sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

A reforma do Regime Jurídico da Urbanização e Edificação

A reforma do RJUE criou boas condições para a revisão da Lei dos Empreendimentos Turísticos.

Acaba de ser publicada a Lei nº 60/2007, de 4 de Setembro, constituindo a sexta alteração ao Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, que estabelece o regime jurídico da urbanização e edificação (RJUE).

O número de alterações – entram em vigor em 3 de Março de 2008 – é bastante expressivo não só do ponto de vista quantitativo – são alterados os artigos 2º a 18º, 20º a 25º, 27º, 35º a 37º, 39º, 42º a 45º, 47º a 86º, 88º a 90º, 93º, 97º a 99º, 102º, 103º, 105º, 106º, 109º a 111º, 113º, 115º a 117º, 119º a 121º, 123º, 126º e 127º – como também qualitativo.

No artº 2º, em matéria de definições, surgem as novas categorias de obras de reconstrução com e sem preservação das fachadas, as obras de escassa relevância urbanística,
zona urbana consolidada e a exclusão do emparcelamento nas operações de loteamento.

Relativamente aos regulamentos municipais, explicita-se que não podem contrariar o RJUE, elimina-se a caução do seu âmbito e adita-se a comunicação prévia relativamente ao valor das taxas a cobrar (artº 3º).

Com bastante interesse se apresenta o novo enquadramento das situações que são objecto de licença e de autorização (artº 4º).

Sujeitas a licença estão, desde logo, as operações de loteamento e, quando não abrangidas por estas operações, as obras de urbanização e os trabalhos de remodelação de terrenos bem como as obras de construção, alteração e de ampliação.

As características dos imóveis (classificados ou em vias de o serem) ou a sua localização (zonas de protecção de imóveis classificados, integrados em conjuntos ou sítios classificados, áreas sujeitas a servidão administrativa ou restrição de utilidade pública) determinam a submissão a licença das obras de reconstrução, ampliação, alteração, conservação ou demolição.

Igualmente sujeitas a licença encontram-se as obras de reconstrução sem preservação de fachadas – na hipótese inversa estão isentas de licença –, bem como as obras de demolição das edificações não previstas em licença de obras de reconstrução e, por fim, as demais operações urbanísticas que não se encontrem nas situações de isenção de licença previstas no artº 6º.

Com grande interesse se apresenta o nº 4 do artº 4º, determinando o regime de autorização para todas as situações de utilização dos edifícios ou das suas fracções, impondo-se ainda a figura no domínio das alterações de utilização. Constitui um procedimento da competência do presidente da câmara, susceptível de delegação nos vereadores e subdelegação nos dirigentes dos serviços municipais (artº 5º, nº 2). Destina-se a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado e com as condições do licenciamento ou da comunicação prévia (artº 62º, nº 1).

O artº 6º, muito alterado, refere-se às situações de isenção de licença que são alargadas, deixando de prever situações de dispensa de licença bem como a figura da autorização. Destacam-se as obras de reconstrução com preservação das fachadas; obras de urbanização bem como os trabalhos de remodelação de terrenos em área abrangida por operação de loteamento; obras de construção, de alteração ou de ampliação em área abrangida por operação de loteamento ou plano de pormenor que contenha determinados elementos; obras de construção, de alteração ou de ampliação em zona urbana consolidada de harmonia com os planos municipais na condição de não resultar edificação com cércea superior à altura mais frequente das fachadas da frente edificada do lado do arruamento onde se integra a nova edificação, no troço de rua compreendido entre as duas transversais mais próximas, para um e para outro lado; piscinas ligadas à edificação principal; alterações à utilização dos edifícios e arrendamento para fim não habitacional, designadamente para empreendimento turístico, agência de viagens ou estabelecimento de restauração ou bebidas de prédios ou fracções não licenciado; as obras de escassa relevância urbanística; e, por fim, os destaques.

Ressalvando-se as que exijam consultas externas, boa parte das situações isentas de licença estão sujeitas ao regime da comunicação prévia.

O destaque de uma única parcela de prédio com descrição predial que se situe em perímetro urbano continua isento de licença, subsistindo o ónus do não fraccionamento durante um período de 10 anos, que deve ser registado. Mantendo-se o primeiro requisito de que as duas parcelas resultantes do destaque confrontem com arruamentos públicos foi suprimido o segundo, ou seja, que a construção já existente ou a edificar na parcela a destacar tenha projecto aprovado.

É aditado um novo artigo 6º A, relativo às obras de escassa relevância urbanística, designadamente as edificações com pouca altura (2,2 m ou a cércea do edifício principal) e área (até 10 m2) na condição de não confinarem com a via pública; muros de vedação não confinantes com a via pública até 1,8 m de altura e de muros de suporte de terras até 2 m ou não alterando significativamente a topografia dos terrenos existentes; estufas de jardim até 3 m de altura e 20 m2 de área; pequenas obras de arranjo e melhoramento da área envolvente das edificações; equipamento lúdico ou de lazer, designadamente um campo e ténis ou mini-golfe ligado à edificação principal.

Outro aditamento com interesse respeita ao parecer, aprovação ou autorização de localização (artº 13º-A) determinando que a consulta de entidades da administração central, directa ou indirecta, que se devam pronunciar sobre a operação urbanística em razão da localização se efectue através de uma única entidade coordenadora. Trata-se da CCDR territorialmente competente, entidade que emite uma decisão global, vinculando, assim, toda a administração central.

Saliente-se igualmente o artº 13º-B relativo às consultas prévias a entidades externas ao município, podendo o interessado solicitar junto das entidades competentes e antes de requerer o licenciamento ou autorização, os pareceres, autorizações ou aprovações legalmente exigidos.

A instituição de um gestor de procedimento, competindo-lhe assegurar o normal desenvolvimento da tramitação processual. Acompanha a instrução, verifica o cumprimento de prazos, esclarece os interessados (artº 8º, nº 3) e promove as consultas a entidades exteriores (artº 13º, nº 1).

Na linha reformista já conhecida, os procedimentos iniciam-se através de requerimento ou comunicação apresentados com recurso a meios electrónicos (artº 9º, nº 1).

O pedido de informação prévia abrange aspectos novos, designadamente um conjunto de operações urbanísticas directamente relacionadas (artº 14º, nº 1) e podem perdurar para além de um ano os seus efeitos vinculativos (artº 17º, nº 3).

Diferentemente da recente Lei sobre Proibição de Fumar em Espaços Públicos, as alterações ao RJUE não contêm normas específicas em matéria de empreendimentos turísticos ou estabelecimentos de restauração e bebidas, não tendo inclusivamente a norma do artº 38º, relativa aos loteamentos em empreendimentos turísticos, registado qualquer alteração.

No que respeita à revisão em curso da Lei dos Empreendimentos Turísticos e, ao que parece, da Lei do Turismo no Espaço Rural, estas alterações em matéria de urbanização e edificação criam excelentes condições para um trabalho profícuo no que respeita à fase de instalação.

Quanto à nova Lei da Restauração e Bebidas, que entrou em vigor há menos de dois meses, poderão ocorrer alterações se a sensibilidade do actual legislador afinar pelo mesmo diapasão de 2002 – as anteriores alterações do RJUE determinaram dezenas de alterações meramente formais em matéria de empreendimentos turísticos, turismo no espaço rural, turismo de natureza e estabelecimentos de restauração e bebidas.

Do meu ponto de vista, atento o princípio de estabilidade legislativa, não se justificarão alterações à LRB pelo facto de o seu artº 7º remeter para o artº 19º do RJUE, que é revogado, ou pela utilização dos estabelecimentos que até agora, consoante os casos, estava sujeito ao procedimento de licença ou de autorização converter-se em autorização. São escolhos que o intérprete ultrapassa em razão do carácter meramente remissivo dessas normas.

É, no entanto, evidente que teria sido preferível aguardar dois ou três meses para publicar a legislação da restauração e bebidas ou, não a adiando, evitarem-se erros de palmatória como a remissão para um preceito cuja revogação já era publicamente conhecida, mercê da publicidade dos trabalhos preparatórios do RJUE, verdadeiramente exemplar nesse domínio, ao invés da reforma da legislação do turismo, na qual tem imperado o secretismo e a surpresa das soluções com reacções negativas, não só esperadas como evitáveis, como a da APAVT à lei das agências de viagens.

Carlos Torres
Advogado
Artigo publicado em PUBLITURIS
(Nº 989 – 7 de Setembro de 2007)