quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

IVA: Um Ano depois


– A dedutibilidade das despesas profissionais na proporção de 50% seria perfeitamente aceitável e ajustada na actual conjuntura.
– Quanto ao IVA suportado noutros Estados-membros embora a solução ideal seja a da dedução continua a vigorar o sistema de reembolso.
– A Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de Maio de 2002, defende a necessidade de aplicação de uma taxa reduzida de IVA aos serviços com uma forte componente de mão-de-obra, elegendo-se especialmente o sector da restauração.
– No domínio da hotelaria, a questão da desanexação do IVA para efeitos promocionais foi celeremente resolvida.

A matéria do IVA suscita habitualmente, nesta época do ano, grande interesse, em razão da apresentação e discussão da proposta de Orçamento de Estado.

Reflectirei, assim, sobre a evolução dos aspectos fundamentais daquele imposto que se revistam de interesse específico para o turismo. Particularmente sobre a situação existente há um ano atrás, a evolução entretanto registada e as perspectivas de evolução futura.

A taxa normal do IVA foi recentemente elevada de 17 para 19% – Lei nº 16-A/2002, de 31 de Maio –, mantendo-se inalteradas a taxa intermédia (12%) e a reduzida (5%), aplicáveis, respectivamente, aos serviços de restauração e alojamento.

No que ao turismo concerne, a questão do IVA desdobra-se fundamentalmente em quatro aspectos: em primeiro lugar, a dedutibilidade das despesas profissionais de deslocação, alojamento e alimentação (ponto I); em segundo lugar, o mecanismo do reembolso do IVA suportado noutros Estados-membros (ponto II); em terceiro lugar, o facto de Espanha aplicar uma taxa reduzida (7%) aos serviços de restauração, enquanto, entre nós, tais serviços são tributados a uma taxa intermédia (12%) (ponto III); em quarto lugar, a denominada desanexação do IVA (ponto IV).

I. Quanto ao primeiro aspecto, o cerne do problema reside no artº 21º do Código do IVA, que exclui do direito à dedução – peça essencial e estruturante do sistema de IVA instituído pela VI Directiva – o imposto suportado, entre outras, nas despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo e do seu pessoal [nº 1, al. c)] bem como nas despesas respeitantes a alojamento, alimentação e bebidas [nº 1, al. d)]. Subjacentes ao preceito encontram-se razões de prevenção da evasão e fraude fiscais e a fácil adstrição de tais despesas a consumos privados.

Da jurisprudência comunitária, mais precisamente do caso Ampafrance (Acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2000), decorre um marco importante e incontornável na questão da dedutibilidade do IVA. A administração fiscal francesa excluía o direito à dedução apoiando-se em razões de evasão e fraude fiscal. O Tribunal de Justiça entendeu, porém, que tais limitações, precludindo o estruturante direito à dedução quando existem outros meios para controlar a evasão e fraude fiscais, afectam o princípio da proporcionalidade e neutralidade do imposto.

Mostrando-se sensível à argumentação da jurisprudência comunitária, o então Ministro das Finanças, Dr. Pina Moura, anuncia a criação de um grupo de trabalho com o objectivo de estudar a questão da dedutibilidade do IVA suportado nas despesas profissionais de alojamento, de recepção e de alimentação, o qual teria como missão propor as respectivas alterações legislativas até 15 de Setembro de 2001 (Despacho conjunto dos Ministérios das Finanças e da Economia nº 669/2001, de 29 de Junho de 2001, in DR, II Série, de 24 de Julho de 2001). O grupo de trabalho, incorporando na mesma proporção interesses públicos e privados, era composto pelos seguintes representantes: um do gabinete do Ministro das Finanças (coordenador), outro do gabinete do SET, um da Administração Geral Tributária e outro da Direcção Geral das Contribuições e Impostos, e, por fim, quatro da Confederação do Turismo Português (CTP).

Porém, o sucessor na pasta das Finanças, Dr. Guilherme de Oliveira Martins, e especialmente o seu Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Dr. Rogério Fernandes Ferreira, inviabilizaram a constituição de tal grupo de trabalho. Apesar de terem sido oportunamente indicados os representantes da CTP, o grupo de trabalho nunca chegaria a reunir.

Foi neste quadro que surgiram, há um ano atrás, aquando da discussão do Orçamento de 2002, três iniciativas em sede parlamentar. Uma, diferida no tempo, visando conferir ao Governo algum tempo para a resolução do problema, as restantes, com carácter imediato, visando uma concreta solução redactorial do artº 21º do Código do IVA.

Quanto à primeira, o PCP, através do deputado Lino de Carvalho, apresentou a proposta nº 48-C, consubstanciada numa autorização legislativa de molde a lograrse solução da dedutibilidade do IVA das despesas profissionais.

Por seu turno, o deputado Patinha Antão (PSD) elabora a proposta nº 1198-C, na qual a dedutibilidade das despesas de transportes e viagens ficaria condicionada à contratualização com agências de viagens e à aceitação do seu custo em sede de IRC, apresentando-a com brilhantismo no debate na especialidade, pondo o acento tónico na necessidade de competitividade do nosso sector turístico com o espanhol no contexto de um mercado interno alargado.

Embora mais frugal na argumentação apresentada no Plenário, seria da autoria da deputada Celeste Cardona (CDS-PP) a proposta nº 1120-C, contendo um texto mais abrangente que o anterior, no qual se aponta a utilização do sistema fiscal enquanto instrumento fundamental de competitividade, em especial das empresas turísticas portuguesas relativamente às suas congéneres espanholas. Na aludida proposta figura um regime de dedutibilidade integral, isto é, a 100%, idêntico ao que vigora na vizinha Espanha.

Todas as propostas viriam a ser rejeitadas, com o curioso argumento de estar em preparação uma directiva e, por essa razão, o legislador nacional não dever disciplinar a matéria, aguardando-se o resultado do labor comunitário. Existindo diferentes soluções de dedutibilidade das despesas profissionais ao nível europeu, intui-se facilmente que se imporia a solução inversa, por forma a acautelar os interesses nacionais. Basta ponderar a hipótese de o futuro texto comunitário vir a ressalvar a possibilidade de os Estados membros que aplicarem tal solução ao tempo da sua entrada em vigor o poderem continuar a fazer por um período mais ou menos longo. Espanha durante esse período manteria o regime de dedutibilidade enquanto Portugal não disporia de tal faculdade.

Não é crível que na actual situação das Finanças Públicas se possa introduzir a dedutibilidade integral do IVA suportado nas aludidas despesas profissionais, tal como é praticada em Espanha. Mas também não é compreensível, por elementares razões de confiança política, que se enverede por uma postura de esquecimento das posições que as duas forças políticas que sustentam o actual Governo assumiram num passado recente. O direito comunitário poderá neste campo fornecer uma solução de razoabilidade e equilíbrio dos diferentes interesses em presença, ou seja, a competitividade do nosso turismo e a manutenção das receitas fiscais em sede de IVA. A dedutibilidade de tais despesas profissionais na proporção de 50%, tal como figura na proposta de directiva apresentada pela Comissão em 17 de Junho de 1998 (JOCE nº C219, de 15.7.1998), seria perfeitamente aceitável e ajustada na actual conjuntura.

II. Questão diferente é a do IVA suportado noutros Estados-membros. Embora a solução ideal seja a da dedução, nos termos da qual o sujeito passivo poderia deduzir o IVA pago noutro Estado-membro ao montante do imposto que é devedor no Estado do estabelecimento, instituindo-se um sistema de compensação das dívidas entre os diferentes Estados-membros, ainda não foi possível a sua implementação. Com efeito, continua a vigorar o sistema de reembolso, devendo a empresa que suporta despesas num Estado-membro diferente do estabelecimento apresentar o respectivo pedido em cada um dos Estados, encontrando-se o procedimento previsto na VIII Directiva (79/1072/CEE do Conselho, de 6 de Dezembro de 1979). Apesar de em 1998 ter sido apresentada uma proposta de directiva com o escopo de introduzir a dedução, subsiste o sistema de reembolso, alvo de reiteradas críticas em razão da complexidade das formalidades administrativas e dos alargados prazos de restituição do imposto.

III. Uma breve nota relativamente ao terceiro aspecto, ou seja, o das diferentes taxas do serviço de restauração nos diversos Estados membros. Oito dos quinze membros não aplicam a taxa normal mas uma taxa reduzida ou intermédia: entre 3 e 10%, Espanha, Grécia, Países Baixos e Luxemburgo; entre 10% e 12,5%, Áustria, Itália, Irlanda e Portugal. Relevando sobretudo a diferença existente entre Espanha (7%) e Portugal (12%).

No plano interno, a circunstância da Drª Celeste Cardona ter ascendido à pasta da Justiça, tem objectivamente o significado da perda de uma autorizada voz que em sede parlamentar impediu o esquecimento da problemática da redução do IVA nos serviços de restauração, mercê da periodicidade, empenho e consistência técnica com que a reavivava. Também aqui acentuando a diminuição da competitividade das nossas empresas comparativamente às espanholas em razão da componente fiscal. No entanto, tal perda é contrabalançada pelo surgimento de um novo enfoque ao nível comunitário. Refiro-me à Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de Maio de 2002, que defende a necessidade de aplicação de uma taxa reduzida de IVA aos serviços com uma forte componente de mão-de-obra, elegendo-se especialmente o sector da restauração. Preconizando-se, não uma mera aplicação da taxa reduzida com transitoriedade, outrossim com carácter permanente, por forma a potenciar o emprego neste sector e colocar o turismo europeu numa posição mais competitiva.

IV. Uma quarta questão que há cerca de um ano se impunha com alguma acuidade foi recentemente resolvida com elevado pragmatismo e eficiência. No domínio da hotelaria, a questão da desanexação do IVA para efeitos promocionais – isto é, a possibilidade de divulgação do preço, v.g. em programas e sites, sem a inclusão do respectivo imposto – foi celeremente resolvida. Denotando um empenhado envolvimento das Secretarias de Estado do Turismo e dos Assuntos Fiscais, removendo um entrave à competitividade das empresas.

Carlos Torres
Advogado
Turisver, Ano XVII – nº 578 – 5 de Outubro de 2002