1) Breve balanço da actual Legislatura
Esta época do ano é particularmente atreita a balanços. Com a realização de eleições a pouco mais de um mês, a retrospectiva vai necessariamente para além do horizonte anual, abrangendo o período de governação da actual maioria parlamentar (XV e XVI Governo Constitucional). Estou convicto que na história do turismo português, a actual Legislatura (2002-2005), que brevemente conhecerá o seu epílogo, terá como traços dominantes a crise do crescimento apesar de eventos de enorme impacto como o Euro 2004 e a governação muito negativa tendo como expoente máximo o Ministro da Economia do anterior Executivo. Dessa política ressaltam a perda de um instrumento público fundamental como as Pousadas (a marca portuguesa com maior notoriedade), a investida contra as regiões de turismo, a continuação do esvaziamento de competências da DGT, a subordinação da actividade política ao difuso PDT (espécie de sucedâneo do programa de Governo), uma matriz bancária de decisão política sem conexão com as especificidades do sector, e a prolongada e irrepetível situação de a confiança política residir não no titular do órgão previsto na lei (Secretário de Estado do Turismo: órgão singular de que foram titulares dois prestigiados profissionais do turismo) mas numa colaboradora, surgindo nalgumas importantes matérias da governação do turismo um órgão bicéfalo.
Tudo isto com a cumplicidade da sociedade civil que, profundamente anestesiada, assistiu impassível à sucessão de acontecimentos.
O actual Primeiro-Ministro, terá resistido às pressões do seu antecessor no sentido de integrar Carlos Tavares no novo elenco governamental (a convicção geral de que seria um dos ministros remodeláveis é, assim, aparentemente errónea) e, independentemente das razões que estiveram na génese da nova solução de orgânica governamental instituiu, finalmente, o Ministério do Turismo. A fraca credibilidade do Executivo ameaça contagiar a solução. Penso, porém, que há que separar claramente as coisas, não tomando a nuvem por Juno.
2) Vozes críticas que se destacaram
No panorama geral de letargia irrompem, pelo contraste das opiniões combativas e discordantes, quatro personalidades: dois jovens turcos e dois decanos.
Quanto aos primeiros, Carlos Costa, através das suas consistentes e demolidoras análises dadas à estampa neste jornal e noutras publicações, foi o grande crítico da Legislatura pondo confrangedoramente a nu algumas fragilidades da governação. José Apolinário, que paulatinamente ganhou a confiança do sector através de uma persistente e notável actividade parlamentar de fiscalização do Governo, surge agora perfeitamente legitimado e respeitado como o responsável político do PS na área do turismo. Esperemos que José Sócrates, se for o próximo Primeiro-Ministro, aja diferentemente de Durão Barroso relativamente a Patinha Antão. É desejável, por elementares razões de confiança política e dignidade pessoal, que o ministro-sombra ou responsável de uma força política para o sector do turismo durante o período de oposição assuma a respectiva pasta quando o seu partido vence as eleições e é chamado a formar Governo.
Quanto aos segundos, Licínio Cunha, antigo governante e docente de turismo, não deixou que a orientação partidária toldasse as suas excelentes e oportunas análises, verdadeiras pedradas no charco vindas de alguém com indiscutível autoridade política e técnica. Belmiro Santos, o grande colunista do sector, manteve as suas lúcidas e frequentes reflexões, alargando-as inclusivamente a outras publicações. É uma benção poder escrever tanto e tão acertadamente.
3) Algumas reflexões em torno da futura governação do turismo
Mais do que o balanço importa perspectivar o futuro e em vez de nos reservarmos comodamente à crítica fácil do que vier a ser feito, importa contribuirmos serena e descomplexadamente com as nossas propostas. É o tempo da esperança, do fervilhar de ideias, dos contributos entusiásticos, algo inimaginável na cinzenta modorra do último triénio.
3.1) O panorama institucional do turismo português
Nesta sede, importa valorizar as grandes instituições do turismo português, com especial incidência na Direcção-Geral do Turismo (DGT) e nas regiões de turismo, na medida em que especificidade do sector postula que as políticas governamentais sejam implementadas por organismos públicos altamente especializados, com vasta experiência na matéria e prestígio junto dos cidadãos e empresas.
Mantendo-se, em grande parte, as atribuições e competências do recém criado Instituto de Turismo de Portugal, haverá que fazer regressar à DGTalgumas das suas clássicas atribuições designadamente em matéria de agências de viagens, turismo no espaço rural e de fiscalização da qualidade dos serviços turísticos atribuídas às direcções regionais de economia (DRE) e à Inspecção Geral das Actividades Económicas (IGAE), criando-se as indispensáveis condições para que volte a desempenhar o seu importante e insubstituível papel na administração directa do Estado.
É principalmente nas regiões de turismo que se poderão dar passos significativos para uma nova e mais eficiente implementação das políticas de turismo, porquanto estas pessoas colectivas de direito público que integram a administração indirecta do Estado, são mercê da proximidade quem melhor conhece a realidade local ao nível dos produtos, equipamentos e serviços, e, simultaneamente, as principais interessadas numa política de qualidade e rigor. Complementarmente, a descentralização de competências em matérias de fiscalização do alojamento, restauração e bebidas (porventura somente os classificados ou declarados de interesse para o turismo) e animação permitirá aproximar consideravelmente a administração do turismo dos cidadãos.
3.2) O licenciamento da construção e da utilização dos edifícios destinados a alojamento turístico sob a alçada de órgãos com vocação turística
É um sentimento comum que, nos últimos anos, o turismo perdeu influência relativamente a outras áreas, destacando-se a ambiental e os processos de licenciamento que saíram da DGT para as câmaras municipais. Os investidores expressam amiúde as suas preocupações relativamente à morosidade e a pouca sensibilidade dos municípios para as particularidades da edificação turística. Não parecendo realizável uma simplificação mais profunda do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE) e da legislação turística, o futuro Governo deve procurar, em plena concertação com a Associação Nacional dos Municípios Portugueses uma solução de equilíbrio que permita voltar a atribuir a órgãos de pendor marcadamente turístico, como é notoriamente o caso das regiões de turismo, competências em matéria de licenciamento da construção ou da utilização de edifícios destinados a empreendimentos turísticos, turismo no espaço rural e turismo de natureza. A solução é potenciada pela grande proximidade existente entre estes dois entes públicos, porquanto as câmaras municipais para além de despoletarem o processo de criação das regiões de turismo constituem a sua força dominante.
3.3) Binómio qualidade/emprego e limitações à construção
A política de qualidade e requalificação da oferta de empreendimentos turísticos aliada a objectivos de pleno emprego, implica que os estímulos ao investimento se concentrem, em regra, em projectos de estabelecimentos situados no topo de classificação e se privilegiem as tipologias geradoras de maior empregabilidade, v.g. estabelecimentos hoteleiros em detrimento de meios complementares de alojamento turístico.
Por seu turno, o acelerado ritmo de construção dos últimos decénios concentrado no litoral, fortemente descaracterizador da paisagem e do ambiente, tem consequências negativas na imagem de Portugal como destino turístico. Procurar-se-á, assim, no domínio do turismo, que nas zonas onde revele uma oferta excessiva em lugar de novas edificações se opere a remodelação das existentes ou quando tal não for possível por razões de índole técnica ou de rendibilidade, os edifícios projectados em sua substituição tenham obrigatoriamente uma classificação superior.
3.4) Promoção interna e externa
Havendo que proceder a ajustamentos da marca Portugal, a vertente interna da promoção terá como pilar fundamental as dezanove regiões de turismo existentes, as quais pela circunstância de incorporarem representantes dos interesses privados do turismo designadamente empreendimentos turísticos, agências de viagens, estabelecimentos de restauração e empresas de animação, estão em condições ímpares de desempenharem tais funções, de harmonia com uma tendência quase secular de participação dos interesses privados na administração do turismo que remonta às comissões de iniciativas.
No plano da promoção externa, o futuro Governo não pode abdicar das suas prerrogativas que constituem aliás o núcleo intangível da função política, pelo que definirá ele próprio as respectivas linhas mestras norteado pelos superiores interesses do nosso turismo. A sua execução assentará tal como resulta da lei, nas regiões de turismo que constituem «interlocutores privilegiados da administração central na promoção turística externa». A representação de interesses privados nas regiões de turismo compatibiliza a solução com as mais modernas medidas preconizadas nesta sede pela Organização Mundial do Turismo (OMT). Haverá, no entanto, que adequar a solução legal das dezanove regiões de turismo ao interesses do marketing turístico estruturado em cinco regiões no continente, pelo que o futuro Governo em estreita colaboração com a respectiva associação ANRET – Regiões de Turismo de Portugal, criará condições para se associarem no plano macro-regional em tendencial correspondência com as NUTS II.
Existindo actualmente meios científicos que permitem determinar com precisão o alcance e a eficácia das acções de promoção externa, designadamente as propostas pela OMT, é com base nestes critérios e na participação das campanhas em concursos internacionais que tais acções serão avaliadas e não com expedientes políticos de comprometimento dos potenciais críticos, sem nenhuma ligação com os superiores interesses nacionais.
3.5) Dinamização do mercado interno. O cheque-férias
Haverá que criar condições para uma maior pujança do mercado interno e para a atenuação da sazonalidade, através de medidas estruturantes, dentre as quais se destaca o incremento do turismo sénior e o cheque férias. Este último, implantado nos anos sessenta em França, constitui ainda hoje uma experiência de sucesso susceptível de recriação e adaptação à realidade portuguesa, nomeadamente associando-lhe alguns benefícios fiscais que tornem verdadeiramente atractiva a sua aplicação no campo das relações de trabalho como um sucedâneo do pagamento de horas extraordinárias ou de fringe benefits.
3.6) Criação de Centros de Investigação com projecção internacional e realização de grandes eventos científicos do turismo
Outro dos objectivos traduz-se na criação de centros de investigação e desenvolvimento que possam, a médio prazo, constituir uma referência a nível internacional em áreas ainda por explorar, por exemplo a legislação do turismo ou a fiscalidade no turismo. A realização de grandes eventos científicos ao nível internacional que contribuam para um melhor conhecimento do sector, deverão ser activamente apoiados pelo futuro Governo.
Termino este texto com uma efeméride. Respeita à OMT, organização sucessora da União Internacional dos Organismos Oficiais (UIOOT), que há precisamente trinta anos iniciou a sua actividade. Tendo-se candidatado nove países para a realização da primeira assembleia geral da OMT, Espanha é escolhida pelos membros em detrimento do México. Pretendia o país vizinho, mercê da sua nova situação política, desempenhar um papel relevante nas relações internacionais e uma contribuição maior nas relações turísticas entre a Europa e o Terceiro Mundo. Inteligentemente colocou à disposição da nova organização um imóvel que acolheu a sua sede, começando a OMT a funcionar em 2 de Janeiro de 1975, sendo o respectivo secretariado transferido no ano seguinte de Genève para Madrid.
Carlos Torres
Advogado
Artigo publicado em VIAJAR
(Nº 156 – 2ª Série – 1ª Quinzena de Janeiro de 2005)