sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Sobre a necessidade do Governo fundamentar e explicar as gravosas propostas que ensombram a Administração Pública do Turismo

1) Introdução

Este é um artigo necessariamente breve, quase diria introdutório e preliminar. Atenta a importância da temática é imperioso que num futuro próximo aprofunde algumas das questões agora versadas e aborde outras novas.

Na sequência de um crescente ruído especulativo que remonta a Janeiro último, a comunicação social despejou nos últimos dias, com particular detalhe no Jornal de Notícias, um conjunto de notícias que constituem um autêntico balde de água fria sobre o sector.

À cabeça, a extinção da emblemática Direcção-Geral do Turismo (DGT), o Instituto de Formação Turística (INFTUR) desmembrado entre os Ministérios da Educação e o do Emprego, a extinção do actual figurino das regiões de turismo, etc. e a emergência de um aditivado, ou mesmo, super Instituto do Turismo de Portugal (ITP).

Um acervo significativo de más notícias, com efeito. E a carga negativa manifesta-se tanto na forma como foram divulgadas, como no conteúdo que encerram.

2) A forma como as propostas foram divulgadas e o défice de explicação governamental

No que tange à forma como as preconizadas medidas foram conhecidas não houve o cuidado de preparar atempadamente os responsáveis do sector, designadamente ao nível associativo e dos altos quadros dos organismos visados. O recente comunicado da APAVT põe esse aspecto em evidência, sendo, de algum modo, crítico relativamente à omissão do Secretário de Estado do Turismo (SET).

Como é de elementar bom senso, teria caído bem, antes de o assunto surgir na comunicação social, o SET ter chamado os principais intervenientes e dar-lhes conta das projectadas medidas, da fundamentação que lhes subjaz. É assim, por esta razão, por aquela, e por aqueloutra e de seguida indicava as medidas que, em princípio, tinham a sua aceitação e aquelas que não tinham. Contem comigo, como responsável governamental, para defender no interior do Executivo este aspecto, já sabem que aquele merece a minha inteira aceitação pelo mau funcionamento da instituição, pelo esgotamento da sua função ou qualquer outra razão.

Compreende-se que o SET vista a camisola do Governo mas tem de explicar as medidas e não remeter-se a uma seca posição de solidariedade, pois de outro modo esboroa-se o indispensável respeito e prestígio, que é a seiva dos governantes. Saber-se das más novas pelos jornais não contribui para um clima de confiança. O que é que mudava na estratégia governativa ter informado o sector destas propostas há duas ou três semanas atrás ou, no limite, na véspera da saída das notícias?

Dir-se-á: são propostas meramente técnicas sobre as quais ainda vai recair a decisão política. Pois, pois ... mas será que o relatório final do PRACE correu totalmente à revelia do decisor político sem qualquer interacção ou, ao invés, como é normal e compreensível nestas situações, foi sendo por este confortado, afinado ou corrigido nas sucessivas versões? Não sejamos ingénuos!

3) Breve apreciação do relatório final do PRACE

Segundo julgo saber, nenhum dos técnicos é especialista em matéria de turismo, o que poderá explicar que algumas das propostas mais drásticas surjam desacompanhadas de qualquer fundamentação, enquanto que outras, de menor relevo, surgem fundamentadas ainda que perfunctoriamente. Com um universo tão vasto de trabalho e no desconhecimento da realidade turística e das suas mais importantes instituições, os técnicos propõem, assim, a amputação de órgãos vitais na pressuposição errónea de que se trata de simples apêndices.

A primeira nota é relativa à frugalidade do documento, da sua manifesta superficialidade atentas as draconianas medidas que preconiza. Esperar-se-ia, ainda que por remissão, um breve historial dos organismos cuja extinção se propõe, dos constrangimentos que têm tolhido a sua acção e da melhor prossecução das suas atribuições por outro ou outros órgãos existentes ou a criar, experiências com sucesso noutros países. Nada é avançado nesse domínio.

A caracterização da situação actual resume-se a um organograma relativo à macro-estrutura do Ministério da Economia e da Inovação (MEI), informação sobre a forma de tabelas relativamente aos recursos humanos e financeiros afectos, bem como a indicação da existência de autonomia administrativa, financeira e patrimonial.

Quando nos deparamos com a macro-estrutura proposta para o MEI, maxime a situação preconizada para o futuro da administração do turismo português, constata-se que a superficialidade revelada no estudo é confrangedora e preocupante.

Desde logo, a mais antiga e representativa das instituições do turismo português, a DGT, que no figurino actual data de 1968, mas que é praticamente centenária pois remonta à Repartição do Turismo do Ministério do Fomento criada em 1911, a notícia da sua extinção é-nos fornecida, imagine-se ... pela supressão no organograma da macro-estrutura proposta e indirectamente a propósito da reformulação do ITP. Duma forma perfeitamente subalterna, como se fosse uma coisa menor, de somenos importância.

Paradoxalmente, a notícia da extinção da Comissão Nacional de Gastronomia (CNG) e do Conselho para a Dinamização do Turismo (CDT) surge autonomizada e fundamentada, ainda que numa singular linha, mercê da constatação, como flui do documento, que tais estruturas não se encontram funcionalmente activas.

A fundamentação das medidas é, assim, inversamente proporcional à sua importância, o que naturalmente tem efeitos devastadores sobre a credibilidade do trabalho realizado neste importante aspecto.

O grau de fundamentação mínima só é, com alguma benevolência, logrado relativamente aos aspectos da transferência das atribuições do INFTUR para os Ministérios da Educação (ME) e do Trabalho e da Solidariedade Social (MTSS) – 13 linhas que constituem, assim, um recorde.

A projectada reorganização do ITP, ironicamente carrasco da DGT, absorve algumas das suas competências e ainda pode «manter» (?) algumas escolas que considere relevantes de molde a que tenha uma posição dominante nalgumas unidades consideradas estratégicas para a formação turística. Com uma deliciosa particularidade reveladora do desembaraço com que o relatório final se move nestes terrenos, terá unidades desconcentradas com a área territorial que corresponda às NUTII que poderão, eventualmente, designar-se por juntas de turismo. Bem, desde o Código Administrativo de 1940, que tal expressão tem um significado preciso ligado à administração municipal do turismo. Que tal designação se estenda ao plano macro-regional correspondente às NUTII, significa que a mesma designação, o mesmo nomen juris, se aplicará a realidades distintas, o que não é naturalmente aceitável.

Quando se entra no plano das regiões de turismo as coisas também não estão bem, confundem-se os planos de administração do turismo. As regiões de turismo constituem já hoje um reconhecido fenómeno de regionalização turística, situando-se indubitavelmente no plano supra-municipal e não no plano da administração central.

Nelas está presente uma fecunda trilogia de interesses. Os municípios, que despoletam a sua criação e constituem a sua força dominante. A administração central do Estado que nelas também se encontra representada, com a interessante particularidade destas pessoas colectivas públicas não podem ser criadas sem a concordância do Governo. Finalmente, representantes de interesses privados, designadamente de empreendimentos turísticos, restauração e agências de viagens.

Existem três planos da administração do turismo:

1º) Municipal: câmaras municipais, mantendo-se em vigor a disciplina do Código Administrativo relativo às zonas de turismo (comissões municipais e juntas de turismo);
2º) Regional: regiões de turismo;
3º) Central: DGT, ITP, etc.

Ora, a desconcentração e descentralização operam-se no domínio da administração central do turismo e não no da administração regional ou municipal do centro para a periferia e não o inverso.

É verdade que a lei rotula as regiões de turismo como institutos públicos de regime especial, mas essa qualificação, independentemente do seu carácter controvertido – as autorizadas vozes dos Professores Marcelo Rebelo de Sousa e Diogo Freitas do Amaral consideram-nas associações públicas – e eventualmente forçado, não as transporta para o plano da administração central. Pela sua própria natureza elas já estão próximas dos cidadãos, pelo que nada se pode desconcentrar ou descentralizar. Ironicamente, na maioria dos casos, a adoptar-se a solução preconizada, – as 19 regiões a cederem lugar a 5, coincidindo a sua área de jurisdição com as NUTII – afastar-se-iam dos cidadãos em vez de deles se aproximarem.

O documento encerra também um aspecto contraditório na medida em que prevê a descentralização de competências das Direcções Regionais da Economia (DRE) para as câmaras municipais, enumerando, entre outros, o relativo aos empreendimentos turísticos. Como antes se preconiza que as competências de regulação da DGT passam para o ITP e as demais para as DRE, há qualquer coisa que não bate certo. Qual a entidade que emite parecer vinculativo sobre o projecto de arquitectura dos empreendimentos turísticos? E a importante matéria da classificação dos empreendimentos turísticos?

Quanto à Inspecção-Geral de Jogos o documento não me deixa totalmente tranquilo. Aparentemente fica no MEI e não vai para as Finanças, mas não estou totalmente seguro. Terei de aprofundar ulteriormente esta importante matéria já que as verbas do jogo são fundamentais para o sector do turismo.

4) Conclusão

Uma derradeira referência à frontal e corajosa posição, neste candente domínio, de António Carneiro. Pode ter comprometido a sua eventual ascensão à governação na presente Legislatura, mas é certamente credor do nosso respeito e admiração.

Face à manifesta insuficiência técnica do relatório final, só restam ao Executivo duas alternativas. Ou encontra uma fundamentação minimamente razoável para o pacote de medidas mais gravosas para a administração do turismo até hoje apresentadas por algum Governo – batendo claramente Carlos Tavares, só sendo ultrapassado pelas gravosas afirmações de Pereira de Moura de há três decénios – ou, pura e simplesmente, as deixa cair.

A bem da estabilidade do sector do turismo, um dos mais pujantes da economia portuguesa, é bom que o faça rapidamente. Contamos consigo, Sr. Secretário de Estado do Turismo!

Carlos Torres
Advogado
Artigo publicado em PUBLITURIS
(Nº 919 – 24 de Março de 2006)