quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Uma Legislação do Turismo protegendo os Valores fundamentais da Arquitectura Tradicional Portuguesa

A recentemente anunciada revisão da legislação pode constituir uma excelente oportunidade para a introdução de requisitos conducentes a uma maior exigência no domínio da edificação dos empreendimentos turísticos, consagrando-se um maior grau de protecção aos aspectos mais significativos da arquitectura portuguesa.

1. Introdução

No presente artigo reflicto sobre o tratamento que a legislação dos empreendimentos turísticos confere às importantes questões da arquitectura. Dado que, à primeira vista, tal matéria encontra um tratamento desenvolvido e satisfatório no domínio do turismo no espaço rural e do turismo de natureza não me ocuparei destas vertentes do alojamento turístico. Nem da eliminação das barreiras arquitectónicas para deficientes, que justifica, pela sua dimensão, um tratamento autónomo.

Num primeiro momento, percorre-se sumariamente o tratamento legislativo conferido ao nível da LET e dos respectivos decretos-regulamentares. Num segundo momento, esboçam-se algumas soluções relativas à recentemente anunciada revisão da legislação dos empreendimentos turísticos.

2. As questões arquitectónicas na actual legislação dos empreendimentos turísticos

Como se sabe, na actual legislação inverteu-se o papel que na anterior (a conhecida lei hoteleira) era cometido à DGT e às câmaras municipais. Actualmente é a câmara municipal respectiva que licencia a construção de um empreendimento turístico, tendo, no entanto, de consultar várias entidades exteriores, designadamente a DGT. Ora o parecer da DGT, que assume natureza vinculativa, versa precisamente, a par da matéria de localização, o projecto de arquitectura, encontrando-se os critérios que norteiam a emissão do aludido parecer fixados com suficiente rigor (artº 15º e segs. LET).

Consagra-se, na linha de um relevante interesse público e das aspirações dos arquitectos portugueses, que os estudos e projectos de empreendimentos turísticos carecem de subscrição de arquitecto, isolada ou conjuntamente com a de engenheiro civil. Os aspectos de natureza arquitectónica e paisagística devem ser explicitados pelo requerente na fase facultativa da informação prévia ou na obrigatória do licenciamento da construção (arts. 1º a 3º da Portaria nº 1064/97, de 21 de Outubro).

O importante mecanismo da dispensa de requisitos, verdadeira válvula de segurança para a atenuação da rigidez legal em matéria de classificação, pode apoiar-se, entre outras, na susceptibilidade de afectação das características arquitectónicas ou estruturais de imóveis classificados ou com reconhecido valor histórico, arquitectónico, artístico ou cultural (artº 40º, nº 1 LET).

Permite-se que as unidades de alojamento e as zonas comuns dos estabelecimentos hoteleiros possam distribuir-se por outros edifícios que não o principal. Uma das condições a observar consiste na necessária homogeneidade do ponto de vista arquitectónico (artº 17º, nº 1 Reg EH). Precisamente um dos requisitos que condiciona a existência de um hotel resort (artº 27º, nº 3 RegEH).

No quarto grupo da classificação dos estabelecimentos hoteleiros – as estalagens – um dos elementos que avulta na facti species caracterizadora é a integração na arquitectura regional (artº 39º RegEH).

No que tange às pousadas, os imóveis nos quais se encontram possuem características especiais, já que se encontram classificados como monumentos nacionais ou de interesse público regional ou municipal. Podem, ainda, ser edifícios representativos de determinada época em razão da sua antiguidade e do valor arquitectónico e histórico. Devem, com as necessárias adaptações, preencher os requisitos mínimos das instalações e funcionamento impostos para os hotéis de 4 estrelas, a menos que com isso se afectem as características arquitectónicas ou estruturais dos edifícios (artº 43º e segs RegEH).

No segundo tipo de empreendimentos turísticos – meios complementares de alojamento – surgem-nos os aldeamentos turísticos, que se caracterizam por um conjunto de instalações com interdependência funcional que apresentam homogeneidade ao nível arquitectónico (artº 2º RegMCA). Com grande interesse, surge-nos a norma do artº 8º RegMCA, que estabelece limites à construção em altura, ou seja, os edifícios que integram os aldeamentos turísticos não podem ter uma altura superior a três pisos, sendo que nestes se inclui o rés-do-chão.

3. A ponderação dos aspectos arquitectónicos nos trabalhos preparatórios da anunciada revisão da legislação dos empreendimentos turísticos

A anunciada revisão da lei dos empreendimentos turísticos deverá permitir a introdução de novos requisitos tendentes à afirmação e preservação dos valores tradicionais da arquitectura portuguesa que reforcem a identidade nacional e nos diferenciem enquanto destino turístico. Essa diferenciação potencia a nossa competitividade. As novas edificações turísticas podem constituir um dos factores de inflexão da degeneração das nossas vilas e cidades, apontando uma linha de rumo na recuperação do nosso património arquitectónico.

As alterações deverão ser precedidas duma alargada discussão plurisdisciplinar, na qual, entre outros, é indispensável o papel dos arquitectos. Recorde-se a forte influência destes profissionais na fase de lançamento do turismo português, designadamente dos Arquitectos Paulo de Carvalho Cunha (Plano de Valorização Turística do Algarve, Estudo Preliminar, 1963) e António Teixeira Guerra (Relatório de base do Plano para o Desenvolvimento do Turismo na Ilha da Madeira; – em co-autoria com José da Silva Lopes, Elementos Preparatórios de um Plano de Desenvolvimento Turístico para o Período 1964/68, Fevereiro de 1963).

Ao nível regional poderão criar-se propostas de discussão em torno de memórias descritivas das traças arquitectónicas e dos materiais de construção a utilizar nas diferentes tipologias. Certamente umas mais permeáveis que outras aos valores da arquitectura portuguesa regional.

Parece que nos apartamentos turísticos (quando não integrados em aldeamentos) deverão ser introduzidos limites à construção em altura. E alguma aproximação aos valores da arquitectura portuguesa terá de ocorrer em sede de conjuntos turísticos. Finalmente, deverão os aldeamentos turísticos, para além da actual homogeneidade arquitectónica, integrar-se obrigatoriamente na arquitectura regional.

Os critérios de classificação dos diferentes grupos de estabelecimentos hoteleiros, meios complementares de alojamento e conjuntos turísticos deverão reflectir, naturalmente em diferentes medidas, a tomada em consideração dos valores da arquitectura portuguesa.

4. Considerações finais: ainda a substituição de altos dirigentes do turismo e o estudo coordenado por Sancho Silva sobre a competitividade da restauração portuguesa

Face a alguns comentários de concordância e encorajamento relativamente ao último artigo em que me referi à forma pouco correcta como foi substituída a administração do ITP e do INFTUR, devo referir que, ao invés, fiquei com a sensação de não ter ido tão longe quanto devia. Com efeito, nessa matéria, não explicitei uma dúvida que então me assaltou – a qual persiste – quanto ao facto, aparentemente inexplicável, de a vaga de substituições ter deixado incólume a directora-geral do Turismo. Ou se mantinham todos os titulares até que terminassem os respectivos mandatos ou, a ocorrer a surpreendente e musculada substituição generalizada de dirigentes, não poderia deixar de abranger Cristina Siza Vieira, cuja aderência às orientações políticas da anterior Legislatura e competência técnica não diferem substancialmente de Saldanha Bento ou Francisco Vieira. Não entendo o critério que norteou o Ministro da Economia nas substituições dos altos dirigentes do turismo. E como se trata de coisa pública, deveria ser minimamente apreensível.

Cumpre felicitar Sancho Silva pelo bom estudo, ao qual já consagrei uma fugaz primeira leitura, que sob a égide da ARESP e do CESTUR (ESHTE) foi recentemente dado à estampa, intitulado A competitividade da restauração portuguesa face à oferta equivalente em Espanha. Coordenando uma pequena equipa e com a utilização parcimoniosa de recursos públicos para a sua feitura, o autor abre inúmeras pistas e revela aquela solidez técnica característica da respeitosamente designada velha guarda do turismo.

Carlos Torres
Advogado
Artigo publicado em TURISVER
(Ano XX – nº 640 – 20 de Julho de 2005)