A situação particular dos Estabelecimentos de Restauração e Bebidas e Empreendimentos Turísticos
1) Introdução e âmbito da lei
Acaba de ser publicada a Lei nº 37/2007, de 14 de Agosto, que aprova as normas para a protecção dos cidadãos da exposição involuntária ao fumo do tabaco e medidas de redução da procura relacionadas com a dependência e a cessação do seu consumo.
As notas subsequentes restringem-se fundamentalmente aos reflexos da lei no sector do turismo, destacando-se as suas normas relativas aos estabelecimentos hoteleiros e outros empreendimentos turísticos e estabelecimentos de restauração e bebidas, sem prejuízo de uma breve panorâmica da normação em apreço e de fugazes referências aos locais de trabalho das empresas do turismo, às agências de viagens (estabelecimentos comerciais de venda ao público) e regiões de turismo (pessoas colectivas públicas).
No artº 1º referem-se as matérias que são tratadas no diploma, o considerável acervo de aspectos que nela são versados e constituem o seu objecto. Com especial destaque surge a protecção da exposição involuntária ao fumo do tabaco, mas não se esgota neste aspecto de prevenção do tabagismo. Com efeito, a lei abrange uma multiplicidade de matérias tal como a composição dos produtos do tabaco, informação, embalagem e etiquetagem, aspectos educacionais, interdição de publicidade, medidas para induzir a limitação ou supressão do consumo, venda a menores v.g. por meios automáticos.
O artº 2º delimita vários conceitos que são ulteriormente abordados na lei, por exemplo área de trabalho em permanência, local de trabalho, local de venda de tabaco, publicidade, recinto fechado, serviço da sociedade da informação e suporte publicitário.
2) Princípio geral de limitação de consumo de tabaco em recintos fechados de utilização colectiva seguido de uma extensa enumeração de interdições de fumar
As matérias do capítulo II (artigos 3º a 7º – limitações ao consumo de tabaco) são as que o legislador dá maior ênfase.
O artº 3º estabelece um princípio geral de limitação de consumo de tabaco em recintos fechados [todo o espaço limitado por paredes, muros ou outras superfícies e dotado de uma cobertura – artº 2º/n)] destinados a utilização colectiva – não têm de ser acessíveis ao público em geral, como sucede por exemplo com o escritório de uma empresa – com a finalidade expressamente assumida de proteger os cidadãos da exposição involuntária ao fumo.
Este princípio geral é depois concretizado em inúmeras proibições no nº 1 do artº 4º, designadamente em quaisquer serviços e organismos da Administração Pública, pessoas colectivas públicas (v.g. regiões de turismo), locais de trabalho, locais de atendimento directo ao público, estabelecimentos nos quais se prestem cuidados de saúde, lares e outros estabelecimentos para idosos ou deficientes, locais destinados a menores de 18 anos (infantários, creches, ocupação de tempos livres, colónias e campos de férias), estabelecimentos de ensino (independentemente da idade dos alunos e grau escolar, abrangendo espaços como salas de reuniões, de estudo, cantinas e refeitórios), centros de formação profissional, museus, arquivos, bibliotecas, salas e recintos de espectáculos, recintos de diversão, zonas fechadas das instalações desportivas, grandes superfícies comerciais e estabelecimentos comerciais de venda ao público (v.g. agências de viagens), cantinas refeitórios e bares de entidades públicas ou privadas exclusivamente afectos ao respectivo pessoal, áreas de serviço e postos de abastecimento de combustíveis, aeroportos, estações ferroviárias e rodoviárias de passageiros, gares marítimas e fluviais, metropolitano, parques de estacionamento cobertos, elevadores, cabinas telefónicas fechadas e caixas de Multibanco em recintos fechados.
Ressalva-se ainda qualquer outro lugar onde, no qual por determinação da gerência – as denominadas normas de funcionamento privativas – ou de outra legislação aplicável que não a presente lei (exemplificando-se com a da prevenção de riscos ocupacionais), se interdite fumar.
Nas alíneas p) e q) do nº 1 do artº 4º surgem-nos respectivamente os estabelecimentos hoteleiros e outros empreendimentos turísticos «onde sejam prestados serviços de alojamento» e os estabelecimentos de restauração ou de bebidas, incluindo-se, nestes últimos, os que possuam salas ou espaços destinados a dança (artº 2º da Lei da Restauração e Bebidas).
A formulação no que respeita aos estabelecimentos hoteleiros e outros empreendimentos turísticos não é feliz. Em primeiro lugar, porque particulariza desnecessariamente os estabelecimentos hoteleiros, os quais constituem um dos quatro tipos de empreendimentos turísticos (artº 1º/2 da Lei dos Empreendimentos Turísticos). Depois pela sua redundância, já que é elemento essencial da definição de empreendimento turístico a prestação de «serviços de alojamento temporário» (artº 1º/1 LET). Em terceiro lugar, deixa de fora outras modalidades de alojamento turístico como o turismo no espaço rural e o turismo de natureza. A possibilidade que adiante veremos de reserva de andares, unidades de alojamento ou quartos para fumadores não valerá também no domínio do turismo no espaço rural?
O nº 2 do artº 4º determina a interdição de fumar num alargado – e aparentemente exaustivo – leque de transportes públicos.
3) Excepções à interdição de fumar em determinados locais de utilização colectiva. Áreas ao ar livre e áreas delimitadas para fumadores
Depois do artº 3º ter consagrado o princípio geral de limitação de consumo de tabaco em recintos fechados de utilização colectiva e de o artº 4º ter enumerado um vasto acervo de proibições, o artº 5º vem consagrar as excepções às proibições fixadas no preceito anterior.
É o caso das áreas exclusivamente destinadas a pacientes fumadores em hospitais e serviços psiquiátricos e de celas ou camaratas para reclusos fumadores nos estabelecimentos prisionais. Neste último caso, alude-se expressamente à possibilidade de fumar nas áreas ao ar livre.
Seguem-se as áreas ao ar livre de todos aqueles locais que vimos vigorar a interdição de fumar, designadamente administração pública, locais de trabalho, de atendimento directo ao público, onde se prestem cuidados de saúde, lares e outros estabelecimentos para idosos e deficientes, centros de formação profissional, museus, arquivos, bibliotecas, salas e recintos de espectáculos, grandes superfícies e estabelecimentos comerciais de venda ao público, recintos de feiras e exposições, cantinas e bares de entidades públicas ou privadas exclusivamente afectos ao respectivo pessoal, aeroportos, estações ferroviárias e rodoviárias de passageiros, gares marítimas e fluviais e estabelecimentos de ensino superior.
Esta permissão de fumar nas áreas ao ar livre é extensiva aos estabelecimentos hoteleiros e outros empreendimentos turísticos e aos estabelecimentos de restauração e bebidas, incluindo os que disponham de salas ou espaços destinados a dança (artº 5º/3).
Prevê-se a faculdade de áreas delimitadas para fumadores na Administração Pública, locais de trabalho, lares e outros estabelecimentos para idosos ou deficientes, salas de espectáculos, recintos de diversão, feiras e exposições, grandes superfícies e estabelecimentos comerciais, estabelecimentos de ensino superior e centros de formação profissional não frequentados por menores de dezoito anos.
Esta possibilidade de áreas delimitadas para fumadores vigora ainda para os estabelecimentos hoteleiros e outros empreendimentos turísticos bem como para aeroportos, estações ferroviárias e rodoviárias de passageiros, gares marítimas e fluviais (artº 5º/5).
O triplo condicionalismo das áreas para fumadores, de harmonia com as alíneas a) a c) do nº 5 do artº 5º, é o seguinte:
a) Sinalização mediante a afixação de dísticos em locais visíveis (matéria que é desenvolvida no artº 6º);
b) Separação física das demais instalações, ou, em alternativa, disponham de dispositivo de ventilação, ou qualquer outro, desde que autónomo, obstando à propagação do fumo nas áreas contíguas;
c) Garantia de ventilação directa para o exterior, tendo como escopo a protecção do fumo relativamente aos cidadãos não fumadores, sejam eles trabalhadores ou clientes.
Há ainda que atender ao regime dos estabelecimentos de restauração e bebidas, incluindo os que possuam espaços ou salas destinados a dança. A norma excepcional – ou seja, para um caso particular adopta uma solução diametralmente oposta à regra geral – figura no nº 6 do artº 5º: nos estabelecimentos com área destinada ao público inferior a 100 m2, o proprietário pode optar por estabelecer a permissão de fumar, desde que cumpra o citado triplo condicionalismo das alíneas a) a c) do nº 5 do artº 5º.
Este regime de excepção em determinado sector da actividade económica e para estabelecimentos de área média ou reduzida deve-se fundamentalmente, segundo creio, à influência da ARESP, e encontrou no deputado do PS, Afonso Candal, um dos principais arautos. O PS que tanto tem sido criticado por governar sobretudo para os grandes grupos económicos, esquecendo sistematicamente as PME, não deixará de certamente de invocar esta medida de excepção em razão da exiguidade do espaço a qual, segundo determinada óptica, permitirá a sobrevivência de milhares de estabelecimentos – cafés, restaurantes, bares e discotecas com menos de 100 m2 de área para o público – explorados por empresários de pequena e média dimensão.
Para os estabelecimentos de restauração e bebidas com uma área destinada ao público superior a 100 m2 deve atender-se ao regime do nº 7 do artº 5º. Podem criar-se áreas para fumadores até 30% da área total destinada ao público – incrementada até 40% nos casos em que se opte pela separação física – desde que cumpram o referido triplo condicionalismo e dois requisitos adicionais: não podem abranger as áreas destinadas exclusivamente ao pessoal nem aquelas onde os trabalhadores desenvolvam, com carácter permanente, a sua actividade.
Para os estabelecimentos hoteleiros e outros empreendimentos turísticos, o nº 8 consagra a possibilidade de reservarem andares, unidades de alojamento (quartos, suites ou apartamentos) ou quartos (conceito já compreendido no de unidade de alojamento) para fumadores até 40% do total, uma vez mais impondo a observância do triplo condicionalismo fixado nas alíneas a) a c) do nº 5 do artº 5º.
A responsabilidade pela definição das áreas para fumadores é atribuída aos responsáveis pelos estabelecimentos em causa (nº 11), ou seja, no caso dos empreendimentos turísticos e dos estabelecimentos de restauração e bebidas à respectiva entidade exploradora devendo consultar-se, consoante os casos, os serviços, comissões ou representantes dos trabalhadores em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho.
4) Responsabilidade pelo cumprimento das interdições de fumar e sinalização das áreas
O artº 7º faz impender sobre as entidades públicas ou privadas que tenham a seu cargo os locais a responsabilidade pela observância dos artigos 4° a 6° – proibições de fumar em zonas fechadas de utilização colectiva ou fora das áreas ao ar livre ou áreas delimitadas para fumadores –, ou seja, sobre as entidades exploradoras no caso dos empreendimentos turísticos e dos estabelecimentos de restauração e bebidas.
Num primeiro momento, devem urbanamente determinar – trata-se de um poder-dever – aos fumadores infractores que se abstenham de fumar. Caso estes não adequem o seu comportamento às normas do diploma, chamar de imediato as autoridades administrativas ou policiais. Sobre estas autoridades recai a obrigação de elaborar o respectivo auto de notícia.
No caso dos empreendimentos turísticos existe a figura do responsável pelos empreendimentos (artº 54º da LET) que, entre outros aspectos, assegura o cumprimento das disposições legais e regulamentares aplicáveis.
O nº 3 permite a qualquer utente exigir a observância da normação restritiva do uso de tabaco em espaços fechados. Para as situações em que tal não suceda, dispõe da faculdade de apresentar uma queixa por escrito – a qual deve ser circunstanciada, isto é, com os elementos factuais indispensáveis à sua correcta apreensão pela competente autoridade pública – impondo a lei que utilize para o efeito o livro de reclamações (Decreto-Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro), instrumento que hoje se encontra disponível na generalidade dos estabelecimentos e não apenas no sector do turismo.
5) Fiscalização do diploma legal cometida no essencial à ASAE
Seguem-se os capítulos III relativo a composição e medição das substâncias contidas nos cigarros (artº 8º a 10º), o IV relativo a rotulagem e embalagem (artº 11º a 14º), o V relativo à venda (artº 15º), o VI em matéria de publicidade e promoção e patrocínio (16º a 24º) o e o VII relativo às medidas de prevenção e controlo do tabagismo.
O penúltimo capítulo, o VIII (artº 25º a 28º), respeita ao regime sancionatório estabelecendo-se no artº 25º as contra-ordenações.
Na alínea a) do nº 1, coimas de 50€ a 750€ para quem fume nos locais sujeitos a proibição ou fora das áreas ao ar livre ou áreas para fumadores.
A violação do poder-dever de as entidades que tenham a seu cargo os locais, instarem os utentes ao cumprimento das restrições decorrentes da normação do tabaco e de, numa segunda fase, prontamente comunicarem a infracção às autoridades públicas é sancionado com coimas de 50 € a 1000 €.
De montante mais elevado – coimas de 2500 € a 10000 € – são as sanções fixadas para a violação do artº 5º (excepções à proibição de fumar em zonas fechadas colectivas, designadamente as áreas ao ar livre e áreas delimitadas para fumadores) e artº 6º (sinalização).
A fiscalização do diploma compete, em regra, à ASAE (artº 28º/1) bem como a instrução dos processos, sendo a aplicação das coimas e sanções acessórias da competência da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria Económica e de Publicidade.
A lei entra em vigor já no próximo dia 1 de Janeiro de 2008 (artº 31º).
Carlos Torres
Advogado
Artigo publicado em TURISVER
(On-Line – 17 de Agosto de 2007)