sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Linhas fundamentais do anteprojecto do Regime Jurídico dos Empreendimentos Turísticos (RJET) – 1ª Parte

Importa que o RJET seja rapidamente divulgado e amplamente discutido. Trata-se, com efeito, de um dos diplomas mais importantes da legislação do turismo, não podendo, assim, ficar a sua apreciação confinada a um núcleo restrito de cidadãos, empresas ou grupos.

1) Introdução

Encontrando-se o Anteprojecto do RJET em fase de consulta, de âmbito muito restrito, constitui objectivo deste texto referir as linhas fundamentais de um dos mais importantes diplomas da legislação do turismo. Algumas matérias são referidas duma forma necessariamente superficial atentas as naturais limitações de espaço, podendo, caso se justifique pelos ulteriores desenvolvimentos da reforma, ser objecto de maior detalhe.

2) A disciplina dos empreendimentos turísticos e do turismo no espaço rural passa a concentrar-se num único decreto-lei. Não inclusão do turismo de natureza

Até 1997 a disciplina do alojamento turístico e da restauração e bebidas, bem como outras matérias do sector, figurava na Lei Hoteleira (Decreto-Lei nº 328/66, de 30 de Setembro) complementada pelo Decreto Regulamentar nº 8/89, de 21 de Março.

Com a reforma de 1997 a legislação do turismo fragmentou-se, existindo um diploma para os empreendimentos turísticos (complementado por 4 regulamentos, um para cada tipo), outro para o turismo no espaço rural, turismo de natureza, estabelecimentos de restauração ou de bebidas, todos eles complementados por decretos regulamentares. Estes últimos, em número significativo, versam outro tipo de matérias como a declaração de interesse para o turismo, existindo ainda neste plano regulamentar várias portarias. Um sem número de diplomas legais e regulamentares versando diferentes aspectos da multifacetada actividade económica do turismo.

Faz, assim, todo o sentido que o Governo reúna «num único decreto-lei as disposições comuns aos vários empreendimentos, de modo a tornar mais fácil o acesso às normas reguladoras da actividade» (preâmbulo do Anteprojecto).

O que não se compreende, de harmonia com esse desiderato expresso pelo legislador, é que mantendo-se no RJET os parques de campismo privativos (opção muito questionável porquanto não são acessíveis aos turistas em geral, constituindo uma realidade associativa estranha ao turismo) não se inclua o turismo de natureza – modalidade de alojamento turístico, disciplinada no Decreto-Lei nº 47/99, de 16 de Fevereiro, desenvolvida em áreas protegidas, englobando para além do TER as casas de natureza (casas-abrigo, centros de acolhimento e casas-retiro) –, a qual constitui, de harmonia com o PENT, um dos dez produtos estratégicos para o desenvolvimento do turismo.

Levando até às últimas consequências este propósito de tornar mais fácil o acesso às normas da actividade seríamos conduzidos à adopção de um Código do Turismo. Não obstante a evidência da solução, o endogâmico triunvirato que governa o nosso turismo refugia-se num mutismo, literariamente colorido por Jorge Luís Borges, de que o homem é dono dos seus silêncios e escravo das suas palavras.

Mutismo que se projecta igualmente relativamente à Lei de Bases do Turismo, a qual figura no Programa do Governo como um dos vectores de intervenção estratégica. Será depois de publicada a nova Lei da Restauração e Bebidas, alterada a Lei das Agências de Viagens e aprovado o RJET que se vai trabalhar naquele importante instrumento?

3) A facilitação do acesso às normas alcançada através da reunião no RJET da disciplina dos empreendimentos turísticos e do TER é, porém, inflectida pela dispersão decorrente do elevado número de portarias previsto

Prevêem-se, pelo menos, dezoito diferentes portarias (artigos 3º/4, 4º, 8º, 19º/2, 31º/1, 33º/4, 39º/1, 41º, 52º, 66º e 75º) o que esvazia consideravelmente a perspectiva unificadora do RJET. Provavelmente, surgirão outras matérias não contempladas, como é o caso das medidas de segurança contra riscos de incêndio.

Embora não exista tipicidade constitucional de formas e competências regulamentárias, sendo apenas as que a lei estabelecer (artº 112º/6 da Constituição), do ponto de vista da legística é evidente que não estamos perante o mesmo tipo de matérias quando se regula sinais normalizados (artº 52º) ou quando se disciplina um importante instituto como o da declaração de interesse para o turismo (artº 66º) ou os requisitos de instalação ou classificação dos empreendimentos turísticos (artº 4º).

Daí que se impusesse, um pouco à semelhança da Lei Hoteleira cujo figurino é retomado pelo RJET, um único decreto regulamentar, tendencialmente exaustivo, o qual constitui a forma mais solene dos regulamentos governativos, competindo a sua elaboração ao Governo como um todo, promulgado pelo Presidente da República, sujeito a referenda do Governo e carecendo de publicação no Diário da República. Sem prejuízo, naturalmente, de uma outra matéria de pormenor mais sujeita a actualização frequente figurar assumir a forma de portaria.

4) Eliminação das pensões, estalagens, motéis bem como das moradias turísticas e uma diferente e mais restrita tipologia de turismo no espaço rural

Passam a existir seis tipos de empreendimentos turísticos:

Estabelecimentos hoteleiros: em vez de seis subtipos actualmente existentes, tão somente os hotéis, aparthotéis e pousadas;
Aldeamentos turísticos: autonomizam-se desaparecendo, em consequência, a categoria dos meios complementares de alojamento);
Apartamentos turísticos: idem;
Resorts integrados (conjuntos turísticos): formulação encontrada na segunda fase do PENT para, de forma eufemista, diluir algumas reacções adversas ao produto estratégico turismo residencial, que surge agora associado aos conjuntos turísticos;
Empreendimentos de turismo no espaço rural: em vez dos actuais sete tipos (turismo de habitação, turismo rural, agro-turismo, turismo de aldeia, casas de campo, hotéis rurais e parques de campismo rurais) apenas três (turismo de habitação, hotéis rurais e um novo tipo: casas rurais), apresentando ainda uma diferente caracterização como sucede por exemplo no turismo de habitação em que se mantém o enfoque nas características dos imóveis mas se prescinde da sua localização;
Parques de campismo e caravanismo: públicos ou privados consoante se destinem ao público em geral ou apenas aos associados ou beneficiários das respectivas entidades proprietárias ou exploradoras.

Não se avança, porém, qualquer fundamentação para tão substancial redução de figuras, algumas perfeitamente consolidadas e com tradição no nosso turismo.

5) Remissão para o próximo artigo de outros aspectos significativos do RJET

Matérias como a instituição da novel figura do alojamento local (figura residual, sem classificação, englobando as moradias, apartamentos ou estabelecimentos de hospedagem que não possam ser considerados empreendimentos turísticos), o sistema de classificação obrigatório com revisão periódica obrigatória dos pressupostos ou as percentagens de afectação à exploração turística serão desenvolvidas em próximo de artigo de opinião.

P.S. Em Macau, é actualmente divulgado no sítio oficial da Direcção dos Serviços de Turismo, um projecto de diploma relativo ao aluguer de automóveis sem condutor, solicitando-se o contributo dos cidadãos. Paradoxalmente, em Portugal, as reformas da legislação do turismo continuam envoltas num manto de secretismo, uma espécie de graça concedida pelo soberano aos súbditos mais esclarecidos. Até quando?

Carlos Torres
Advogado
Publituris, nº 990 – 14 de Setembro de 2007