A publicação das alterações à lei das agências de viagens, reveste-se de grande interesse para corroborar o entendimento da inaplicabilidade das novas regras sobre a publicidade das tarifas de transporte aéreo aos pacotes turísticos.
1) As linhas fundamentais do diploma legal
Foi recentemente publicado o Decreto-Lei nº 173/2007, de 8 de Maio (Diário da República nº 88, I Série) do Ministério da Economia e da Inovação, que estabelece os termos em que a obrigação de indicação das tarifas do transporte aéreo deve ser cumprida, bem como determinados requisitos a que deve obedecer a mensagem publicitária a este serviço.
Destaca-se, no respectivo preâmbulo, que sendo o preço dos bens e dos serviços «um factor determinante na formação da vontade de contratar dos consumidores» há que estabelecer, em conformidade, um «princípio fundamental de transparência por forma que o consumidor possa avaliar o custo efectivo do bem ou serviço que pretende adquirir e ponderar a sua decisão».
O legislador constata, por outro lado, a falta de uniformidade na indicação dos preços entre as transportadoras aéreas ou seus agentes, isto é, agências de viagens e outros operadores turísticos (expressão com alguma imprecisão porquanto as agências de viagens e operadores turísticos constituem hoje, face ao disposto no Decreto-Lei nº 209/97 de 13 de Agosto, a mesma realidade normativa) em que nuns casos incluem as taxas v.g. serviço e de segurança e noutros não.
A intervenção legislativa tem como escopo, expressamente assumido pelo legislador, acautelar os direitos e interesses económicos dos consumidores.
Fixam-se, assim, os termos a que deve obedecer a mensagem publicitária (artº 1º) e aplica-se tal regime tanto às transportadoras aéreas como às agências de viagens / operadores turísticos (artº 2º).
O artº 3º estabelece a forma de indicação das tarifas:
– devem ser apresentadas em caracteres bem visíveis, claros e perfeitamente legíveis em ordem a lograr a melhor informação possível para o consumidor (nº 1);
– divulgação do preço em euros ou na moeda local, a ser pago pelo transporte dos passageiros e da sua bagagem como contrapartida da obtenção de serviços aéreos (nº 2);
– a obrigação de informação estende-se a todas as condições de aplicação desses preços, «incluindo o pagamento e as condições oferecidas às agências e outros serviços auxiliares» (idem, nº 2);
– outra obrigação de informação impendendo sobre as transportadoras e os seus agentes no sentido de oferecerem ao consumidor a tarifa mais baixa disponível para a data, voo e classe de serviços pretendidos, «aplicável a cada caso, através dos seus canais de venda directa, como sejam sistema de reservas pelo telefone, portal na Internet e lojas de vendas (nº 4). Esta norma, ao restringir a sua aplicação aos canais de venda directa, exclui naturalmente as agências de viagens, esperando-se, em conformidade que os serviços de inspecção tomem em consideração tal pormenor;
– informação sobre a possibilidade de os canais de venda directa praticarem diferentes tarifas (nº 5);
– se o preço total comporta ida e volta ou só ida (nº 6 e também o artº 5º, nº 3).
A detalhada normação prossegue, prescrevendo-se a apresentação por extenso e na língua portuguesa das taxas, sobretaxas, impostos e outros encargos (artº 4º), na submissão desta matéria às regras do Código da Publicidade (artº 5º, nº 1) e que toda a publicidade relativa a tarifas de transporte aéreo deve indicar o preço total a pagar pelo consumidor, neste se incluindo as taxas, sobretaxas, impostos e outros encargos. Há, ainda, que veicular a informação de que a comercialização da tarifa está sujeita ao número de lugares disponíveis (artº 5º, nº 2).
A fiscalização do diploma bem como a instrução dos processos de contra-ordenação é cometida à ASAE (artº 6º), exceptuando-se a matéria de publicidade a que reporta o artº 5º em que a fiscalização é cometida ao Instituto do Consumidor e a aplicação das respectivas coimas da competência da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade (CACMEP).
São fixadas coimas dissuasoras entre o mínimo de 5000 e o máximo de 35000 € quando se trate de pessoas colectivas (artº 7º). No caso do artº 5º o limite máximo é de 45000 €.
O diploma legal consagra uma vacatio legis de 30 dias (artº 10º).
Incompreensivelmente a APAVT ou a CTP não foram ouvidas na elaboração desta normação, mas tão somente o INAC e consultado o Conselho Nacional do Consumo que, embora integre quatro representantes das associações empresariais, a saber, dos sectores agrícola (CAP), comercial (CCP), industrial (AIP) e dos serviços (Associação Portuguesa de Bancos), não inclui um representante do turismo. Uma falha a corrigir, tal como sucedeu com a Comissão Permanente de Concertação Social, atenta a existência de uma confederação empresarial que prossegue os interesses específicos do turismo.
2) Dúvidas sobre a aplicação aos pacotes turísticos
A aplicação desta matéria aos pacotes turísticos, legalmente designados por viagens organizadas, tem vindo a suscitar algumas dúvidas.
O preço com tudo incluído, que constitui um dos requisitos da viagem organizada (artº 17º, nº 2 do Decreto-Lei nº 209/97, de 13 de Agosto, abreviadamente LAVT), ou seja, a não discriminação dos elementos da viagem designadamente o custo do alojamento e do transporte aéreo, levaria a que o problema não se colocasse.
O preço de pacotes turísticos, tal como o das tarifas de transporte aéreo seria global, incluiria todos os elementos da viagem e, portanto, o desiderato legislativo reflectir-se-ia em ambos. Não haveria sequer que cuidar do âmbito de aplicação dos diplomas legais.
No entanto, permite-se, na sequência da Directiva 90/314/CEE, a autonomização no aludido preço com tudo concluído, os impostos e taxas devidos em função da viagem organizada, ou seja, que estes podem na sequência do direito comunitário adaptado pelo legislador português, ser apresentados separadamente (artº 22º, nº 1, al. c) LAVT).
Por outro lado, os direitos, impostos ou taxas podem, em certas condições conduzir à alteração do preço da viagem organizada (artº 26º, nº 2, al. b) LAVT).
Parece-me, assim, que não tendo o legislador do Decreto-Lei nº 173/2007, de 8 de Maio, tomado posição expressa ou implícita sobre esta matéria e tendo as respectivas normas um âmbito de aplicação diferente e restrito às tarifas de transporte aéreo, manter-se-á inalterada a disciplina das viagens organizadas gizada pelo legislador comunitário, a qual se encontra vertida na LAVT.
Um argumento importante, porventura decisivo, será o das normas acima referidas subsistirem incólumes nas alterações à lei das agências de viagens de que se aguarda, a todo o momento, a respectiva publicação no Diário da República.
Há, assim, que aguardar pela publicação na folha oficial para corroborar estes argumentos e desenvolver outros com maior segurança e ponderação. Ou inflectir o entendimento tendencial acima expresso, o que teria importantes consequências económicas para as agências de viagens (designadamente a retirada de milhares de programas do mercado) mas também para os consumidores, porquanto a agência organizadora da viagem não deixaria, por exemplo, de colocar o valor de uma taxa de combustível a um nível de segurança tão alto que isso teria um efeito perverso para o adquirente do package holiday.
Tratando-se, ainda para mais, de diplomas emanados ambos do Ministério da Economia e Inovação, seria incompreensível a não ponderação e acertada solução de dúvidas desta natureza e a sua incorporação nos textos legais cuja aprovação foi praticamente coeva.
Carlos Torres
Advogado
Artigo publicado em TURISVER
(Ano XXII, Nº 681 – 2ª Série – 5 de Junho de 2007)