d)] e o apoio às autoridades policiais em matéria de ilícitos relacionados com jogos de fortuna e azar [idem al. e)].
No que respeita à matéria do licenciamento do turismo, a LogMEI [artº 16º, nº 2, al. b)] comete tal atribuição às DREs, incumbindo-lhes também garantir a aplicação da legislação do turismo no âmbito da sua actuação geográfica [idem, al. d)].
Felizmente este quadro menos favorável foi, nalguns relevantes aspectos, inflectido no diploma legal relativo à orgânica do ITP, um pouco à semelhança do que havia sucedido numa fase anterior com a Inspecção-Geral de Jogos em que o seu desaparecimento do organigrama do MEI adensava a probabilidade da sua eventual integração no Ministério das Finanças com tudo o que isso representaria de negativo para o sector.
4) O Decreto-Lei nº 141/2007, de 27 de Abril
O diploma que aprova a orgânica do abreviadamente designado Turismo de Portugal, IP, assinala-lhe a natureza jurídica de instituto público de regime especial, o qual se integra na administração indirecta do Estado, desfrutando de capacidade jurídica, autonomia administrativa e financeira e ainda património próprio (artº 1º, nº 1).
Exercendo a sua actividade sob a tutela e superintendência do membro do Governo responsável pelo turismo (artº 1º, nº 2) – na actual Lei Orgânica do Governo o Secretário de Estado do Turismo, integrado no Ministério da Economia e da Inovação – exerce a sua jurisdição sob todo o território nacional, tendo a sua sede em Lisboa (artº 2º).
A sua missão abrange cinco eixos fundamentais (artº 4º, nº 1):
– o apoio ao investimento no turismo;
– a qualificação e desenvolvimento das infra-estruturas turísticas;
– a promoção externa e interna;
– o desenvolvimento da formação dos recursos humanos;
– a disciplina e a fiscalização dos jogos de fortuna e azar.
Em correspondência com o reiterado objectivo da criação de uma única estrutura pública (preâmbulo) surge-nos um considerável leque de atribuições (artº 4º, nº 2):
– apoiar a tutela na definição, enquadramento normativo e execução da política nacional e comunitária do turismo [al. a)];
– propor as linhas estratégicas e definir os respectivos planos de acção e produtos [al. b)];
– coordenação de estudos e estatísticas bem como a participação nas actividades de organismos internacionais [al. c)];
– apoio técnico e financeiro às entidades do sector, assegurar a gestão dos respectivos sistemas de incentivos, aprovar e acompanhar o investimento público de interesse turístico [al. d)];
– planeamento, coordenação e execução da política de promoção e das marcas turísticas [al. e)];
– qualificação de recursos humanos, mediante cursos e acções profissionais [al. f)];
– acompanhamento da oferta, exemplificando-se com o registo e classificação de empreendimentos e actividades turísticas [al. g)];
– ordenamento turístico e estruturação da oferta intervindo na elaboração dos instrumentos de gestão territorial e participação no licenciamento ou autorização de empreendimentos (terminologia diferente da veiculada na lei orgânica da DGT mas que abrangerá os pareceres vinculativos actualmente cometidos aquele organismo na fase de informação prévia ou do licenciamento da construção) e actividades (caracteristicamente o caso das agências de viagens e das empresas de animação turística), declaração de interesse para o turismo e utilidade turística [al. h)];
– apoio técnico na elaboração da disciplina legal e fiscalização do jogo [als. i) e j)].
É, assim, de aplaudir este esforço no sentido de reforçar as atribuições do ITP designadamente em matéria de licenciamento e classificação de empreendimentos turísticos, agências de viagens, empresas de animação e declaração de interesse para o turismo. Seria, com efeito, decepcionante e incompreensível que o super instituto de pendor concentracionista não as detivesse.
O Serviço de Inspecção-Geral de Jogos mantém a sua autonomia técnica e funcional (nº 5), as escolas de hotelaria e turismo funcionam sob a égide do ITP, prevendo-se a possibilidade do organismo convencionar com outras entidades a prossecução em comum de atribuições do sector ou a delegação de competências (nº 6).
O artº 5º alude aos poderes de autoridade cometidos ao ITP, v.g. a suspensão ou cessação de actividades ou, para situações de maior gravidade tipificadas na legislação do turismo o encerramento de instalações, enquanto o artº 6º disciplina a cooperação e articulação com outras entidades destacando as DREs.
A pessoa colectiva dispõe de quatro órgãos (artº 7º): o conselho directivo (composto por um presidente, um vice-presidente e três vogais aos quais é aplicável o estatuto do gestor público), a comissão de jogos (presidida pelo presidente do conselho directivo, o director do Serviço de Inspecção de Jogos e o secretário-geral), o fiscal único e o conselho de crédito.
De harmonia com o artº 15º é aplicável ao pessoal do ITP o regime jurídico do contrato individual de trabalho, excepcionando-se, no entanto, o pessoal das carreiras de inspecção do Serviço de Inspecção de Jogos ao qual é aplicável o regime jurídico da função pública.
Do nº 1 do artº 24º decorre que o ITP, IP, sucede nas atribuições do Instituto do Turismo de Portugal, da DGT, com excepção das atribuições de natureza normativa (ver no mesmo jornal oficial o Decreto Regulamentar nº 56/2007, de 27 de Abril, que cria a DGAE), do INFTUR e da Inspecção-Geral de Jogos.
Para além da DGAE, surgem-nos atribuições em matéria de turismo nas DREs, havendo, assim, que atentar no Decreto Regulamentar nº 58/2007, de 27 de Abril, igualmente publicado na I Série do Diário da República de 27 de Abril, que não é possível analisar no presente artigo mercê da sua extensão.
Não sendo ainda o momento para fazer o balanço da maior reforma de sempre na administração pública do turismo português, parece-me um dado adquirido que não se podendo falar de uma concentração in totum das atribuições relativas ao sector do turismo no ITP é de registar uma evolução positiva entre a Lei Orgânica do MEI e a orgânica do ITP.
Uma nota final sobre o mais recente artigo de Vítor Neto, no Diário Económico, intitulado «Regiões e Turismo», onde alude à necessidade de, a par de uma necessária visão nacional, existir uma clara integração das realidades regionais e a de «“ter a coragem” de manter a Lei em vigor [reporta-se ao Decreto-Lei nº 287/91, de 9 de Agosto que consagra o regime jurídico das regiões de turismo], apesar das suas limitações, numa situação de transição até à Regionalização, integrando eventualmente algumas correcções que apontem, por exemplo, para uma coordenação a nível das NUT II».
Carlos Torres
Advogado
Artigo publicado em TURISVER
(Ano XXII, Nº 679 – 5 de Maio de 2007)