Na passada sexta-feira, 21 de Abril, foi publicada no Diário da República nº 79 I-B, a Resolução do Conselho de Ministros nº 39/2006, que aprova o Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE).
A grande novidade relativamente à informação até então disponível, designadamente à publicada no sítio oficial no dia da aprovação das medidas, é a de o Governo ter acabado por manter o Instituto de Turismo de Portugal (ITP). O que se me afigura, sem embargo do que já escrevi em artigos de opinião anteriores, a melhor solução possível face à lógica necessariamente reducionista do PRACE. Com efeito, a criação, à última da hora, do Instituto Português de Turismo ou da Agência Nacional de Turismo, afectavam substancialmente a credibilidade do Executivo, mercê do seu carácter errático, da tergiversação revelada na busca de uma trave mestra da administração central do turismo português.
Com esta solução, encontramos um fio condutor, uma evolução relativa à fase final do relatório PRACE, que inclusivamente o melhora. Como é o caso do Instituto de Formação Turística (INFTUR) em que o relatório final preconizava o seu desmembramento entre os Ministérios da Educação e o do Emprego, o qual apesar de eliminado enquanto instituição do turismo, as respectivas escolas e tudo o que representam na formação de recursos qualificados permanecem no sector, não se diluindo no vastíssimo panorama da educação ou da formação profissional. Os técnicos propunham uma solução não consentânea com os interesses do turismo que o Governo, em boa medida, inflectiu.
No que concerne ao ITP, em vez de se estar a construir uma mega estrutura de contornos indefinidos, ele representa uma sólida base de trabalho, evitando o ridículo de se criar um organismo muito semelhante a outro que acabou de se extinguir. Conhece-se a realidade do organismo que, na anterior Legislatura, substituiu o Fundo de Turismo e as novas atribuições que nele vão ingressar, pelo que o bom senso impõe que se vá por aí.
Também o preocupante argumento que tudo tinha sido destruído, em nome de algo cujos contornos não eram conhecidos, fica substancialmente prejudicado. Um dos pilares importantes subsistiu, pelo que é bem mais fácil estruturar a partir daqui e encontrar uma linha de argumentação política. Rompe-se com o passado, com uma tradição de decénios, mas não de uma forma tão drástica. A discussão passará a gravitar em torno das vantagens e inconvenientes de órgãos concebidos à luz do princípio da especialização das atribuições ou, ao invés, da sua concentração num único organismo por razões de diversa índole designadamente da economia de recursos públicos.
E, já agora, coisa que de ponto de vista político não deve ser de somenos importância, cumpre-se o Programa do Governo. Basta atentarmos que, em lugar cimeiro, no plano das estruturas institucionais do turismo, surge o aprofundamento do papel do ITP.
A confirmar-se a nomeação de Luís Patrão para a presidência do ITP, objectivamente afectada pela precipitada divulgação do seu nome, pode já ser a marca reveladora de um político sólido e experiente de que o Primeiro-Ministro tem de abrir mão do seu gabinete para ajudar a conduzir os destinos de um sector fundamental. Recordo-me da forma hábil como, ao tempo chefe de gabinete do Primeiro Ministro António Guterres, lidou com um complexo problema relativo à lei das agências de viagens. Não sendo a primeira vez que se fala do seu nome para cargos de relevo no domínio do turismo, aguardemos pelo desfecho da situação e então se apurará se a precoce divulgação do seu nome foi uma infantilidade política ou uma manobra para travar a sua nomeação.
Diferentemente do preconizado no relatório final do PRACE, a Inspecção-Geral de Jogos foi extinta, transitando as suas atribuições para a Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE), contrariando, assim, as públicas pretensões do presidente da Associação Portuguesa de Casinos. Como não é expectável que a ASAE venha a ficar sobre a tutela da Secretaria de Estado do Turismo, impõe-se que esta questão seja alvo de um estudo mais aprofundado e que atenda, na medida do possível, ao interesse público e às legítimas expectativas do sector. Atenta a umbilical e muito antiga relação entre o jogo e o turismo, que remonta a Napoleão Bonaparte, não se descortina a razão pela qual o ITP, de harmonia com a novel perspectiva concentracionista que lhe subjaz, não integrará também este importante organismo que pressupõe um conjunto de conhecimentos especializados assaz diferentes dos normalmente pressupostos pela ASAE.
A Direcção-Geral das Actividades Económicas (DGAE), organismo a criar, integrará as atribuições de natureza normativa da Direcção-Geral de Turismo (DGT) enquanto as demais serão, por exclusão de partes, cometidas ao ITP. Este é outro problema que carece dum maior aprofundamento e de reflexão, pois não era essa a solução final do relatório PRACE. Empresas de animação e agências de viagens passam, ao que parece, a serem licenciadas pela DGAE. No entanto, fará sentido a DGAE emitir um parecer vinculativo no domínio do projecto de arquitectura de um estabelecimento hoteleiro? Não será preferível que tais atribuições e outras no domínio da legislação dos empreendimentos turísticos, que pressupõem um elevado grau de conhecimento e uma forte especialização, sejam transferidas para órgãos de proximidade de harmonia, aliás, com os princípios constitucionais da descentralização e da subsidiariedade? E as atribuições da DGT quanto ao relevante aspecto do ordenamento do território não devem ser prosseguidas pelo ITP?
Finalmente, cumpre salientar a política e juridicamente fecunda proclamação de que as dezanove regiões de turismo deixam de integrar o MEI, saindo da administração central do Estado. O epílogo de mais uma investida centralista, tanto mais incompreensível e até paradoxal, porquanto o partido do poder propugna a regionalização, consubstanciando aquelas pessoas colectivas públicas um reconhecido e consensual fenómeno de regionalização turística.
Advogado
Artigo publicado em PUBLITURIS
(Nº 925 – 5 de Maio de 2006)