– Os prazos assinalados pelo PDT para a revisão da legislação são manifestamente exíguos e podem conduzir a resultados indesejáveis.
– A diferença entre o quadro económico actual e o de 1997 não pode justificar a substituição da disciplina dos empreendimentos turísticos.
Este artigo de opinião desdobra-se em três aspectos. O primeiro, relativo às regiões de turismo, abordando a clarificação ou o reforço de determinada linha de actuação governamental decorrente da publicação do PDT e a influência da novel orgânica do Ministério da Economia (MEc). O segundo, respeitando ao cumprimento dos prazos do PDT, alertando para a inconveniência da estrita observância de alguns prazos para a revisão da legislação turística. No terceiro, retomo a linha do comentário do PDT, percorrendo as duas afirmações fundamentais que o Governo avança para a revisão da legislação do turismo.
1) Regiões de Turismo: publicação do PDT e a nova orgânica do Ministério da Economia
Sobre a modificação do regime jurídico das regiões de turismo, uma das medidas da reforma da organização institucional do turismo português vertidas no PDT, escrevi no nº 596, de 20 de Julho de 2003, desta publicação. O artigo apoiou-se em documento do MEc, sucedendo que a publicação do PDT confirma, agrava mesmo, o sentimento de apreensão que então manifestei. Do preâmbulo – que não figurava no documento do MEc – resulta claro o movimento que denominei de diluição ou absorção das regiões de turismo nas áreas promocionais. O seguinte excerto do preâmbulo é inequívoco:
“Outra reforma institucional de grande alcance será a concentração das actuais 19 regiões de turismo num número significativamente mais reduzido de áreas promocionais a definir, reduzindo a dispersão do esforço de promoção e criando estruturas regionais profissionalizadas capazes de assumir responsabilidades acrescidas e de estabelecer parcerias com o sector empresarial”;
Sem querer entrar em grandes considerações, parece esquecer-se que as regiões de turismo consubstanciam uma evolução quase secular, que remonta às comissões de iniciativas, de participação do sector empresarial privado na administração do turismo. Um aspecto precursor e distintivo do sector do turismo do qual nos deveríamos orgulhar e não projectar destruir de forma tão superficial e precipitada. Sob pena de vermos o sector empresarial privado daqui a algum tempo, quando se desvanecerem estes musculados ímpetos liberais, a reclamar a reposição do centenário modelo de administração do turismo que não confinava a sua participação às assembleias, estendendo-a generosamente aos órgãos executivos ou de governo. Num plano totalmente distinto, compatível e complementar com o das associações empresariais.
Com alguma surpresa constatei, já no final de Agosto, a integração das regiões de turismo no Ministério da Economia (artº 3º, nº 6, al. m) do Decreto-Lei nº 186/2003, de 20 de Agosto, que aprova a nova orgânica daquele ministério). Deveria figurar, de harmonia com o quadro legal vigente, tão somente a previsão da tutela administrativa (conjunto dos poderes de intervenção de uma pessoa colectiva na gestão de outra pessoa colectiva com o escopo de assegurar a legalidade ou o mérito da sua actuação), tendo o legislador ido muito mais longe, na medida em que previu a integração. Preparando, aparentemente, o caminho da saída destas pessoas colectivas de direito público da administração regional para a central.
Não obstante, a lei apresenta um aspecto muito positivo, com algumas potencialidades para o futuro das regiões de turismo e para o decisivo combate que vão enfrentar nas próximas semanas. Numa breve síntese, a denominada lei-quadro de 1982 previa a associação sob a forma de federação de regiões. Diversamente, a lei actual não prevê qualquer mecanismo de associação, tendo o legislador apostado fortemente, embora sem sucesso, na figura da fusão (criação de uma nova região de turismo pela integração de duas ou mais regiões de turismo contíguas que entretanto se extinguem).
O aspecto inovador da nova orgânica do MEc flui do nº 2 do artº 33º, consagrando a possibilidade de as regiões de turismo se poderem associar entre si ou numa única entidade associativa com representatividade nacional.
Complementarmente, podem "associar-se, estabelecer acordos ou outras formas de cooperação, celebrar contratos-programa e protocolos com outras entidades, públicas ou privadas, tendo por objecto a gestão de interesses públicos relativos às atribuições que lhe estejam cometidas".
Uma boa base, que permitirá, com algum engenho, trabalhar activa e celeremente na preservação das traves mestras do actual modelo de administração regional do turismo.
2) O cumprimento dos prazos do PDT
Ao invés do que se noticiava recentemente no "Expresso" de 6 de Setembro, não existe incumprimento dos prazos do PDT, ou, pelo menos, dos seus aspectos inovadores. Tratando-se de uma realidade normativa, os prazos contam-se a partir da publicação da Resolução do Conselho de Ministros – 1 de Agosto – e não do seu mediático anúncio na cimeira de Vilamoura.
O aproveitamento político de tal matéria pode, inclusivamente, ter resultados bastante nefastos para o sector no domínio da revisão da legislação. O factor surpresa do PDT, a mudança do titular da pasta do turismo e alguma indefinição – a discussão situa-se ainda num plano muito generalista – que afecta transversalmente o sector público e o privado, aconselham a que se introduza alguma reserva e discrição neste domínio. Se pretendemos resultados minimamente consistentes, alguns prazos relativos à revisão da legislação turística terão inevitavelmente de ser ultrapassados, tal como defendeu o Dr. Palma Brito no anterior número desta publicação.
3) Duas afirmações do PDT: um quadro económico diferente de 1997 e a urgência do processo de revisão legislativa
Retomando a análise das grandes linhas do PDT, entremos agora em duas afirmações que o Governo avança para justificar a revisão da legislação em vigor (cfr. pág. 4542 do Diário da República I Série-B, nº 176, de 1 de Agosto de 2003, no qual se encontra publicado o PDT).
A primeira afirmação consiste em a legislação vigente, aprovada em grande parte em 1997, constituir um constrangimento ao desenvolvimento de novos empreendimentos turísticos e à concretização de investimento. Isto em razão de ter sido "preparada e aprovada num quadro económico diferente do actual".
Não me parece consistente esta dicotomia entre as intervenções do legislador turístico ditadas por quadros económicos expansionistas ou recessivos. O quadro normativo deve aplicar-se em ambos, salvo uma ou outra medida pontual, mas para isso não é necessário modificar o grosso da legislação. Além do mais, a acreditar na expectativa do início da retoma a partir de 2004, existiria um notório desfasamento da intervenção do legislador. Isto é, havia deixado passar toda a fase descendente do ciclo económico, só se propondo intervir na fase ascendente. Pressinto que se tratará duma espécie de adorno normativo, suposição que se fortalece pela circunstância de este aspecto não figurar no documento do MEc divulgado por ocasião da cimeira.
Por outro lado, se tal legislação é inadequada, ainda mais incompreensível se torna a inviabilização do processo de apreciação parlamentar, a que aludi no artigo anterior, o qual teria o mérito de cessar de imediato a vigência de um significativo conjunto de alterações, ou seja, precisamente a parte mais negativa dessa legislação.
Em segundo lugar, afirma-se – agora em correspondência com o documento do MEc – que o Governo vai dar início urgente a um processo de revisão da legislação aplicável à aprovação e licenciamento dos empreendimentos turísticos. No entanto, esta urgência suscita inevitavelmente alguma reflexão. Quem observe com alguma atenção o enquadramento legislativo do sector não pode deixar de se interrogar: o que terá mudado desde o início de funções do Governo que justifique este inesperado impulso legiferante de forte pendor reformista?
Trata-se de uma vontade súbita apoiada na morosidade dos processos de licenciamento dos empreendimentos turísticos. Digo súbita, porquanto o Governo não havia anteriormente manifestado qualquer intenção de modificar em profundidade os grandes diplomas da legislação do turismo. O Programa do Governo é, nesse aspecto, frugal, quedando-se pelo seguinte parágrafo:
" – da avaliação, regulamentação e ajustamentos legislativos, diluindo bloqueios, dando mais responsabilidade aos agentes económicos e proporcionando maior eficácia à acção operacional;".
Sucede que os protestos sobre a excessiva morosidade do licenciamento de empreendimentos turísticos são bastante antigos, podendo-se inclusivamente recuar à lei hoteleira. Acentuam-se ou minimizam-se, mas sempre existiram.
Como procurarei demonstrar nos próximos artigos, não é substituindo a legislação dos empreendimentos turísticos que se alcançará a celeridade dos licenciamentos.
Carlos Torres
Advogado
Turisver, Ano XVIII – nº 599 – 20 de Setembro de 2003